sábado, 20 de outubro de 2007

acolhida

não se avexe, moço,
desse meu verbo vagabundo
que eu espalho na noite, moribundo.
ele é cão amansado pelo tempo:
já não morde, já não ladra.
- letra, há penas.

entra, doutor, que a casa é rua.
toma todas as minhas filhas, essas putas
palavras perdidas das linhas certas
que se vendem pelo preço menor,
e abençoam pequenos pecadores.

toma, sinhá, meu sangue nessa travessa.
não repara não, que ele tá manchando
tua prata, tão cara.
mas sai logo, não fica.
carece só um muncado d'água.

repara não, esse fiapo que restou,
essa minha figura pouca e sequíssima
como a peste que alastra.

esses meus pés baços de vento
se movem só na poesia.
logo passam, não param nunca
nos olhos de pessoa nenhuma.

viu que eu já me fui?
sou passado dos seus olhos.
uma lágrima? um escárnio?
um sorriso, talves?

sou nenhum, nem outro:
sou uma breve miragem.
nunca lugar - nem mesmo um.
sou todo passagem.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

entregas - desintegras

é sempre como amanhecesse
todo um sol, rebentando núvens,
quando enlaçamos nossos sorrisos.

quando estou em sua companhia.
sempre levanta uma brisa no peito
fazendo dessa vida inteira alegria.

saberiam lá os pássaros mais jovens
o quão grande era nossa liberdade?
quão alto voavam nossos sonhos?

mas é que sempre vem a noite
sorrateira, confundir os passos.
desatando, num instante, dois caminhos.

seus cabelos, despedindo-se ao vento,
dançavam à beira-mar. cada pegada
cravada na areia setencia a distância.
não sabia eu, que cedo ou tarde,
tudo que se faz nesse mundo, finda:
nosso laço, teu abraço, minha fantasia.

não sabia eu que era tudo erro,
mal percebia o engano custoso
que construíra com o tempo:

me abandonei em teus braços.
teus braços me abandoram
no esquecimento.