terça-feira, 16 de dezembro de 2008

dos erro(e)s

tudo flutua entre o que o peito pede
e o que diz a mente oculta.

revela a relva a rosa rouca
e a reza é ressalva, não ranso,
nem riso. é roupa rasgada,
é carne viva e revolta.

é rastro e ramo de todo resto
é posto e casto presto.
reembala o rosto e a resma
parece uma quase quaresma...
que comocadente restringe ao castro,
ao quarto sujo, o retorno, o prúrido incesto:
a relaxada ronda do temido gesto
na ferida, na alma, na terra rasgada.

retoma e retorna, que a roda revira
e resta ainda a ultima prece:o beijo
e o suspiro, sem suspense
sem resposta, sem senso.
resvala a rústica ressalva
ainda respiras sem alívio.a
inda reviras a pedra
a procura d'um rio.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

que(r) dizer

Uma pergunta impertinente tem me assombrado nesses dias inglórios, como louros de uma conquista às avessas. E ela ressoa em cada página, submersa: “Quê dizer?... Quê dizer?... Quê dizer?”. E me vem de súbito aquela impressão que depois de tanto tempo, depois de tantas palavras, já tão somente falo sem dizer nada. E mesmo que de fato eu diga, o fato de não atestar naquilo uma considerável parcela de entendimento e luz própria, de não reconhecer claramente o que quero dizer, para mim, é provável que eu já não diga nada. E que apesar de tantos riscos, de tantos símbolos, de tantos desencontros, de tantos pensamentos e paredes, finalmente me perdi por inteiro. Se estou pessimista, indigno, reconheço: é porque me falta significado – essa substância do espírito, que de tão imensa já não se enxerga – e que nada em minhas lembranças, nos relógios ou na razão apresenta uma mísera migalha de segurança ou garantia.
Mas enfim... Será que isso importa?
Ou ainda: será que isso já não é por si só encontrar-me todo significado?

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

água queima

era um lago vazio e profundo
- vazio, pois não era morada,
profundo, porque era mistério.

e cada gota d'água que ali
suavemente era plantada
sumia, virava lodo.

e cada corpo que lhe pungia
a tenra superfície, morria.
esgotava e secava o movimento.

e cada sonho, ele dissolvia.
e cada alma, ele consumia.

somente a dúvida ele alimentava.
e ele crescia e inchava,
até que sumia o próprio dia
até tapar o próprio Sol
até encostar na Lua.

o lago, algo como coisa viva,
a tudo destruiu, e de subto calou.

passou dia, passou-se eras.
e o lago, apesar de maligno,
estava calmo e imenso.

os homens, por desmedida,
lhe nomearam Oceano.
os homens, por ingênuos,
lhe chamaram Pacífico.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

que nome é possível?

coisa de uma cena que me angustia com uma dose inoculada de remorso.
dessas que aconteciam todo dia, no início de tudo. no início do meu início. na inexorabilidade da minha própria existência.
algo que como uma comoção incomoda, quer perfaz minhas artérias, minhas veias, meus pulmões com a baforada seca a acre de minha mudança, de meu apaziguar-se, da minha inegável estupidez. da minha configuração, adaptação, do meu deixar levar. e capaz de emudecer-me de tal forma, que meus olhos, percebo, estavam surdos.


se fosse obrigado, culparia a metrópole, e seus úteros podres, que só parem destinos falhos e abominação. ou à psicologia, grande mestra de muita de nossas ignorâncias. mestra verdadeira, pois nos educa e nos justifica. nos torna impunes por natureza, naquele mecanismo de auto-preservação, que aniquila o terror que nos assola nas calçadas imundas, nas praças, nos becos... a ponto de eliminar o desconforto da desgraça iminente. sedando-nos, e nos insandecendo.
mas a verdade me força a maiores razões, a uma maior distância. ela me joga nu na rua fria de uma realidade pavorosa, onde a chuva inconstante torna aflito o sono e o coração.
a cena se resume numa praça burguesa da cidade, onde tantos transitam irreparavelmente absortos em seus problemas, uma multidão de solidões.

no meio de um canteiro gramado, uma mancha se meche e respira. a era um menino, mirrado, uns 7, 8 anos, encolhido debaixo dum trapo, adormecido por entre a orquestra violenta da total indigência metropolitana.
passa uma mulher:"por favor, onde fica a Rua Ceará?" numa voz de outras terras - nordestina, com certeza, roupas bonitas e simples. achei irônico aquilo, sorri por dentro. respondi:"acho que uns dois quarteirões abaixo. mas não tenho certeza. pergunta naquele bar, eles devem informar melhor." seguiu-se um"obrigada" de sua parte e da minha, "boa noite".


eu fumava tranquilamente. a chuva fina não era problema meu. ponto de taxi em frente... tudo bem, estava já praticamente em casa, 23 quarteirões dali.
a mulher vai ao bar, volta. paralisa-se um instante. vai até o menino, cobre-o com uma blusa dela num carinho quase maternal. deu-se um tempo de um minuto aquela cena. e cada gesto seu me comovia. ela deixa o menino ainda dormindo, se afasta de vagar. toma seu rumo para a Ceará.

a visão me deixou estarrecido. não por nunca tê-la visto, mas por perceber que tinha desgraçadamente me acostumado a ela, nunca percebido a coisa nela como parte de mim.
me culpei, senti-me sujo em minhas vestes, um verme. como me tornara essa coisa que tanto abomino? essa massa mansa, que se deixa levar cega e surda pelas ruas? cabresto?
aquele ato de uma desconhecida a um indigente, puro e simples compadecimento, cheio de um importar-se com o outro, alheio, vago, nulo, perturbou-me.

