quinta-feira, 19 de novembro de 2009

galacta

esse espaço, e sua ciranda de estrelas
alimentam no homem o próximo passo:
querendo ser forte, de aço,
se vê minúsculo, opaco, de cera.

e nada lhe resta mais que a cadeira
de madeira polida e educada
para contar constelações, na sacada,
dessas musas luminosas e alheias.

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como consolação, Deus deixa o homem
após eras de agonia e deserção de um Éden infinito
virar luz e poeira à beira de um rio.

fluxo de pensamentos inomináveis

o mundo passeia no universo como criança a brincar
anda abaixado entre o silêncio e o luar
que dilúvios infinitos comanda, como a chorar
nunca dissolvendo a melancólica nota do passar
do tempo que te faz cada ano mais leve que o ar

que nada te permite ter, que nada lhe permite sonhar
que chora à noite, como recém-nascido, querendo mamar
faz levantar da cama, faz querer se suportar
até essa noite, pequenina, faz um leito pra deitar
e voar e sumir e morrer e voltar ao início, um lugar

que não existe nem tem o exaltar daquele brilho
que pensavas ter, que pensavas achar, que nada é.

ainda restará na curva estranha do horizonte
uma folha de orvalho que se assemelhe
ao triste acabar da madrugada, perenemente
absorta em acabar-se na alvorada?

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

pequenas sinfonias

esses sons desiguais se enlaçam
como lâminas finas, fluidos corrosivos
e desembocam intranquilos
da minha língua inquilina
de verbos sublimados

morada

deixei-me acreditar
que era nulo, vago e morto
julguei-me errado,
julguei-me roto.

mas minhas pernas erguidas
minhas penas sofridas
arrancaram-me, elevaram-me
com mais força que pedra firme.

sou mais sólido que o vento
e quando eu tento
posso até ser mais que penso
mesmo que um pouco tenso.

de agora em diante, não mais remorso
sei que agora tudo posso,
que tudo traço e destroço:
eis meu sorriso no rosto.

resguardarei minhas intenções
arquitetarei revoluções
e dos meus medos superados
erguerei fortaleza e treva armados.

serei negro e branco e transparente
nunca d'antes tão presente
nunca antes tão como eu
jurei e juro ser meu

inteiro no erro desnecessário
completo no gozo herege
e na nudez pura que me rege - até a hora da morte,
achar em mim o abrigo provisório.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

carta imprevista e desconsiderável para o todo

ih, liga não. só não tenho muito o que dizer pra alguém que eu nem conheço, fica um clima estranho. nada contra amizades virtuais, mas eu me cansei delas quando o meu mundo ganhou um sabor de brisa na companhia palpável das pessoas no mundo lá fora. aqui, depois disso, sempre me parece algo meio aborrecido. mas vc parece ter tanto a intenção de se dar, no bom sentido, que eu até fico curioso com a sua pessoinha. quem é vc? (ps: ninguém é a descrição do perfil, pelo amor de deus, buda e matuzalém!) o que vc faz, onde vc gosta de estar e com quem, o que vc gosta de viver? um abraço requintado, desses de bunda afastada ainda. PS: não to te dizendo -cresça!- ou coisa assim, mas tome cuidado, se seu envolvimento com a gente daqui. nada há de errado com as pessoas fantasiarem, criarem, se esconderem. mas se envolver com as sombras ou as máscaras declaradas pode ser algo atordoante, dolorido... é chato imaginar as pilhas de pessoas que se escondem sob essa coisa do (eu sou diferente, único, eu causo, etc)
as pessoas se esquecem que são muito mais comuns do que pensam, ou, se percebem isso, não entendem que não é algo ruim ser comum. hj em dia existe um desespero tão imenso dessa nossa galera indigente em ser alguém, que me pergunto o que realmente elas querem dizer... ou pior, o que elas querem ser.
tome cuidado com isso também. se somos o que pensamos que somos, temos que prestar mais atenção em quem nos diz como nos pensar.

