segunda-feira, 30 de outubro de 2006

fissura


que exploda o mundo num segundo momento
e todas as idéias sem qualquer lamento
e todas as vozes em unissono sereno
e os inocentes vestido de veneno
e toda dor que corrói com o vento
e todos os rostos tortos do pensamento
e todo medo que me cega lento
e todo grito e toda morte e todo sopro
e todo tudo e poucos e loucos e mudos
e cegos do peito demente
e tudo em parte e sempre

que se exploda tudo
tão logo eu suma
num eclipse atônito

quero a morte atômicada
explosão cósmica
e que tudo finde de novo
pra recomeçar
calmo e morno
depois da meia-noite

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*acredite!
no que
você quiser.

o mundo acaba
todo dia.

quinta-feira, 26 de outubro de 2006

o poço serafim



no que me cabe nesse mudo:
silêncio e uma pena eterna,
voar com asa ansiosa e presa
no longo precipício das luzes.

as vozes me sopram notícias
dissonantes doutros lugares.
mas acaso existem outros
que estes que trago em mim?

a vista do olho do vento, invento
passatempos, e tempos e eras
e trevas e linhas e traços.
tudo desfaz o sabor do vento.

ao cabo de tudo,
sem nada
acabo.

será?
sem fim a queda
sem fim o tombo
sem fim
fim

.

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*eu sou o nada
posposto
ao ponto
final

quinta-feira, 12 de outubro de 2006

d'água


da lágrima de riso,
de torpor da pena,
de traço, de pequena
e singela.
da janela sem fim
que cai na lama.

gotas
todas elas
e qualquer uma.

todas elas
(tão iguais?)
e tão singelas...

mas me acolhem
na manto de yamanjá
no tridente de poseidon
no suor de deus.

me dissolvem puro
no universo azul.

e eu sou ainda
menor
que gota d'água.

domingo, 8 de outubro de 2006

parenteses


se aproxima o feriado
e ferido, desço o rio
e vou pro mar.

no sal de dunas líquidas
recupero-me da saudades
dos tempos em que era peixe,
girino, estrela, lua e água-viva.

...sandices.
ferida de saudade não fecha
nem com mertiolate,
nem com as lágrimas,
nem com os pulsos cortados.

saudade se cura no sonho
e no tempo.

um grande abraço,
braço branco dos antigos
rostos que carrego
no meu peito nu.

por osmose
amargo o mar...
ou não?

só é claro o turvo
e tudo até parece solução
nas derradeiras madrugadas
(insolúveis).

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vou descer a serra, de verdade. tem uma semana inteira pela frente em porto seguro...
fazer o quê?... semana que vêm eu tô de volta...

PORTO QUE NOS SEGURE!!!

terça-feira, 3 de outubro de 2006

vasto mundo

Raimundo,
não chores tanto por tua rima
não caber no meu rumo,
pois o mundo é maior que o verso,
que as bananeiras ou os muros.

Bem sabes que a vida é injusta
e cega,
e nem sempre vê direito
os passos tortos dos homens
ou lê direito a língua dos anjos
nos poemas, ou fora.

Justo os poemas,
que não têm passado,
nem solução, nem nada...

Só as palavras,
como se palavras houvessem,
ou bastassem
pro mundo e pra vida...

segunda-feira, 2 de outubro de 2006

calmarias

atrás da porta
jaz meu amor perdido
no devaneio dos beijos teus.
onde andarás, meu amado,
se eu acaso agora beijo a tua sombra?
minh'alma que busca a tua
no horizonte celeste.
te perco, pois eis que esqueço
minhas asas embaixo
da escada divina.
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onde a sombra de Deus
se alonga, se esconde
e veste preto.
e a língua tirana
lambe fogo gelado
a minha boca
e as minhas pernas.

