segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

é um tal de mexer os pés sem necessidade, um tal de gritos e gemidos num violão sem propósito, um tal de mãos falantes que nada dizem, um tal de não sei o quê, uma série incondizente de gestos ambíguos... que me fascinam nesses bichos sem propósito, nessas sombras que dançam - não só vagueiam - nessas almas pequenas com vozes de vôo. nesses bichos, tudo fala.

incrível, não acha?

talvezes

pois acredito que há coisas que vão além do marasmo: um distúrbio metafísico, uma carne mansa e mais vermelha, uma alma mais refinada. confições que des Esseintes e o comedor de ópio compartilham com uma pequena camada de orixás, espíritas e católicos. algo que vai além, muito além de mim, da mente estreita no tempo estreito que se tem.

algo que não se pensa nem se diz:
para dizer bonito, algo de um caráter fenomenológico que só existe, se existe (mas existe mesmo, uai!), como tal para a mente ou no espírito de cada um - pronunciável apenas no silêncio.

creio nessas coisas que não devem existir. que não precisam existir. que não querem existir. porque, azar o delas, precisam realmente só disso: que eu acredite, para que elas, subitamente, saiam do abismo do ausente e se dêem o trabalho de existir.

eu não acredito só com os olhos, com os ouvidos, com a cabeça. eu acredito no corpo todo - para parodiar um pouco janis joplin.

nessa improbabilidade alucinante, chego até ao ápice de acreditar em mim.

preconizando um fim de ano

liberdade é motivo de felicidade.
mesmo que seja dessas liberdades menores, provisórias, medíocres.
em 24 horas, por bem ou mal, estarei de férias! merecidas, revigorantes, cheias daquelas possibilidades absurdas que a gente espera da bonança.

conto com a sorte de um bom descanso, de uma espera tranquila, por mais que ela dure mais tempo que o necessário. sinceramente que três meses de madrugadas abafadas em itabira, de sua brisa suja de minério e fadiga nos ossos não é o descanso mais merecido, mas traz a possibilidade de paz que pouco se vê entre as avenidas frenéticas de belo horizonte. traz ainda voz de família, que em breve a distância levará para ainda mais longe (europa? ásia? - não me esqueci da proposta, diogo). traz um afago para um semi-itabirano, na conversa com amigos de longa data que me esperam, nos braços fortes e ternos do lar, nos quitutes das tias sônias, nos bares (que fecham cedo, cedo demais para o papo que se precisa), na calmaria mais que calmaria da cidade onde as coisas passam com os cachorros, os burros e os homens entre bananeiras por esses véus de tempo - "vida besta, meu deus!".

se Ele permitir, ainda são paulo e rio de janeiro, quiçá vitória (berço dos meus sonhos, pra revigorar a alma, reviver essa substância iníqua e milagrosa da lembrança).... ilhas de vivacidade espaçadas até um 10 de março, que, espero, venha depois do que acredito agora (pois tempo é um cavalo que marcha rápido demais), e antes do que vou querer daqui a duas semanas (porque a monotonia o cavalgará em breve - cavaleiro bem melhor que o desespero de agora, pelo menos).

no mais, querendo que de hoje até amanhã, Maquiavel seja um bom amigo, e não me complique os neurônios. que o estágio não me atrapalhe mais amanhã do que ele já atrapalhou nos últimos dois meses. que eu consiga terminar esse semestre filho de uma puta que ele foi, sem marcas muito grandes das nossas brigas, curtir um fim de ano decente, digno de quem sabe que se superou no ano que se passou.

que se vá logo o cansaço, a temeridade, e até os momentos felizes, plenos de sol e descobertas. que venham suas lembranças (adoro colecioná-las) mais radiantes, mais vívidas e vividas, mais eu, mais promessas.

fafich, até o ano que vem!

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

feitiçaria

a bruxa me ameaçou sorrateira
na sinceridade necessária do seu riso:
cá estou, num caldeirão de estrelas,
de seres mágicos e prodígios.

há um pouco de turquia e bangladesh
de woodstock e de ventania
há um sopro quente que resfria
a alma mais dura e a mais singela.

um pouco de cada ponto do mundo
em cada ponta dos meus dedos,
sem trono, sem wisky, sem medo
de qualquer segredo ou segundo.

a bruxa ri das minhas sinapses,
fala língua alienígena, planeja algo obceno:
devora-me - eu, homem gigante -
inteiro num instante pequeno.
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a L. me entende.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

amante

me lambia com língua laminada
onde um fio amolado na golada
me bebia inteiro pela sala.