grandes votos! abraços.

espero conhecer ou conversar com você um dia.
até lá, força, luz e felicidade para você e para os seus.

ass: m.o.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

ânima

eu quero a sorte de poder me esquecer
de tudo que eu poderia ter sido

viver só esse horizonte belo e tecido
com veias de montanha, céu e mar

deixar morrer essa fantasia minha
que eu não mais controlo, desolado

ressucitar em mim a vontade pequenina
de um velho garoto inacabado

sentenças ou juízos ou da morte dos meus últimos sonhos

a porta se fecha. ruidosamente primeiro, gemendo, depois bate (CLANG!).
uma mão firme e imaginária dá voltas à chave, escondendo os dois ali dentro como um segredo a ser esquecido.
- E agora?
-...
-...
- ABRE ESSA PORTA!!!
-...
- ABRE ESSA MERDA!!!
as batidas ecoam, flutuam no aposento mal acabado, vasto, imenso, infinito... e minguam, murcham, morrem.
silêncio. tempo.
- E agora?
- Agora é esperar...
... tempo grande e sem misericórdia.
- Não consigo! - diz baixinho, aflita, e chora só lágrimas, sem soluços.
- Shhh, calma! - pegando ela pelos ombros, abraçando contra os dele.
- Os outros! e os outros?!
- Não sei... sumiram como os gatos da tia Adélia, ou as chaves do apartamento. Talvez nunca sejam encontrados.
- Será que eles...?
- Não, não!
...
- Você me ama?
- Não. Não mais... não te amo há 7 anos.
- Sexo?
- ... pois se a carne é fraca...
...
- Queria um cigarro.
- Queria comunhão.
- Foi bom?
- Sim. E você?
- Sim... sabe, sempre te amei mais.
- Hunf.
- Sério!
- Poupe-me.
...
- A gente vai morrer, né?
- Vamos.
- Fomos felizes?
- Fomos o que?
- Felizes! Fomos?
- Será que fomos...?
...
- Será que vai doer?
- Um pouco, acho.
...
- Não era pra terminar assim.
- Não, não era...
...
ZAPT! jorra sangue multi-colorido, que entumece, enegrece, apodrece e evapora.

e o que mais me apavora: em mim nem doeu.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

da chave encontrada

algo ocorreu que vagueia no corpo da mente
um gozo de lágrimas
súbito e sulfuroso

intenso copioso
quase melodramático
se não fosse o mais real

como num abre-te sesamo
encontrei meus rios salgados
pela boca de um sábio ocasional
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após meses de candura e cara branda, um raio de esperança:
chorei como criança no quarto empoeirado
como adulto em quarta de cinzas
chorei uma liberdade mínima e imensa
suspendendo uma sina

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

há uma falha na imensa fortaleza. exércitos inimigos não são problema. não as armas, nem chamas ou gritos, hinos, bandeiras.
na verdade, parece existir nessa atmosfera uma ausência, uma sensação de que algo está para acontecer, uma aproximação do clímax ou do apocalipse.
há uma falha na fortaleza de vidro e pedra e ferro, na fortaleza de nuvens de elétrons e tempestades. uma brecha que deixa entrever os olhos de uma besta epilética, demoniacamente insana, fora de si, alimentada por anos de fome, prisão, residente do medo, numa sede de caos e lágrimas, que parece não alcançar um limite menor que o seu próprio orgulho, que é muito, ou da espessura de sua imensa masmorra.

há um desejo profundo, profano, impronunciável de que ela me ataque com seus olhos distorcidos em banquete. que minhas entranhas nutram as suas, que os meus pensamentos, minha letra, minhas meias de algodão manchado e as camisas de seda, meus amores, meus pais, minha poltrona, meu cinema, minha biblioteca de livros por ler, meus pés de caminhos percorridos, tudo que em mim sou eu ou fora de mim se desmanche em seu estômago satisfeito.