e o mundo debaixo da escada
vibra, geme, rola, morde.
tudo é pecado.
tudo é maravilha.
tudo é permitido.
tudo é carnaval.
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à sombra de Deus
Sua face virada
Sua face ferina
Seu lado tirano
Seus anseios mais negros
maior de todos os planos

humanos em jogo.
que mais lhe custaria:
a vida de um zigoto?
ou uma vasta putaria?
assim é a vida.

assim é o que é
que deus imaginava
quando pôs no mundo
a anta e a jia
pelados e burros
bípedes e bizarros animais.

enquanto dormimos,
deus dita o mundo
de baixo dos panos.
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*... poemas irmãos.
um criou o outro
o outro criou o um.

afinal,
de quê estou falando?
do poema?
ou não?

canto de canteiro

magnólias, crisálidas
rosas de tortos crivos,
espinhos.
beijos e azaléias
cravos brigados,
cravados na terra,
sozinhos...

flores mortas nos canteiros
brotam rotas nas janelas
flores: dores pra quê te quero?

Trouxas insólitas de pétalas.

(sem nome)

descobri no canteiro
uma vontade doida de plantar
uma flor mera que seja

vermelha de sangue
branca, cálida e pálida,
que brotasse da pedra
no caminho do poeta.

Pacífico

Desejo-lhe a desgraça mais pura,
A miséria e a doença em copo de cristal.
Desejo-lhe desavenças cruéis
Perdas de todas as espécies
E torturas sem fim em lâmina fria.
A solidão do caixão lacrado.

Desejo-lhe a calamidade, a catástrofe,
A ignorância abençoada dos sábios perenes.
Desejo-lhe estrume em prato de ouro,
A garganta aberta pra gritar,
Coberta suja de mortalha usada.

Desejo-lhe o calor do inferno
Afogado no fundo do desespero.
Desejo-lhe saudade alguma, e toda guerra.
O coração fraco e as veias entupidas de nojo.

Desejo-lhe queimado e agonizante
Espero-te mais seco e roto
As pernas quebradas e os braços tortos
O rosto disforme e a ossada indigente
Desejo teu corpo esquecido no quarto
Desejo-lhe o tiro a queima roupa
A agonia lenta e torpe
Desejo-te podre
Sete palmos abaixo
Dos meus pés

Maldito, mutilado, morto.
Perdido na alma e no corpo
As tripas saltando o ventre
O sangue jorrando dos pulsos
E meus punhos ao teu pescoço.

domingo, 1 de outubro de 2006

ode ao grão de areia

caiu um cisco
no meu olho,
e se fez o eclipse!

pra que preciso da lua?
dançar nua pro sol?

prefiro a plenitude
desse grão simples de areia,
que pelas eras move as dunas
e tempestades na ampulheta.

e que cabe mansinho
na palma da minha mão!

batom vermelho

aos teus lábios rubros
repouso meu sonho.
rendida aos seus pés,
jaz perene minha língua
e suas palavras.

doces lábios,
rubros e deliciosos...
lábios de mel...

...até o meu desejo
guarda o teu sabor.

regressão

não existe oceano nem horizonte,
pois o rio dos meus olhos
hão de secar tortos
nas minhas mãos trêmulas.

pois quando voltardes
pelas estradas da noite,
vestirei meu melhor sorriso
e meus lábios estarão mais doces
pra encontrar os teus.

e meu coração,
que anda ébrio
pelas veredas do desatino,
encontrará retidão
no conforto da alma.

pois o peito tem caminhos
que não conhecem os neurônios
...e a pena cai inútil no meu chão.

dinamarca apodrecida (tributo a hamlet)

é o sepulcro violado do pai dele,
donde sai o fantasma psicótico
à madrugada para assombrar
as veredas da razão...

a podridão dos seus ossos
refestela feliz
a companhia do luar frio
à meia noite...

até as entranhas do rei
ficam secas e encardidas
onde os vermes fazem festa

e até o ouro apodrece
e até na morte há vida
enclausurada num caixão