parecia que eu havia recobrado a visão, e uma dor necessária me tomou. remorso, egoísmo, indecência. deu-me vertigem suspender o manto transparente da realidade.
aquele menino, tão humano, tão igual a mim... apodrecia com o que parecia ser o meu consentimento, com a minha inércia. senti-me horrível. perguntava-me porque. vi que algo na alma, somente nela poderia despertar essa sensibilidade. perguntava-me o que meu pensamento, o que a minha vida poderia fazer para ajudá-lo. não para limpar a minha consciência, não para livrar-me de um fado pesado. para libertar-me de uma cegueira, para mover-me em ação definitiva.

pode o pensamento de um só realmente mudar o mundo? sempre me parece que não. mas não me conformava com essa resposta. que podem os sábios e os poetas em seus gabinetes, em seus livros contra essa maldição?
parece-me que tudo agora tornou-se frivolidade. mentes dissonantes com a verdade, aquela que tanto se busca e tanto se esquece. a vida não são pensamentos nem palavras, como tudo que eu era, como tudo que sou. a vida é maior e pior, mais baixo, mais ventre e entranha. a vida é estômago, não cérebro.
resta-me essa sombra de inutilidade. esse persistente despropósito. esse pó.

o menino, continuou a dormir, na chuva. tentei acordá-lo, me afastou, ainda dormindo. "você vai se molhar, amiguinho! acorda!". nada. a chuva aumentou sentei-me ao seu lado, esperando que houvesse ainda resposta diferente. nada. dez minutos fiquei, remoendo as sensações. por fim, largando-o miseravelmente ao abandono, fui ao taxi: "pega a francisco sales."

e cá estou. incomodado. confuso. como a derramar bile em linhas, em palavras. confinado na minha insignificância, na miséria alheia, que se fez minha. sou parte disso. não como eu pensava, mas como realmente era. dói-me. recolho-me.

como será o mundo agora?

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

o rei dos ladrões

escreve e não esquece:
o muro da tua casa
é tua guarita de guerra.

se estranho se aproxima,
não espera! atira!
e ferra o desgraçado!

não deixe a porta aberta
segundo algum, nenhum dia.
põe cruz dentro, contra bruxaria.

não estremeça quando o medo,
o de mãos terríveis, lhe tocar.
sê firme! e morre, sem ralhar.

à noite não durma,
de dia espera e guarda
sua madrugada.

e aguarda que te encontra
esse pior bandido, inimigo copioso:
esse amor sem razão ou consolo.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

dum lugar no tempo

de todos os cantos
murmuram livros de vento
com vozes de pardal e sabiá.

a tarde enaltece a paisagem,
as idéias suspiram novos lares
e repousam nas prateleiras.

olhos atentos procuram
palavras, versos, teorias.
a tarde anoitece a passagem.

a porta está entreaberta,
as crianças gingam, esculacham,
e cadecem de novos horizontes.

há uma infância toda
enclausurada e livre
nas mãos de Fernandos, de Carlos, de Ligias e Cecílias.

cada página respira.
vilas aparecem, passam laranjeiras.
Lucas lê Crosué nas casas de Minas.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

a última lembrança

tenho medo do escuro, mãe.
deixe a luz acesa.
cada dia é um segundo, mãe,
antes que eu adormeça.

deixa fora, mãe, esse medo
ele não deixa a paz.
esconde logo esse silêncio,
ele não se desfaz!

tudo agora é vazio, meu filho.
deixe estar.
o mundo é farto e eterno fastio,
o que resta é esperar.

deixa disso, mãe! vem! se mexa!
a porta está aberta, é só passar.

vai-se embora! corre, menino!
é a sua hora de atravessar.

que é isso que cê treme, mãe?
alguma coisa aconteceu?
não é nada grave, querido
é só que agora me anoiteceu.

quê eu fasso, mãe? agora tá tão frio!
por que dessa voz rouca?

vai-se embora que a manhã é pouca, filho.
não te esquece que a brisa é sempre abrigo, e vai.
o Sol te aquece, e não esqueça:
cresce! voa! corre, menino! agora o seu destino é seu.

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*imaginem um violão tocando ao fundo,
encontrem um ritmo...
será que eu paro por aí?

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

os sonhos dos eternos

se eu tivesse o sonho
que eu não tenho,
dançaria na chuva
enregelada de amor.

se eu tivesse o sonho
que eu não tenho,
beijaria o som
de tua terna voz.

se eu tivesse o sonho
que eu não tenho,
regaria teus pés
com olorosos perfumes.

se eu tivesse o sonho
que eu não tenho,
saquearia da noite
as tenras estrelas.

se eu tivesse o sonho
que eu não tenho,
desejaria mais um
para não ficar só.

ah, se eu tivesse um sonho...
seria sonhar realidade
mais pura, mais branda
e mais ardente - tempestade.

arremessos

Atirei
uma pedra
no rio.

sorrio
sozinho
a espera
das ondas.

a pedra
fincou
o pé
na água,
e ficou
pra dançar
no raso
do rio.

domingo, 12 de outubro de 2008

fico a pensar se algo de novo a me esperar na próxima esquina.
e desejo que por um instante a imaginação não me escutasse
e o mundo perecesse mais equilibrado...

será que compensa?