quero isso e quero muito! preciso, imploro, peço a mim mesmo que me dê a chave que prende todo aquele caos atrás das grades intumescidamente titânicas.

tarde percebo que joguei a chave.
ou antes, que tragicamente, ela nunca existiu.
esqueci a senha, não tenho o passe, não controlo, não sou - não mais - o rei desse castelo tão meu.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

acidente protético n°1 - ou da visão de ângulos múltiplos

caiu o meu olho
de vidro!

um globo
inteiropartido
lamentações

terça-feira, 15 de setembro de 2009

fotografia - ou a escrita do tempo

o sol congelado de pronto, promete
todas as cicatrizes na face muda
mudada da infância nua e bravia
- agora resíduo, espera rouca.

visita-me como em douto presságio
das minhas profecias preferidas
enraigadas nas veias, na tela, na moldura dos ossos
- uma manhã tão distante da janela.

costura de costume e graça
numa névoa densa ao toque da memória,
pequena tapeçaria empalhada de minha glória
perdida - nos entrepassos do tempo vadio.

o sol enlaça luz e traças na carne
radiografada na fotografia surrada,
roubada de minha alma tão alheia,
roupagem de um sonho vivido.
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o sol na foto, e lá fora na grama, no céu eterno e branco
o mesmo sol da antes-Terra, do chimpanzé e dos dinossauros,
dos neandertais, dos sapientíssimos ocidentais e dos orientais pacientíssimos,
de newtons, einsteins, balzacs, mozarts, openheimers, hitlers, dalis,
akiras, mao tses, confúcios,
orixás, iatolás, xexênos, nigerianos, esquimós,
bailarinos, palhaços, bandidos, extremistas religiosos,
ditadores, índios, nômades, ciganos, defuntos, crianças, não nascidos...


sol em foto é o retrato da ironia.

boemia

que a amante de meus pecados
seja reflexo imprevisto da alma
que pela manhã dissolverá dores minhas
numa gota surpresa de frio na espinha

se houver tal momento, desejo prazer
na manha rala das salas vazias
e havendo riso destilado, traz-me
uma dose em três de euforia

e se nessa fria, tremenda madrugada
houver companheira ardente e ingrata
dai-me, noite em claro,
esperanças de alvorada.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

do rosto irrefletido #1

juro guerras afogando dores
em cores tais que descoram
como sangue seco nas flores
que o alto de berços decoram

tenho coragem para refletir
em minha efígie esse alvoroço
e no resto do que sou, no dorso,
carregar a letra que me ferir

amaldiçôo as noites que escuras
predizerem minhas torturas,
os sinos e as linhas proféticos
que dispersarem no vento o meu eco,

melodias que finjam meus amores,
ritmos que desafiem meu maiores erros,
esses verbos poucos que me ditam
na veia os pulsares que me limitam.

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esses sons desiguais se enlaçam
como lâminas finas, fluidos corrosivos
e desembocam intranqüilos, agudos
no espírito dos que os perfaçam.

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*porque nessa sina parece que falta hemoglobina e sobra verniz e resina.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

quitutes

existem mil línguas entrelaçadas à minha
suas salivas quentes me saciam, me entorpecem
me enchem de um gozo pleno, sem cautela.

línguas outras que me falam o que eu digo
antes de eu pesar as idéias pensadas.

repouso na língua de outrem, me cubro
e descubro com seu hálito quente.
e é confortável, até quando me engolem.

sou parte num todo, estou digesto
e me alimento até de mim mesmo, se preciso.
e me sacio, como se fosse isso possível.
e acabo, como doce em boca de criança gulosa.

