terça-feira, 29 de janeiro de 2008

a imagem irrefletida (ou o espelho esquecido)

sou feito de chuva e de fogo
sou fruto do acaso e da luta
e do medo, d' alvura, da lama

sou aquilo que clama
numa oração profunda
e mal acabada por tudo que
suspenso no momento
me escapa

sou a colheita impreterida
pretérita, insuficiente,
da carne-viva e desnutrida

sou o verme no ventre defunto
alimento da morte displicente
e tudo que te falta n' ausência da hora

sou a marca vermelha de exílio
que cada homem carrega, em chaga,
no peito suprimida por todo terror
que ronda o sonho, e enegrece a vida
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René Magritte - La reproduction interdite, 1937

escritura


escreve, filho da terra
acabada criatura,
para que o seu destino
inerte se complete.

escreve e ora, filho do céu
pois a vida vai além da cama
e muito além do passo final
e torto de cada homem.

escreve e chora, filho das águas
para que o pranto vaporoso
pelo vento te eleve em parte,
para algo além do medo.

escreve, esquece... vá embora
que de linhas tortas já se bastam
aquelas maiores e invisíveis,
escritas e esquecidas por Deus.

sábado, 26 de janeiro de 2008

santidades

taciturno, carrancudo, áspero,
recluso, casulo de prata e sal...
como te adoro, nesses dias,
minha pequena solidão!

me abastece e me bastarda
dessa pequena e alegre agonia
eu, teu filho santo e sacro, estou perdido
em algum canto da cama de dossel.

o quarto parece imenso como o silêncio
que se propaga sobre as montanhas roxas
de luto eterno pelo Nosso Senhor
nascido de rocha e madeira

o silêncio parece pequeno
quando comparado a palavras
tão minhas quanto vazias
de insenso e oblação
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foto:
http://www.photografos.com.br/exibirfoto.asp?id=56069
Ser Mão - Marcelo Lelis (15/04/2006)