me beijava com dedos de malícia,
que nos pecados cacheados da noite
fazem milagres de delícias.

me dava os seios, me dava a vida,
como se nada mais houvesse
- e nada mais havia.

me amava na magra madrugada,
cuja a fome amarga só a pele macia
de um jovem sacia, suada.

matava sua solidão e o tédio,
como se eu não soubesse
que a solução era eu.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

rotina da cama




não chore, meu bem. ainda há primavera
mesmo que ela não cheire como de costume,
mesmo que não seja assim tão bela.

não ria, carinho, de descrença.
há mil caminhos ainda a seguir,
mesmo que seja antes do que se espera.

não me humilhes, paixão, por antigas quimeras.
só não há surpresa todo dia,
não há mais fartura nem miséria.

não se afaste, amor, dessa navalha
que floresce a gota pequenina de uma rosa
mesmo que não seja cedo, nem seja prosa.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

vícios

minha alegria
cacto de boa intenção
sempre me apraz
quando me abraça
mas nunca vê depois
na carne o rastro
daquele tato malsão

vida despercebida

Silvano, sujeito pacato, de leve e em leves passos, leva a vida no quanto sua mediocridade o permite. Estende-se na preguiça como ele só. Dá-se bem com a vizinhança e tem amizades tão antigas quanto o oratório de sucupira, em frente ao qual reza a Deus - desde sua infância - para que bons ventos o permitam aproveitar uma boa vida na mais branda inércia.

Silvano tomou para si as conquistas que o destino lhe enviou ao acaso, com ar de coisa que "Deus sabe o que faz", e nisso fica desde a juventude. Casou-se com a primeira namorada que sua tímida beleza teve o míster de alcançar sem suar muito. Teve dois filhos como quem vai ao mercado: mais pela necessidade de sua mulher do que pela sua vontade. Amava-a sinceramente, mas isso foi pouco, e ela o deixou pela vida ingrata - mas muito mais vibrante - de mulher de malandro.

Silvano pegou o emprego que lhe bateu à porta no intervalo do futebol. Viveu daquilo, na firma, sem gostar e sem desgostar, enquanto lhe permitia pagar as contas de água e luz -por uma bem aventurança do destino, seus pais morreram de desastre e daí ele nunca se prestou a preocupar-se com contas de aluguel.

Silvano, na firma, escrevia relatórios e contava carneirinhos, mas na ordem exata, para que a chefia não percebesse. Também para que não atrapalhasse qualquer meditação que o assaltasse a cerca das possibilidades do horizonte, sobre maravilhas do litoral (que quase nunca visitou), ou das curvas exatas de Amanda (vizinha, a quem nunca arriscou cortejar), ou do que haveria na esquina do quarteirão de sua casa, onde sempre se amontoava uma multidão curiosa - todas questões que ele ruminava e cuspia, sem jamais agir sobre elas.

Silvano, em casa, lia jornal, comia pouco, aguava as plantas, ria ocasionalmente com alguma visita. De resto, saia de casa apenas aos domingos, visitar a igreja mais próxima, fingir interesse por algum parente e depois, dormir cedo.

Silvano percebeu um certo dia que não era muito bom em cuidar da própria vida. Foi aporrinhar um psicólogo, que nada conseguiu fazer para mudá-lo, e desistiu do paciente após o oitavo mês.
Silvano pensou em se irar com o jovem terapeuta, mas decidiu que se nem ele podia ajudá-lo, era porque nada havia para ser ajudado, e seguiu a rotina anestesiante de ser Silvano.

Silvano viveu como uma planta: cresceu no curso inevitável sob o Sol, floriu como era de costume, semeou como era de se esperar, alimentou-se da chuva que ocorresse, jamais extravasou o conforto mínimo de seu canteiro, e apodreceu de pé, sem que ninguém notasse.
Morreu numa quarta, deram falta dele na sexta, e sábado foi enterrado.