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e você pensa que não se alimenta de mim a cada palavra lida?

quinta-feira, 2 de julho de 2009

do ímpeto n°2

escrever qualquer soneto
que em si não terá nem lágrimas
nem gozo alheio nem rimas
algum que seja obsoleto

nenhuma linha no tempo
a rebeldia confusa
uma liberdade obtusa
que supere esse lamento

eu não sei ainda fazê-lo
não serei eu o autor
entre outros a mim será o elo

nisso nem haverá dor
nem será assim puro o poema
noutro papel será edema

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*há liber-dade e gosto até no despropósito.

do ímpeto

e então o mundo está por trás
do mundo, por trás das re
gras, das n
ossas leis apaga
das, enraizadas, enrai
ve(n)cidas,
loucas.

o mundo, por pouco
-que um pouquinho só-, es
tá entre
laçado,
agonizante,

nas noss
as v
ontade
s.

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*comorespostaaumamigo

segunda-feira, 29 de junho de 2009

da digressão linguística n° 1

qual é a real necessidade de letra maiúscula? é uma letra gananciosa com sonhos de grandeza, não tem realmente nenhuma finalidade prática. se vc vê a pontuação, não há porque maiúsculas. acho que as letras merecem ser todas iguais, do jeito que falamos, do jeito que sentimos. a escrita tinha que obedecer a gente, e não o contrário.

(do insight) da plenitude

deixei-me acreditar / que era nulo, vago e morto / julguei-me errado, / julguei-me roto.

mas minhas pernas erguidas / minhas penas sofridas / arrancaram-me, elevaram-me /com mais força que pedra firme.

sou mais sólido que o vento / e quando eu tento / posso até ser mais que penso / mesmo que um pouco tenso.

de agora em diante, não mais remorso / sei que agora tudo posso, / que tudo traço e destroço: / eis meu sorriso no rosto.

resguardarei minhas intenções / arquitetarei revoluções / e dos meus medos superados / erguerei fortaleza e treva armados.

serei negro e branco e transparente / nunca d'antes tão presente / nunca antes tão como eu / jurei e juro ser meu

inteiro no erro desnecessário / completo no gozo herege / e na nudez pura que me rege - até a hora da morte - / achar em mim o abrigo provisório.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

verdades universais escondidas na parede branca

não contem a ninguém.
mas parece que no fundo toda sabedoria deseja ser burra.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

do sonho no cansaço

mas no dia seguinte vem um alívio, e o peso se quebrou na cama. não há mais impecilhos, nem nomes para problemas. eles não importam mais. a brisa é fresca e leve nos cabelos. o sol acaricia devagarzinho as nuvens. as árvores conversam entre seus galhos.
em breve trarei um sorriso desses no rosto.

das (co)incidências atônitificantes

é impressionante como certas coisas difíceis, certos desafios, teimam em vir em momentos de total perplexidade. a gente só deixa cair a torrada com a manteiga pra baixo quando a gente tá com fome. sempre queima o feijão quando é tudo que se tem em casa pro almoço das visitas. o cachorro só mija no pé do visinho mau humorado. a sogra vem visitar quando a esposa tá de tpm...
as vezes murfy governa a vida.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

do primeiro julho

uma bruma pueril se espalha
e no vento anuncia sombria o espaço
que se dará n mês de julho.

ela me abole de toda certeza
e essa liberdade me dá calafrios
mais ainda que o inverno.

serão as noites sozinhas e sóbrias?
e as manhãs embreagadas de belas?
o mundo romperá em primavera?

a neve repousa invisível no meu rosto
o calor do sangue abraça os seus flocos
que permutam e lágrimas parecem.

póstumo ao último outono

as palavras aladas de imagens e as idéias,
ransosas de pouco prováveis
propõem-me aceitar meus olhos,
minha pele, minha comida, meu relógio.

de pouco em pouco mergulho
e de grande susto o golpe me atropela:
pouco dela há em meu espelho
- e meu rosto, queimado de beijos, me renega.

o que eu sonho é puramente o que reflito.
é verdade que a verdade é ela,
e só na sua falta eu me sinto.