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

mil coisas

de repente, inadivertidamente, passam mil coisas na minha cabeça. cada um com um peso diferente, com um nome diferente, com um destino diferente.
e eu no meio e eu abaixo disso, imaginando as coisas mais escuras ou claras do que elas são, sem saber o que me diferencia delas. sem saber o que me liga a elas. sem saber o que ser.
sem saber o que dizer para me reconfortar dessa pontada de desânimo, dessa manhã clara, nessa vadia sorte de principiante, que escolhe a todos e à ninguém.
vai ser difícil, pensei, mas nem tanto.
há coisas piores do que cair no poço.
não encontrar a saída desse, não saber onde é pra cima. não saber que sempre se está no poço.
não saber que isso nnão é ruim. não entender e se matar aos poucos por isso.
mas as coisas continuam no fluxo de um rio. cair no poço pode te levar por leçóis de terra, abaixo dos pés e da razão. até florescer como água nova, lívida, fundamental e precária.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

...o que será que é isso?

é o que acontece quando acontecem essas coisas inadiáveis, incompreensíveis?
algo que comove a alma, corrompe a mente, deixando as núvens vazias, as flores confusas de cor. Deixa tudo envolvido num mistério, num fogo sem luz, numa sombra branda, num vento de um afago. Uma carícia vazia, um beijo oco, num fluxo inédito, desconhecido, desses terrenos do espírito. E algo muda.
Seria paixão? Creio que, antes, medo.
Uma ânsia perante o abismo, onde todo caminho acaba...
Acaba? não.
A queda é um vetor, uma seta, um caminho igual e oposto a tudo que existe... a tudo que se conhece.
E perceber que essa queda é o caminho é o passo vital. Pois, é preciso lembrar, o tempo arrasta sempre em frente, sempre em frente, sempre em frente, como uma máquina prestes a nos esmagar em suas engrenagens sujas e enferrujadas. É uma marcha comandada sem condecendência, sem compaixão.
É preciso uma saída! Mas não há portas.
É preciso vontade! Mas não se encontra desejo.
É preciso esperança! Mas não há saída.
Tem-se a impressão de que certas questões não se resolvem, nem exixtem para isso. Elas estão vagandopor aí: uma interrogação semresposta... e por um momento, me lembro: Como isso é bom!!!
Aquela chibata que fere, sangra e aflora. Mas cicatriza, amadurece e se torna alegria. É uma felicidade assim, pura e ingênua.
A instância da existência, que comporta tão bem esse peso e esse gozo, essa escolha e essa perda... essa tentação e esse desejo.
Acho que isso é viver

domingo, 28 de setembro de 2008

secular


as horas têm uma mania curiosa de passarem vagarosas no domingo...
não há nada que se possa esperar nessas tardes monótonas.
nem salvação, nem paz. é tudo uma comunhão estranhamente familiar entre tédio e energia.
algo que preso no peito, perversamente converte a libido em pecado, inalienavelmente.
nem a solidão é pura, nem a comunhão liberdade. é uma flutuação entre a carne e o espírito. uma vontade louca de estrapolar a tênue linha da abstinência. o prazer que invade a santidade e se espalha vadiamente pelos pêlos, pela nuca, pelos seios... e desce.
o inferno está coberto de confissões e falso arrependimento - pois não há porque se arrepender.
pende a luxuria vagarosa no relógio, a preguiça inabalável, o desejo quase mórbido de ater-se para sempre num segundo antes da fatídica segunda-feira... descobrindo que há espaço no tempo secular do domingo.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

despropósito

se quiseres um fado, te dou.
um que tenha asas de tinta
e pernas de cobre e aço.
um que cante sem voz.

se quiseres um fado, te dou.
um com tinta de ácido
e sabor de morango.
um que é gozo e algoz.

se quiseres um fado, te dou.
um que vagueia manso
e termina tanto bruto.
um que desfaz a vida.

se quiseres um fado, te dou.
um que atormenta a hora
e suspende teu medo.
um fado chamado poesia.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

regras do jogo

I
pequei por mim.
algo que, como assim,
peguei pra mim.

II
en passant desdigo tudo.
não foi por mal
mas, às vezes, eu erro, sim.

III
en passant, desligo tudo,
mas, às vezes, não é assim,
todo eu que há em mim.

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à nós, Rafa.
e às (n/v)ossas Dissoluções Filosóficas

intuição n°1 [ imagens irremediáveis]

deve ser porque existem muitas palavras no espaço. pregadas com selo de vento, espalmado.
deve ser porque nunca se mede onde cuspir, nunca se pede o que cumprir. porque nunca se mexe. está ali.
deve ser porque de nenhum outro jeito seria, se não fosse exatamente como não é.
é o demônio no paraíso.
deve ser assim...

---
inspirado em
Apenas Sinta.

*fui lá e me deu medo e sabor.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

proibições n°4 [devaneios metafísicos]

...a alma não é coisa que se limpe, pois tão pouco é coisa que se suje. nem algo que se use, ou desuse, nem se abotoa.
não gosta nem não gosta, não ama, nem não ama.
nem alma, nem desalma.
nem lama nem pó.
a alma é roupa queimada e sem sujeira, limpa, mas faceira.
pronta a nos enganar, tomar posse e nos abandonar.

alma é pior do que puta!

proibições n°3[do bem]

e o bem último não é igual felicidade. é algo assim, que não sei como é.
mas assado, e não assim.
se fosse assim, seria fato fácil na vida por um fim. sem que ninguém se canse, ninguém se acuse ou cause descontentamento...

a vida sem felicidade seria muito mais feliz.

