terça-feira, 12 de outubro de 2010

vida despercebida

Silvano, sujeito pacato, de leve e em leves passos, leva a vida no quanto sua mediocridade o permite. Estende-se na preguiça como ele só. Dá-se bem com a vizinhança e tem amizades tão antigas quanto o oratório de sucupira, em frente ao qual reza a Deus - desde sua infância - para que bons ventos o permitam aproveitar uma boa vida na mais branda inércia.

Silvano tomou para si as conquistas que o destino lhe enviou ao acaso, com ar de coisa que "Deus sabe o que faz", e nisso fica desde a juventude. Casou-se com a primeira namorada que sua tímida beleza teve o míster de alcançar sem suar muito. Teve dois filhos como quem vai ao mercado: mais pela necessidade de sua mulher do que pela sua vontade. Amava-a sinceramente, mas isso foi pouco, e ela o deixou pela vida ingrata - mas muito mais vibrante - de mulher de malandro.

Silvano pegou o emprego que lhe bateu à porta no intervalo do futebol. Viveu daquilo, na firma, sem gostar e sem desgostar, enquanto lhe permitia pagar as contas de água e luz -por uma bem aventurança do destino, seus pais morreram de desastre e daí ele nunca se prestou a preocupar-se com contas de aluguel.

Silvano, na firma, escrevia relatórios e contava carneirinhos, mas na ordem exata, para que a chefia não percebesse. Também para que não atrapalhasse qualquer meditação que o assaltasse a cerca das possibilidades do horizonte, sobre maravilhas do litoral (que quase nunca visitou), ou das curvas exatas de Amanda (vizinha, a quem nunca arriscou cortejar), ou do que haveria na esquina do quarteirão de sua casa, onde sempre se amontoava uma multidão curiosa - todas questões que ele ruminava e cuspia, sem jamais agir sobre elas.

Silvano, em casa, lia jornal, comia pouco, aguava as plantas, ria ocasionalmente com alguma visita. De resto, saia de casa apenas aos domingos, visitar a igreja mais próxima, fingir interesse por algum parente e depois, dormir cedo.

Silvano percebeu um certo dia que não era muito bom em cuidar da própria vida. Foi aporrinhar um psicólogo, que nada conseguiu fazer para mudá-lo, e desistiu do paciente após o oitavo mês.
Silvano pensou em se irar com o jovem terapeuta, mas decidiu que se nem ele podia ajudá-lo, era porque nada havia para ser ajudado, e seguiu a rotina anestesiante de ser Silvano.

Silvano viveu como uma planta: cresceu no curso inevitável sob o Sol, floriu como era de costume, semeou como era de se esperar, alimentou-se da chuva que ocorresse, jamais extravasou o conforto mínimo de seu canteiro, e apodreceu de pé, sem que ninguém notasse.
Morreu numa quarta, deram falta dele na sexta, e sábado foi enterrado.

Silvano só será lembrado pelos vermes que alimentou, durante curto tempo que tiverem para dissipá-lo.

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