messes caminhos desencontrados me equilibro
e meus pés, de ressecados, estão vazios.
minhas mãos so tocam aquilo que se torna imóvel.

domingo, 7 de junho de 2009

SETE DE JUNHO


deixa a ferida aberta, perdida.
deixa a manhã correr partida
e todas as flores no mar, recaídas,
são todas as dores a mais, esquecidas.

deixa pra trás as palavras frustrantes!
arranquem os amores, melhores amantes!
deixa apagar essa chama ferina
e a todo o mal pelo ar repugna.

deixa decepar a paz pequenina,
que toda mudez se impõe repentina
no palco, no altar, no paço sombrio
- fazendo d'alegria o mais tenso arrepio.

deixa o sangue correr furioso!
deixa a lâmina lamber, assassina,
derramar o raiar, pôr-do-sol glorioso,
apagar essa marca do horror que fascina.

retoma em passo que então se aproxima
a escuridão que ilumina o cruel labirinto
desse homem nu, morto, faminto
que do fim, só do fim, se aproxima.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

pichações mentais na avenida principal

adoro ser mais um rosto apagado na multidão! se os meus contornos desaparecem, e fico indistinguivel por onde ando, preso na mínima nulidade frente a cidade imensa, não é de todo ruim.
a cidade não consegue dominar meu corpo, e ando livre. a cidade não pode dominar meu espírito, e penso novo. nem meus sonhos, nem meus desejos. apenas os meus olhos ela domina com o cinza-mais-pesado-que-as-núvens. e me apareço mais leve, mais rarefeito, condensado aqui só por acidente, sem motivo.
estou só. e vou além.

domingo, 17 de maio de 2009

das des-identidades

estou ingênuo, numa fase lunar de cataclísmica voltagem, em que o som do silêncio desperta a malícia absoluta e o desejo é ouro a afastar-se. nisso estou puro e perdido, e podre e malquisto. estou régio e estou frio. estou nu. estou eu.
mas não se engane. não sou assim. sou mais pesado e mais rarefeito. sou brisa oceânica em montanhas de Minas, que não resseca a si e nem rega a relva, que flutua, existe e conspira. sou puro suspense, e por trás do meu riso, há intenções de genocídio, de tortura, de sangue e de morte. sou corrupto e sofrível de níveis de verdade. sou pouco. sou oculto.
sou o negro opaco no olho brando, e meu tesouro é moinho de vento escondido em um inaudível abre-te, sésamo. sou trancado fora de mim, contra e pela minha vontade. sou deus em dobro e pela metade. sou raso e rasgo a pele e não sangro. sou santo e diabo. sou eu, esse vaso humano.

filosofologia #4 [da ética existencialista]

esses dias vou deixando o tempo passar como se ele não tivesse dono. e como se ele não fosse dono de ninguém. eu de cá, ele de lá, com cumprimentos apenas, cortesias. está calmo o momento. ele não me arrasta nem me persegue. eu não o prendo nem o culpo. estamos quites. e parece que isso quase deve ser paz.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

filosofologia #3 [da negação existencialista absouluta da linguagem]

as palavras tem vontade própria. se deixamos, elas ainda nos tomam, nos abraçam, nos cegam, nos putrificam. sinto que as pessoas se deixam perder cada vez mais, abraçando em jargões, em clichês, frases feitas num holocaust(r)o ideológico, achando que encontrarão num dicionário tão alheio a expressão última de sua existência. re-(des-)falam de amar, de saber, de diferença e especialidade, de igualdade, de moral e bons costumes, e das maiores ameaças, resmungam autisticamente um código de ética enferrujado e tão corrupto quanto a peste. 
vai saber a língua é a mestra de todas as meretrizes vadias que rondam pelos olhos, a volúpia mais viciosa que sorrateira integra o desgosto de se dizer.
tem me entediado cada vez mais pessoas se definindo e ao mundo com palavras alienígenas à si mesmas, sem um segundo de esforço, sem vontade própria, sem vontade alguma.
ando receoso em relação às palavras, com todas essas pessoas acorrentadas nelas...
afinal, as palavras, aquelas que valhem a pena, as puras, nós em nós mesmos não as suportamos mais.