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*felicidade como compromisso último é pura falta de criatividade.
e de liberdade.

proibições n°2 [eu]

pois que percebi que nunca disse, nunca fui, nunca amei, nunca sorri, nunca ideei, nunca explodi, nunca gritei, nunca bebi, nunca trouxe, nunca construí, nunca urinei, nunca ganhei, nunca fodi, nunca vinguei, nunca cansei, nunca cresci, nunca nasci, nunca chorei...

eu nunca nunca.

nunca.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

explicação para mudança abrupta de humor

estou estranho:
algo invade o meu peito...

acho que é a felicidade
fazendo ronda
no terreiro.

mias

pra ser sincero, existem punhados de coisas que me instigam. punhados panhados na terra e na núvem, e no outro, e no amor, e no tempo, e no mar, e no seio da namorada, e no adeus, e na chegada, e no sorriso da idade (da velhice e da infancia). na pergunta que não cala, e que não sabe que é pergunta.

segundas intenções e uma péssima poesia

sou o calor que lambe as pernas das meninas
a malevolência do olhar
o fraco do vencedor
a vingança da sensibilidade lúdica
a pura vadiança das vizinhas
o suor escondido dos meninos
a pululança dos gemidos escorraçados
os segredos dos pais e dos filhos

eu sou desejo.
minha casa é a varanda
a sala a cama o mato o suspiro
a senzala e a casa-grande
o cristão o judeu o árabe e o ateu
a África e o mundo desde a Etiópia
a China e América e todo canto
que esvaece de gozo a cada instante

*dados estimam no mundo constantemente, a cada instante instante, uma média de 60.000.000 (60 milhões de pessoas) estão transando... O que você está esperando?? contribua para as estimativas continuarem altas!!

carta n° 9 [atrás de um momento]

se você olhar bem, existe um riso por baixo de cada acaso: um riso que resiste à perseguição da normalidade, um riso que reside nos nossos desejos, e que insiste na fuga desenfreada da regra e da norma.
aprenda a sorrir com os seus acasos, caro amigo. eles muito nos revelam sacanas e humildes comediantes de sentimentos, poesias, romantismo, sonho e desejo.
porque o acaso, é como papai noel: só existe se acreditamos nele. e acreditando nele, acreditamos em nós mesmo, nus e crus, na esperança de algo que quebra a monotonia de nosso destino grandiosamente indigente.

proibições n°1 [felicidade pode?]

não, não pode!
nada além da verdade
pura e a priorística
de um ser definido
sem decisão.

há algo como o quê
de um destino incisivo
por baixo do poder
da vontade, fatalidade!

passivo a tudo,
à hora, ao inferno,
à lombriga na entranha,
na estranha condição
esta de estar vivo.

domingo, 31 de agosto de 2008

despejo

a poesia está morta
não ressurge, nem salva
está só e desgastada
no relento da relva.

foi
encoberta e sangrada
pelos degraus da escada do progresso.

regresso
e minha casa já não é
casa
não é linha
nem verso.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

espectacula

se quiser ver
minha alma, vê
agora! - e somente agora
ela está sincera.

e franca e fraca.
e na fraqueza, está bela.
então, olha!

como ela se despedaça
suavemente em olor de laranjeira
nessa brisa breve, em cor carmim.

vê que ela sublima, não anda.
evapora, não mais espera
se esvai pelos meus olhos,
a mim podre me abandona.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

carta n°8 [mocinho e bandido]

- meus heróis não são feitos de carne. há neles um tanto de sonho e destreza. e muito mais que força, há vontade. e além de tudo, existe uma tendência homicida, que reside branda, como que adormecida, em cada um deles.
gloreamos a seu desejo de sangue, de brutalidade, da sua monstruosidade redentora, que nos permite ir mais além do que nós mesmos, retrocedendo-nos, ao desejável nível de animais, e ao desejado posto de predadores indomáveis.
pobres e miseráveis mortais que somos, botamos um sonho pra lutar, violentar, massacrar, e engolimos toda a repugnância de nossa vida regrada, tediosa, previsível, mesquinha, humana.
só eles, os heróis, podem levar a glória de um assassinato, de uma vingança, de uma justiça, de um amor, de um sexo. afinal, eles é que batem, correm, vigiam, perdoam, esmigalham e fodem como ninguém. (e já aparecem com mocinha diferente no episódio seguinte... despedidas sem grande serimônia, nem flores, nem desculpas).
nossos hérois criminosos, hediondos e ridículamente exagerados. que não habitam o cume da imaginação humana, mas apenas o monte sagrado de seu desespero, guardado a sete torpes chaves de moral.
- nossa! porque tão aflito?
- sei lá... acho nunca vi ninguém chorando no funeral do bandido.
----
porque o meu herói tá lá é pra meter porrada mesmo!!! hahahaha

fatabilidades

se não choras é por ser triste
se não ris é por bobagem
se estas firme, há de cair
se estas morto, és passagem

se te alegras é por engano
se te sobra, é a fotaleza
se te falta, é mais leveza
se enalteces, és abandono

se há ruptura, és covarde
se meio dia, és alarde
se plenilúnio, és quimera
se partistes, assim quisera.

pergunta

quanto vale um canto?
será que mais que o papel
ou o que sonho?

valores

valeria
valer
Valéria?

a visão à beira do infinito

meus olhos, enfim, estão secos.
como o concreto firme
sob os rígidos andaimes.

já não há rios nesses olhos
nem poeira, nem estrada,
nem salvação, nem caos.

e parecem ver estáticos
estrelas pontiagudas
que nunca sessam de brilhar.

nunca, nunca, nunca...

os meus olhos eternos
já estão cansados
de ver o mundo acabar.
___

imagem: http://img5.travelblog.org/Photos/47789/224722/t/1741246-The-Eyes-Won-t-Leave-Me-1.jpg

sexta-feira, 11 de julho de 2008

rit(m)os?