Silvano só será lembrado pelos vermes que alimentou, durante curto tempo que tiverem para dissipá-lo.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

carta para um amor distraído

... mariana sabia o gosto da sua voz, gustavo. sabia que nela, ela tinha calma, conforto e até amor. mariana sentia até chuva do seu sorriso, menino, quando na noite ele caia e se espalhava. mariana cheirava seu perfume quando você ia à terra distante, só de ficar parada ali na beira do cais. mariana amou o seu corpo nas madrugadas de quarta-feira, e nas de quinta, sua lembrança envidraçada.

mariana suportou te amar, homem, como se você fosse infinito, nas tardes de domingo. mariana soube te perder como nenhuma outra. mariana se condoeu pelas suas amantes, rapaz, como se a elas você traísse com mariana.

mariana tateava o teu rosto na grama. mariana escondeu o teu peito das facas afiadas do destino, no quanto ela achou que podia. mariana embargou o mundo por você. mariana empacotou na tua marmita pra viagem os sonhos da juventude dela. mariana dormiu com a tua ausência, como se isso fosse bênção de deus. mariana apodreceu no silêncio suas lamúrias para não te injuriar. ela sempre maqueou um sorriso pra te receber. mariana te pediu, implorou pra você voltar.

mariana, gustavo, não se cansava de você.

e você, jura que não mente, promete que cumpre, manipula o tempo (achando que ela não vê). supõe que prevê tudo o que pode acontecer, supõe que ela vale pouca coisa, supõe que seja estúpida, supõe que larga dela assim que quiser. supõe que julia, natália ou maria valem mais a pena.

uma pena, gustavo, uma pena.

mariana, bem aos poucos, na surdina do almoço -um banquete de vingança - te envenena.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

fortes

há uma menina na borda do rio seco, rindo como se em seus olhos existisse um oásis.
há um mendigo na beira do silêncio, mastigando, em sua fome, a verdade.
há uma mulher no limite do precipício, encontrando na vertigem a sua integridade.
há um menino na fronteira do dia, dizendo, sozinho, quantos anos um minuto tem.
há um profeta no fim da mentira, sibilando aos surdos a esperança que nunca vem.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

cosmologia

já me disseram o tamanho do cósmos
com as letras tão infinitas dos neurônios
que, se me pedissem uma palavra,
como uniria tudo o que nós somos?

brisa, areia, fagulha, onda?
um momento de insônia?
segundos-mandamentos?
tercetos incompletos?

reza, teoria e verso?
o que será o universo
que eu nem enxergo,
nem a metade, nem inteiro?

um infinito de estrelas
numa ampulheta.
um limite inapropriado
de mim mesmo.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

eu me propus certa vez deixar as coisas fluírem. foi como pedir que um rio se apressasse, como avisá-lo de que era um rio. nada acontece quando se propõe à natureza que ela se obedeça.
as coisas fluíram, sim, por outros terrenos, com várzeas novas, onde a água não era tinta.
me apaixono cada dia mais pelos sons, que me tocam, sem que eu peça que eles o façam. pelo gesto sobre o qual não tenho domínio. pelo horizonte que me sugere sonhos além de sua linha indefinível, não geográfica.
algo acontece que me muda e me emudece, na verdade. é algo que não se anunciou para mim, não propôs nada, nada espera de mim. é algo que, nessa autoridade do que simplesmente acontece, toma conta de mim nessa tarde que já dura vários meses. algo que me diz para me calar, para me vazar, para acabar comigo, para eu nascer de novo.
como uma pluma essa tarde me abraça, e fala: "chora, meu filho."

após incontáveis funerais

daniel foi comido pelos seus ossos
gabriel, por castanhas tranças de horror
bruno, por uma doce travessura
- que, para muitos, a simples idéia assombra

jorge respirou água demais
itala amou um vôo assaz curto
maria se mudou para a história
e césar, para os sonhos, uma noite dessas

camila sumiu e nunca mais foi vista
- os olhos oniscientes de fernando, quem sabe
ainda a encontrem por aí -
quiçá no coração frio de leonardo?

lucas, amante de vozes, mordeu a língua
com uma volúpia insaciável
luana, esbranquiçada, agora é só mármore
pedro, que deus o tenha, foi tatear raízes

quantos rostos tão jovens ainda
- tão jovens para sempre -
ainda terei de catar na praia ímpar,
infinita, escondida, inacessível da memória?

segunda-feira, 28 de junho de 2010

passada a poesia - ou depois do devaneio dessa vida

na tarde, uma brisa enaltecida
esperava o esquecimento inescapável
digno desse suspiro sob o firmamento
que inefável, sem lamento, se declama

dentro da árvore, mãos de pétalas,
florescidas, entrelaçadas entre velas
sobre o mármore, com mar transparente
transbordado da carne anoitecida

um momento de segundo tão palpável
que entre um e outro ato se derrama
as aves plainam sós na mudez do vento
- sem destino, simples, puro movimento.

abaixo da árvore, mãos de pétalas,
sublimadas, enraizadas entre o que existe
- sob o mármore, com terra intrasponível, -
e o que procurando, se despindo, se perde.

domingo, 16 de maio de 2010

o que é isso?