filosofologia #2 [do anti-humanismo solicissista transendental]

me parece que sempre somos uma parte de tudo que não queremos ser. e num mundo onde há cada vez mais outros, mais sussurros, mais espelhos desiguais, parece que à doença só cabe verdadeiramente o lugar puramente imaginário, naquele limiar maquiavelicamente derrocado por si mesmo: homem, o único ser que de tão imenso parece vazio.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

filosofologia #1 [literatura existencialista anti-humanista]

tenho nojo. nojo das cortinas, nojo da cama, dos vestidos. tenho nojo do colar de pérolas que eu um dia segurei. odeio os cálices dourados, os jardins simétricos pelos parques, a sala de jantar. detesto a brisa de maio e a ventania de outubro. tenho asco desses sorrisos tão fáceis, das prosas ensaiadas, desses gestos, dessas palavras tão soberbas e tão vazias. meu sangue se infla de ira sempre que coisas belas se tornam um ostento, sempre que as coisas leves se condensam no hábito, sempre que coisas sábias, de tão proliferadas, se tornam doenças obscenas.


*AAAAAAAAAAAHH!!
ODEIO O MUNDO MODERNO!
PAREÇO UM HIPOCONDRÍACO IDEOLÓGICO!

dos ciclos

meu filho nasceu!
espanto!olhei 
no seu olho:
será que era eu?

terça-feira, 21 de abril de 2009

grunhidos da meia noite

estardalhaço dum secador de cabelo, 1 da manhã. de repente o silêncio.

-Nossa! que alívio!
-Vai durar pouco.
-...felicidade de pobre é foda...

*Amélia não tinha a menor vaidaaade, Amélia que era mulher de verdaaade...

auto-retratos

a palavra que lancei ontem germinou
sorrateira num arbusto monstruoso
que meu leito e minha amada dominou
num sonho pestilento e grandioso

me esquivo pelas pálidas esquinas
do meu rosto desmedidamente atrofiado
temeroso aproximando-me das finas
garras dos amores embalsamados

se revelo minha sina à luz esguia
não reconheço o meu medo revelado
se escondo minhas flâmulantes heresias
não sobrevivo ao amargor do claustro

e na balada madrugueira me vejo outro
deixado no repouso da cama morna
lívido, em carne viva, me percebo roto
éfebo de minha arte matreira e morta

quinta-feira, 2 de abril de 2009

pé no negro

na boca da morte rendeira,
das tramas da sorte agoureira
é rainha da noite, é guerreira.

mais longe que amores amantes
se fossem lá soprar, distantes,
maior que os menores andantes

a dança que é fogo incendeia
se tem prata no mar, lua cheia,
êh, nas ondas do mar cambaleia

mil folhas se agitam dançarinas,
no afago do vento, meninas,
a cansar de rotina as retinas.

na vela sem fogo desfaz-se
na carne um silêncio sem face
da terra é um grito que nasce

na boca da noite, rainha,
que a espada da dor embainha
é calor, é tambor, é mãinha.

-------
dos feitiços que cruzaram os mares, amar foi o que me ensinastes
e viver no negreiro navio, que parte sem buscar caminho.
ó, mãe áfrica, minha dor, meu sangue, onde estão seus fuzis e seus tanques?
enterrados no mar oceano, outrora seus mais graves danos.
e se agora és clamor aflitivo, ainda nos dará um festivo,
'inda vossos frutos nossos filhos.



*pro sangue de negro que chora e faz folia no meu corpo inteiro.

[ ]

se é pra ser, que assim seja:
a liberdade em flor se enseja.