Meu Deus! a vida corre
e tenho pés calejados.
e os ouvidos calados
e a boca alejada e dura.

e está perdido e achado!
tudo que eu quiz
a não ser aquilo
que me diz minha falta.

que há nesse calor
que não sinto
e que já se foi na pressa
e na presa do tempo?

desgaste-cronologia

nesse breve suspiro
não há espaço
para floreios.

tudo é muito grande
mas não inteiro
entre dois rios.

há um rio que sobe
o outro que desce:
passado e fluente,

num espaço pequeno
que encerra
dois momentos.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

das baladas de amor entreabertas

bem que se quis depois de tudo ainda ser feliz.
mas não há o que fazer, além do que a vida diz
e tudo que resta é morrer no mar - de horror
quando se esquece o que vem da verdade, amor.

vem pra perto vem, vem de pressa vem sem fim
porque o meu fim já passou. não me resta tempo
ou vontade, e tudo além é potestade - e marfim
frio que alcança o pudor e a morte no escoupo.

me beija e me faz esquecer - dos meus medos
de tudo que errei, e da tanta falta que me fiz,
e de tudo que deixei escapar pos entre os dedos
pra que se queira, se possa, levar e ser feliz.

----
sinto que falta dizer alguma coisa, mas não tenho tempo no tempo que tenho

segunda-feira, 7 de julho de 2008

desmatérias

algo como um grama de beleza
está perdido do teu rosto. caiu
e - benção! - veio dar no meu olho
como um cisco de um sonho.

que parte mais de ti carrego eu
que comigo embolo a balada?
e na novela inenarrada, quê
de tudo mais que anda nessa terra?

saiba que contigo levas, despecebida,
grande parte de minha alma,
e mesmo dessa lama que escorre
dos meus dedos, filho do barro que sou.
--

do dia que me apaixonei pela Vênus de Milo.

sábado, 5 de julho de 2008

logo que tudo fizer sentido, retomarei as rédeas da galáxia, que se agita brava, selvagem, despedaçando todas as palavras.
no momento, estou perplexo, no instante entre dois momentos, à espera de que algo aconteça derrepente e perpetue em minha mente todas as experiências pueris de inocência.
no momento, todos parados e eu no foco de luz sob a lareira baixa, a cantar minhas mais claras cartas de desejo podre e farto.
existindo à espreita.
insistindo na escrita.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

carta n° 7 [de amor]

estátudoditononossosilêncio
teamoepontosemexplicaçãosemnecessidadedemedidasemomenorsentido
teamoporqueteamoebasta
teamoemeamoeamoamaratalpontoquenemespaçocabeentreaspalavras
teamotãoloucamentequenãomemeçopelagramáticaoupelosenso
teamoenãorenegoador
teamoeamo
teamo,amor
---
gozado essa carta tão cármica a um número tão cármico estar relacionado
poderia dizer muitas outras coisas, mas me abstenho para não quebrar o clima
quem sabedaí não nasce outra carta, de compromisso maior e menor que o nosso amor?

a aline

segunda-feira, 9 de junho de 2008

carta n°6 [da solubilidade do ser]

são tantas as vozes destoantes que já não sei qual é a minha.tantos olhares curiosos, e tantas máscaras já usei, que não me lembro do meu rosto.tantos caminhos, que perdi meus pés.tantas melodias que já me esqueci as letras.tantas as tardes que me esqueci das horas.tantos sonhos que eu perdi o senso.e tantos danos que já perdi o sono.
tantas quantas coisas, letras, pessoas, momentos, palavras, pernas, desejos, noites e dias, poemas, folhas, anúncios, covas, passos, teorias, mentiras, beijos, filmes, discos e fotos e fatos e viagens e chegadas e partidas e perdas e ganhos e sons e núvens e rios e tanto mar que já me dissolvi tanto e tão completamente
que mil vezes eu ganhei
e me perdi.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

carta n° 5 [dos passados]

como tenho saudades daqueles tempos
que só voltam um segundo, se tanto
nessas fotos esquecidas no espelho.

existem lembranças, amigos, intentos,
tantas coisas que não se repetem
que não se retém - mesmo em sonho.

mas, antes que o coração apodreça
é melhor que se diga, de pressa:
não descumpro minha promessa!

não esqueço, me esforço e detenho
qualquer coisa mais em pensamento
que as velhas lembranças surradas
e nossa velha inocência perdida.
--------
... morrendo de saudades de tudo aí.
partes de mim que ainda não encontrei, residem aí, nas praias, escondidas na areia, no parquinho, na velha escola abandonada...
tanta coisa tão perdida e tão achada quebrada de baixo do tapete, atrás das cortinas do vento.
há uma coisa de lembrar o passado que nos consome, percebe?
algo que lacera e revitaliza, sem nunca apagar de todo, sem nunca se deixar morrer de todo... sem nos deixar morrer de todo, pelo menos.
um grande abraço na turma toda, especialmente em você.
anos que não vejo ninguém, a imaginação voa alto e pesada...
como vai tudo?
grande abraço.
mande notícias do mundo de lá.
__
escrita para Vitória, a cidade que habita uma parte nebulosa do meu passado, e para as pessoas que lá habitam, na cidade em mim.
acho que ainda tenho alguma corrente me prendendo lá, de forma deliciosa - e triste.
30/05/2008