mãe, meus olhos estão suando
de se esforçarem tanto

indefinívivel

existe qualquer coisa na minha mediocridade que me diverte.
algo, que, na ingenuidade me fascina e na pequenez me vejo enorme,
como o ego de uma criança.

como quando choro e a lágrima sai doce, ou o suor vira perfume,
quando como quitutes de vovó, já velha, que estão sem gosto
lambendo os beiços de minha meninice.

como quando olho o horizonte e penso que o futuro será simples,
ou sinto o peso da idade nos meus joelhos - jovens e cansados - ao subir a colina para ver a cidade brilhar de noite, como um enxame de vaga-lumes.

quando quero ficar cego de olhar pro Sol, ou quando rezo pra Lua que parece me seguir em todo lugar - como os sonhos que não morrem nunca.

quando vejo os prédios como refúgios de alegria, e as praias como brinquedos enormes para a infância - que brinca de descobrir mundo inteiros na água rasa, sem nem imaginar ainda os oceano como essa gigantesca gota d'água.






sexta-feira, 16 de abril de 2010

quarta-feira, 7 de abril de 2010

saudade

foi uma coisa que veio batendo na minha janela dia desses. uma janela que só me deixa olhar admirado, sem me deixar passar, para a mais nostálgica paisagem: a praia de camburi.

pedaços macios de infância foram enterrados na areia com o cuidado de quem esconde um tesouro, e, anos depois, resgata as poucas moedas que restaram pelo chão (onde não mais existem conchinhas ou siris).

eita coisa que me atormenta: trocar o "garoto" por "uai", mar por serra, brisa por neblina, areia por minério. nem todas as escolhas são feitas, algumas simplesmente acontecem - será isso o acaso, ou Deus,ou a sina?

mas memória não se troca, nem se pode escolher por esquecê-la. memória é esse óleo que sai de mim para a minha pele: aparente, visceral, persistente, às vezes até irritante.

memória que não me deixa ser quem eu não sou. que me prende ao destino de ser eu, com correntes que se estendem ao passado. memória que me fere e fortalece, com lágrimas risonhas, fotos desbotadas, vozes distorcidas, mas rostos firmes, rigorosamente pintados e impressos no meu próprio rosto, na minha alma.

rostos que, partes de mim, jamais esquecerei.

terça-feira, 6 de abril de 2010

inexorável

as palavras que não disse em dois meses
matizaram meu mundo de azul
passaram-se a conta das vezes
que as horas se olharam em olhos meus

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

pequena - ou amor

chama essa pequena
que a pena dança
pequena essa chama
que queima consome cansa

gama essa pele na minha
que a dança à mingua dana
até virar, pequena, ciranda
que até meu olho fascina

cala essa boca na minha, pequena,
que espera a cama
nem deixa a lingua sozinha
na nota conforme canta

como essa chama acalma, pequena,
a alma pequena e mansa
deixa sua chama na minha
pra ver quem é que ama.

a pequena chama chama pequena.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

profecias de carne e poesia

de quando em quando surge uma manhã em meus olhos. por entre as sombras das flores que nas árvores do jardim suspiram primavera, o sol beija teu rosto com ouro fino. a brisa rasteja pelos leves lençóis de algodão, faz dançar de suave, numa embriagada e tardia balada, os teus cabelos negros. quem sabe quantos pássaros flutuam travessos no céu azul?

suspira despedindo de um sonho bom, ainda com os olhos fechados. há uma certa sinfonia discreta no teu despertar. por entre a janela semi-aberta, nem os vultos minúsculos do que ainda será labuta, descanso e prazer cotidianos conseguem adivinhar os teus seios, de onde brota um ritmo manso, de um coração que brinca de tocar tambor e bandolim, em plenas 8 da manhã, como criança da praça: regendo constelações e pedindo esmolas.

levanto, dou-lhe um beijo e abro a porta, como quem sai do sonho, como quem foge, como quem abandona.

que a colombina me espere até o próximo carnaval.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

salma

a alma na montanha, saudosa de oceanos.
as pernas e as penas soberanas,
querendo olhos e escamas.
coração contravenção só
entre um paradigma e o outro.

nas entrelinhas do tempo - ou refeição de gigantes

como tem passado?
tem passado como?
"como" tem passado?
comido? comida?
como indigesto, passo?
como pasto? asno?anos?
como como quem come passado?
tem passado? como?
como teu passado - à la Cronos.

ausências próximas

saudades são sempre mais suaves?
algumas o são, e mais:
suaves metais.

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para c. de cássia