.

está pronto tudo no ponto
e feito aparece o feio fim
que veio de encontro ao mundo
e tudo desfez por conta de mim

quarta-feira, 25 de março de 2009

preâmbulo de maio

deixe estar, que a tarde começa de manhã
se lhe digo o que convém, eu sei que sigo
a oratória do amanhã: na calmaria o castigo.
na calmaria o castigo.

deixe estar, que a carne em revolta é perecer
e a vida rouca ainda dói na prosa pouca do anoitecer:
o beijo celado e os amores roubados nas cores de maio.

deixa estar, que a cova é bem raza, cê pode ver
a chama dança na vela e cai do meu peito.
não é frio, não é lixo, é a ilusão de ser do meu jeito...

deixa estar, que o amor não acaba com a partida
e se digo que fico, ainda, saiba: não estou perdido.
e peço ao céu uma estrala vaga, uma seta ferida,
e as flores rasgadas.

e se o vento levar pra longe esse seu sorriso
deixe estar na saudade o seu vício.
deixe estar a saudade comigo.
- na calmaria o castigo,
na calmaria o castigo.

sábado, 21 de março de 2009

das palvras que outrem se-me-disse

me surpreendo com umas palavras que parecem mesmo estar num espelho.
que comunhão distorcida, amarga, une os homens?
em que medida medeia-se o percurso entre o você e o eu?
em que medida se-me-revelas?
em que medida se-me-desnudas?
em que medida há distância tão próxima?
é a linha oblíqua, distorcida, que une dois pontos.
será que ela mede até o medo?

se fora poesia afora

... e aí, então, se ainda resta dúvida,
que essa não repouse em boca muda:
que tenha som e vida, e oriunda
ela seja da desarmonia sincera.

e aí, serei eu em minha medida
na resposta - se mim, em ti úmida
de alma e carne viva minha.
- sangrarei, tardio, em brisa alheia.

repousarei sob asas de poesia inteira
e mesmo incompleto, ainda folha rasgada,
então um tom partido, uma bruma pesada.

serei eco e sopro de lábios celados
e meus sonhos, calados, soarão, revelados
- e serei, no fim, mudez que prospera.

Paisagem pouso incerto

passarinho no seu ninho...
passaria, possível, perto.
pousaria, calmo, pertinho
povoando em vôo o oco certo.

passa passo-a-passo
parecendo até que ensina,
pondo um ponto no que faço,
ponderando no vento minha sina.

passarinho professor da passagem
passarinho por sobre a paisagem,
pondera o tempo sem passado
professorando: deixai o paço!


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buscando uma fuga.

quarta-feira, 4 de março de 2009

o que sobrou do natal

deus sabe: não meço as palavras.
não há nelas escalas ou réguas.
são fruto de acaso solto, desconexo.
se no gesto há harmonia, ou o inverso,
ainda falta ritmo, e calor. ainda falta incesto.

falta dormir a música no leito do poema,
e talvez até ainda lhes falte paisagem
mesmo pequena, mesmo alegrezinha,
para haver uma próxima viagem.

quiçá não há o que ser feito, é só.
é o que se pede e nunca alcança -
"Papai-Noel, me faz poeta!"- e espera.
ele me deu livros, papel, canetas.
até sonhos e chama ele me deu.

mas se ao menos a fantasia desse nó
a cada palavra, a cada criança
nos meus dedos, haveria mesmo poesia
e não apenas só as penas e o pó.

a fênix

minha alma divina divaga quando aquieto a língua.
e é por isso que sou assim calado, assim quieto,
e só movo-me deveras pelos olhos, à míngua,
às lágrimas, aos risos. atrás deles eu arquiteto
a próxima sílaba da minha manhã, ou o ponto
(mais-que-final) do último anoitecer. e refaço,
e desfaço, disfarsando que nada há de meu
em cada traço riscado ainda em mente, ainda eu.