segunda-feira, 26 de maio de 2008

verborragia sabedora

alguma coisa eu sei por ouvir dizer que se sabe sabendo que tudo que se sabe sabe-se ao meio e pouco menos que as coisas lúcidas são sabíveis descobri que saber é pouco mais que estar acordado mas sabendo que se sabe assim somente a metade há de fazer saber que saber é também dissabor pois nada saber é melhor que saber metade do que há para saber
porém se sabe-se que a metade outra não se pode saber a metade é saber tudo pois se sabe que não podemos saber o que é impossível saber saber metade é saber o que há pra se saber e é portanto saber tudo
mas do dissabor do saber metade isso é a saber a coisa mais sabedora entre os saberes e os sabores
saberás que não há sabor real em saber e saber não tem sabor pois não queima nem esfria não fede nem cheira não sabe nem não sabe
saber é não saber e isso é saber pois sabendo que não se sabe faz saber que sabemos o primordial que saber não se sabe
e isso é saber o bastante
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terça-feira, 20 de maio de 2008

carta n°4 [a carta que eu não te escrevi]

Não me pergunte sobre aquele dia, pois me foge a lembrança. Coisas que são melhores esquecidas. Mas sempre levo teu rosto (por benção ou maldição). Sei que o tempo era muito vasto e muito curto, e que o espaço despedaçava. Diluia em lágriams algumas que brotavam puras e benevolentes à dor, criavam cravos e rosas e flores do campo, pequeninas e brancas em numerosas coroas.
Lembro que a memória refestelava, e que a alma se partia (tamanho golpe que, sim, me lembro como se fosse ontem). Lembro que na fenda ficou vazio. Lembro que o vazio se encheu de veneno, que matava toda graça.
Lembro que tudo que fora dito, foi esquecido. Lembro que só me ficaram (ainda até hoje me perseguem) as palavras não ditas, entaladas, mutiladas no silêncio.
Lembro do travesseiro duro, da coberta fria, da noite demente que se arrastava perante as estrelas.
Lembro que o dia amanheceu como um desejo agonizante de viver...arrastou-se, arrastou-se...
e lá pela quase meia-noite dormiu.
Nunca te perguntei: como você gostava de mim?
Sei que eu nutria por você, e não me era segredo, inveja.
Uma inveja brincalhona, como que de um fã, de irmão mais novo. Minha vontade era mesmo te encontrar cada vez mais no meu espelho, no meu espírito. Queria ser como você, andar como você, falar como você, agir, sentir, pensar, amar e sofrer como você. Muitas vezes me odiava, se não pela minha incompetência, pela idiotice dessa inveja. Na verdade, ela ainda existe.
Nunca tive pena de você. Senhor de si, sei que havia algum motivo... E se não tivesse, não importava. Mesmo naquela madrugada que deprimia até a mais cálida rosa branca.

Não tinha pena, mas já não tinha inveja, nem ria...
A dor era tanta naquela despedida tão definitiva, tão eterna... perdia-se o sentido.
Enquanto te escondiam com madeira e terra e cruzes e números, mesmo assim submerso, te sentia ainda soerguido, vivo e inteiro, ao meu lado no vento, murmurante... em mim.

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OBS:
a única e verídica carta
04/03/2007
(para o bruno)
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segunda-feira, 19 de maio de 2008

carta n° 3 [sobre as cartas]


porque acho que na verdade são as cartas que nunca recebi,
as palavras que nunca compartilhei comigo mesmo, ou com outrem.
e porque a poesia não se limita a versos e músicas.
porque não preciso ser coerente.
porque não é preciso a poesia.
porque há outras formas de se dizer o que se deve dizer.
porque é mais sincero porque é confortável porque faz bem porque é preciso
e quase necessário.
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domingo, 18 de maio de 2008

carta n° 2 [conselho aos amigos - ou do caminho]

caros amigos, não se iludam!

a vida dói. mas tem lá seu mercúrio cromo e vermelho. toda ferida há de sarar, e todo desalento há de passar.

esperança, essa idiota equilibrista bêbada, resiste infinita à queda na face bruta da realidade.

toda tormenta há de acalmar, toda malícia há de sumir e todo caminho há de acabar. e só se têm felicidade verdadeira, quando se descobre que na verdade

, não existe caminho algum.

PS: detesto sair de casa. me lembra que eu sou menor que o mundo.

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sexta-feira, 16 de maio de 2008

CORPUS 1


I - do natural
põe tenção em cada músculo!
percebe a força da carne,
sente o ruído estrondoso do sangue!
conquista a forma perfeita
de cada músculo tracejado,
as víceras bem ordenadas
e a opulência da forma rija
de cada membro de teu corpo.
tateia no teu ventre a perfeição
gutural que incide sobre a fibra
de energia, beleza, vitalidade.

faz observar teus pés
sente o poder de cada passo
a retumbar no universo
com estrondo divino ao pisar o solo,
sente o poder incontestável: anda!
torna a pisar como se fosse um deus
com segurança e força,
dos pés às pernas tuas.

pega com firmeza descuidada
com as pontas dos dedos
cada centímetro puro de tua área
indelével, nos teus ossos, como na pele,
elege a forma perfeita do braço,
das coxas, dos ombros: a forma sua!
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imagem: http://www.zipt.com/images/body.jpg

CORPUS 2


II - do narciso de cada um
sente o fulgor que aflora
desde os seus olhos e boca
até as costas, e desce...
displicentemente.
renda-se ao fogo amável
que sobe pelas pernas
lambendo-lhe a virilha,
tocando-lhe o sexo...
revela teu desejo!

enaltece-te! venera-te!
arde-te! consome-te!
consuma-se!

renda-te ao menos uma vez
ao teu prazer aprisionado
mais primitivo, repudiável, lancinante!
lamba-se os dedos e os lábios.
toca sem mesura, com carinho,
com esse amor tão sujo
cada parte dessa pele que te limita
cada sensação, a mais escondida.

toma proveito da primazia do corpo ilimitado
que só se encontra no teu desejo imediato.

toca tua silhueta,
amamenta-te e deleita
cada segundo de sua vontade.

ama-te!

goza teu corpo!
domina teu corpo,
esbelto e pleno,
belo enquanto puro,
e forte e inteiro.
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CORPUS 3

III - do tempo
aproveita a força reunida
o amor próprio resgatado
e foge!

corre das cidades, dos outros,
de ti mesmo, do tempo.

pois quando o espelho alcançar-te
muito antes do desejado
pouco antes do esquecido,
do teu corpo tu há de sentir
apenas a falta...

decairás!... aos poucos.
e se convencerás do contrário.
mas na certezado engano,
até negar-se a ti mesmo, enfim.

ama-te agora
pois que no futuro não distante
terá perdido tua face,
teu vigor, tua forma.
mirrarás na pele e na vontade.

e cairás por terra,
e serás terra
e nada mais
nem ti.
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ELIZABETH FRINK (1930-1993) Running Man, 1976

CORPUS 4

IV - do amor

amei luzia como se amasse a mim
luzia luziu, reluziu, brilhou, sumiu
fiquei em luzia, me perdi de mim
ao acaso ando, sem face, sem luz
pois nem a vida sem luzia me seduz
devagar esmorecerei no esquecimento
e meu corpo se apagará n vento
até que em luzia eu volte a mim,
quando eu for consumido pelo tempo
no momento eterno do meu fim.

não amais no mundo alma segunda!
pois só lhe há de trazer sofrimento
e tudo, depois de prazer, será lamento
nada que não a causa de dor profunda.

conduz teu amor a ti - creia, te basta!
do contrário encontrarás pena nefasta
na beira da morte do ente querido
só uma parte de tu'alma irás consigo
e quebrantado viverás, sem abrigo,
o próprio amor negarás, te digo!

amor não é essa coisa que prospera
pois eis que após o amor, reina a espera.
ó amor, se vais, mata-me contigo
não me abandona na espera sem sentido.
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imagem: http://www.nrfoto.no/03art/artgallery/pages/body_01.htm

CORPUS 5

V - da morte
do que se fez não há mais nada
tudo é vazio é tudo é vazio é tudo
há somente uma pena ritmada
vazio e nada e vazio e nada e vazio
mas se escuta ainda um canto pio
tudo oculto tudo oculta tudo tido oculto
que reina acima nessa hora sagrada
nada e tudo oculto no vazio é revelado...
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imagem: http://images.artnet.com/images_US/magazine/news/artmarketwatch/artmarketwatch5-15-3.jpg
Piotr Uklanski, Untitled (Skull) 1999

CORPUS 6

VI - do além
plenitude joga teus raios sobre mim!
nada me perturba, nesse canto de jardim.
pouca coisa ou nada me incomoda
- nada sobra, senão um pouco de tédio,
nada falta, senão um pouco de desejo.
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imagem:http://www.antiques.dk.com/assets/420/10357149.JPG
Emile Albert Gruppe (1896-1978) - Nude at Forest's Edge

CORPUS 7

VII - da encarnação
Papai do céu, me põe no chão!
Lá na terra onde todos estão
meio perdidos, como grãos
num grande galinheiro.

Papai do céu, não me lava a mal
mas é que sinto falta de agito
do corpo que roda, sofrido
e amado, caído qual pião.

Papai do céu, não se aborrece
lembra que eu faço boa parece
não me esqueço do senhor, não.

Papai do céu, vê se me nasce!
pois aqui há perfeito amor e enlace
mas meu peito sente falta de paixão.
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imagem: http://hesperia.canalblog.com/albums/etudes_de_leonard_de_vinci/m-Etude_d_enfant.jpg
Leonardo da Vinci - "Etude d'enfant"

quinta-feira, 15 de maio de 2008

do ex-aprendiz



decláro-vos, hoje lhes nasceu um poeta!
- a novidade: não sou eu.
não sou poeta, se de fato este não o for.
pois se é que eu sinto dor,
ele a tudo e tudo e todos interpela.

foi parido pelo mundo poeta maior
poeta que não é só de vento
é carne e osso e pó e nó e dó
e ré e mi e fá e só lá si dá
com tudo que há para se versar.

filho, de versos roubados, alheios, ocultados:
toma para ti todas as palavras!
toma até minh'alma, se for de préstimo.

mas se essa não é de nunhum acréssimo,
devolve-a, para eu rendê-la aos vossos versos.

estou feliz, de fato: rio como quem é superado.