e quando a boca se abre, o mundo está pronto.
o som sai e ecoa. é boda e é festa: renaço
depois de morto, depois do último sopro.
e já não sofro e já não temo as minhas sombras.
vivo nas ondas do som, das palavras sussurradas.
já não me sobra nem falta nada: todas palavras usadas.
não há mais peso sob os pés ou sobre os ombros.
vento novo no meu corpo: elevo-me, revelo-me, me movo.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

a festa da carne (ou depois)

eis que então acaba assim,
"todo carnaval tem seu fim".
e a vida volta a ser quaresma
numa púrpura e apagada réstia
de sol, ao entardecer do desejo,
na fé de habitar onde nada resta.

e tudo que se fez, cada ensejo,
foi como se não o houvesse,
nem fosse, virou poeira e prece.
a febre volta à frigidez, ao mormaço
as mãos esperam o próximo passo,
como se ele fosse o algo necessário.

depois da bonança, a calmaria,
o desprópósito maior que a festa,
- maior que a despudorada vergonha
- que atesta de pronto um desânimo.
a carne, ora entorpecida, apodrece.
o orgasmo morre. a vida adormece.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

translação

se eu pudesse diria que o mundo mudou mudo.
mas fica fixa a inflexão do paradoxo, quebrado.
mudar como caos e mudar como torcer e mudar como quebrar e juntar de novo.

as almofadas encapadas de cetim e veludo.
as bailarinas de fino toque jovialmente virgens.
a petulância das mansões do século passado.
as flores desinteressadas da avenida principal.

frivolidades alegres e frias como geleiras.
há qualquer coisa de obliquo, de distorcido, sem ser diferente.
sem estar diferente.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

CARTA ABERTA À HUMANIDADE PARA 2009



digam-me que o engano faz parte do acerto, e que as estrelas marcam a direção dos sonhos. digam-me que a felicidade reside no sorriso alheio. que cada pessoa no mundo consegue ver um espelho seu no destino abandonado das criamças de rua, nos alcólatras e drogados, nos desvalidos, nas viúas dos soldados, na saudade dos exilados, na rancor dos desprezados, na sobriedade solitária dos indigentes. digam-me que o mundo tem chance e podemos esperar mais das pessoas. que não há vazio onde houver fé no homem, que não há dor gratuita e indiferença. que o salário é justo e a dignidade é farta. que o sabor do vento é doce, que a maré é saudosa dos corpos na praia e as geleiras fortificam-se. que a metade de lá do globo vai descansar de noite. que o pai do fulano vai voltar de viagem, e a mãe do cicrano vai curar do câncer. prometam-me que todos seremos menos mesquinhos, e a sinceridade trafegará entre os olhares como em infância, e sejam verdadeiros e acreditem e batalhem... e me dêem paz. e me doem esperança e coragem pra enfrentar mais um ano de luta sem descanso em busca de felicidade e felicidade verdadeira.

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atrasado o pedido. mas a busca permanece.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

ser/estar

não estou aqui pelo que eu já disse nas inumeráveis conversas, promessas, discursos, guerras ou devaneios.
estou eu aqui pelo erro do evitar dizer
de evitar e negar o que inevitavelmente se é.
por causa daquilo que irrevogavelmente busco e irremediavelmente ignoro:
aquilo que me fará um dia ser completo, perfeito e uno
e tão e mais eu comigo mesmo.
estou aqui, por inenarrável e ignóbil erro de acaso, gramática e lógica:
estou aqui, irresolutamente, por minha causa.

por tudo aquilo que, no fundo, espero de mim. por tudo aquilo que o futuro não me revela, e nada mais que o tempo é desvendar.

estou aqui à espera
daquilo que ainda não sou
do homem que um dia serei.

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o limite ilusório entre o sonho e a realidade é a crença nas nossas certezas.
o limite real entre a crença e a dor é a verdade.