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*pro rafael
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Boy Writing (White Bonded Marble)

sábado, 26 de abril de 2008

da crítica - n°1 [o problema do mundo I]


meu filho
que não é meu
olhou no meu olho
já sem a vida
que eu lhe neguei
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*há momentos que não se deveria perturbar a imagem, viceral e aterradora como só ela, com a palavra mesquinha e pequena. mas é porque algo me dá voltas no estômago que fica meio impossível não vomitar algum verso.
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da simplicidade do universo


criancinha andando com papai:
ai, acho que tropecei num planeta!

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imagem: http://spaceflightnow.com/news/n0010/01darkmatter/001001universe.jpg

sábado, 5 de abril de 2008

apesar das aparências

por menos que pareça
(nas linhas erradas escritas)
sou eu feliz que escrevo,
rasgando a flor púrpura
da animosidade celeste
num deboche agridoce
à minha vã personalidade
- infame e intermitente.
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imagem: http://www.telefonodelaesperanza.org/img/uploaded/noticias/mascarasteatro.gif

my happy ending

que se perceba
em análise sincera:
viver bem é procurar
a sircunstância adequada
para morrer melhor.
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imagem: http://www.organic-city.com/apple.jpg/apple-full.jpg

no consultório psiquiátrico

distúbios psicóticos
depressivos,
ansiedade
neurotrasmissora,
hipnose anciolítica,

etc
e ECT

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*PS:
ECT = Eletroconvulsoterapia
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imagem: http://www.humornaciencia.com.br/biologia/cadeira-eletrica.jpg

terça-feira, 25 de março de 2008

carta n° 1 [de auto-piedade]

não importa o quão piegas isso possa soar, ou melodramático e auto-piedoso; sei que sentimentos como esses subsistem na escolha de cada palavra.
talvez com essas palavras tão emprestadas e gerais, de algum modo tosco e imaturo, meu coração deverasmente chora-deschorando, chora arrependido e humilhado, escondido, sem mais sequer dizer palavra própria. escusando-se a uma palavra tão estrangeira dele mesmo, que ao encontrar-se de fronte delas ele, assustado, sorri até, reconfortado por não ser responsabilidade de ele pensá-las e possa simplesmente cuspi-las - como a boca joga fora uma bala doce (ou seria azeda?)... mas depois se arrependesse de vê-la descartada, jogada como fosse sua palavra à exposição pública.
me reconforto pela autenticidade do sentimento, talvez. ou talvez me martirizo pelo desconcerto dessa coisa tão fora de mim e tão minha. pois no fundo sei que a dor brotara tão desarvorada que não me deixara clareza ou palavra pura, sendo mais real que muita dor que por aí anda vadia.
e num suspiro de renuncia, súplica, refúgio e desjuízo, me desprendo do meu orgulho, num jargão aborrecido - e nunca tão profundo:

"tenho saudades de mim."

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imagem:http://www.majarti.blogger.com.br/Solidao.jpg

sexta-feira, 14 de março de 2008

adivinho

o futuro é um porto,
em meio à névoa opaca e densa,
feito de mera miragem
e ausência.
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imagem:http://imagecache2.allposters.com/images/ARIPOD/40061245_b.jpg
Camille Pissaro, 1888. A Ilha Lacroix,Rouen. Efeito de Neblina.

fluxos


essa besteira, inteiramente,
é meu fluxo de consciência
inconstante, inconsciente.
se restringe a um bote
- qual serpente -
à efemeridade rouca
da minha voz inconsequente.
passa dia pós semana
conquistando império
(ausente)
de casas vazias
- qual romano -
com palavras gregas
instransigentes
esquecidas nas portas
de-batentes.
é fluxo de rio que bate
no mar gigante
e some, exaspera, transborda
num oceano titânico
indiferente.
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imagem: http://members.optusnet.com.au/aquatichabitats/sepik_river.jpg

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

a imagem irrefletida (ou o espelho esquecido)

sou feito de chuva e de fogo
sou fruto do acaso e da luta
e do medo, d' alvura, da lama

sou aquilo que clama
numa oração profunda
e mal acabada por tudo que
suspenso no momento
me escapa

sou a colheita impreterida
pretérita, insuficiente,
da carne-viva e desnutrida

sou o verme no ventre defunto
alimento da morte displicente
e tudo que te falta n' ausência da hora

sou a marca vermelha de exílio
que cada homem carrega, em chaga,
no peito suprimida por todo terror
que ronda o sonho, e enegrece a vida
__
René Magritte - La reproduction interdite, 1937

escritura


escreve, filho da terra
acabada criatura,
para que o seu destino
inerte se complete.

escreve e ora, filho do céu
pois a vida vai além da cama
e muito além do passo final
e torto de cada homem.

escreve e chora, filho das águas
para que o pranto vaporoso
pelo vento te eleve em parte,
para algo além do medo.

escreve, esquece... vá embora
que de linhas tortas já se bastam
aquelas maiores e invisíveis,
escritas e esquecidas por Deus.

sábado, 26 de janeiro de 2008

santidades

taciturno, carrancudo, áspero,
recluso, casulo de prata e sal...
como te adoro, nesses dias,
minha pequena solidão!

me abastece e me bastarda
dessa pequena e alegre agonia
eu, teu filho santo e sacro, estou perdido
em algum canto da cama de dossel.

o quarto parece imenso como o silêncio
que se propaga sobre as montanhas roxas
de luto eterno pelo Nosso Senhor
nascido de rocha e madeira

o silêncio parece pequeno
quando comparado a palavras
tão minhas quanto vazias
de insenso e oblação
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foto:
http://www.photografos.com.br/exibirfoto.asp?id=56069
Ser Mão - Marcelo Lelis (15/04/2006)