quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Instinto de existência


Roga mãos para quê hora?
Chora à mãe que lhe devora?
Canta ao pai que lhe destina
mais ausência ao céu que eras?

Nos cantos e hinos demanda
A fúria mais amada.
Com a voz mansa enaltece
a pergunta que se esconde:

"- Quê sou eu, além de, enfim,
pelo menos alguns quilos
Dramaticamente unidos
Entre as pontas dos meus dedos?"

" - Cala-te, Mais-Mal-Que-Morto!
Saiba: cada jesus sobe o hôrto
Que, no mais, bem que merece!"
- o vazio responde.

domingo, 25 de novembro de 2012

ante-provérbio #1

muitas das coisas boas da vida 
festa, sexo ou qualquer conquista
isso e não mais que assim o são
muito e mais muito movimento...
só bem depois satisfação.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

A vida é uma lágrima de alegria. É o choro do filho que me espera pra nascer um dia. É, do amor, uma doce voz de fera. É flor sem primavera. É essa amante devassa e viúva. É aquela pouca chuva de sertão. Uma grão de desejo semeado na pedra. É mãe louca de filha ingrata. É irada fome das famintas certezas, dos infinitos excessos, dos desconhecidos excetos, dos erros exatos. É andorinha que conjura
 o verão, por menor que seja. É uva que profetiza vinho. É todo e qualquer caminho, é comum e comunhão, destino.

Existe vida no meu espelho, no cinzeiro, na janela? Existe vida na menina ensanguentada de guerra? vida nas madrugadas sem coberta? vida nas salas de aula? vida nas pedreiras, vida nas calçadas, vidas nos asfaltos, vidas nas facas, vidas nos revólveres, vida nos cadafalsos, vidas na câmara de tortura, vidas nas celas acolchoadas, vida na UTI, vida nas praças desertas, vida nas pequenas mazelas, vida nas crianças sem nome, vida nas poucas palavras que restam? vida no sonho, no abandono, na morte?

há vida, pulsante, desejante, num florescer glorioso e agonizante até no aqui e no agora, até no branco da página.
O bom da Verdade é que ela, assim, maíuscula, é metafísica. só mais um delírio, um paraíso (?) sem distância e sem lugar. as nossas mentiras e realidades cruas são bem mais vivas.

muita teoria é mentira mais ou menos bem contada, ainda não desmentida. muita poesia é mentira pura e fascinada, sempre buscada. muita vida mais ou menos vazia de certeza.

Para chover arco-íris

Vai, recorta no vazio e no vento
E nuns cem olhos da velha cidade
Um espaço de breve fantasia:

Só roçar com a brisa que a água voa,
Eis que um aquário de luz levita
Em mansa tempestade de mil cores.

Sorri levada a criancinha. Leva
O dedo miúdo e metido, toca
e espoca, num piscar, o paraíso.


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pras bolhas de sabão dos parques



já vai para bem mais de um ano que não cuido direito do blog. os textos continuaram a serem feitos, porém sem a voz, só no traço. há mais de um ano saí, morei seis decisivos meses em porto e tive oportunidade de experimentar um tanto mais que razoável do velho continente. foram três mochilões, pouco planejados e muito aproveitados, conhecendo pelo menos as capitais de portugal, espanha, itália, frança, bélgica, holanda, república tcheca, hungria, áustria, inglaterra, escócia e irlanda. fiquei imerso em vários mundos novamente antigos,  fiz amizades sólidas e me derramei em vários museus que sempre sonhei em conhecer, em ruas e parques que eu nem imaginava existir, e o tempo todo eu escrevia. rabisquei idéias e versos em blocos e almas. alguns se perderam. muitos estão perdidos entre formulários e souvenires até hoje. mas começo a trazê-los para cá. os que tiverem a data quando foram escritos, constarão como sendo desta ou daquela.
 virão também algumas fotos, minhas ou de amigos, com a respectiva indicação.

comecei ontem, pelo facebook, o esforço de passar a escrever pelo menos um poema a cada dia sobre qualquer tema, com qualquer estilo, mas de preferencia com alguma exploração de estética, desde que não mude-se muito a ideia original.

acaba que virou hora de reescrever e em retrospectiva.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Cinematógrafo

naquele breve momento entre o caos e a maravilha
vê-se o universo aberto, sempre raiar e pôr do dia:
cada povo é seu oposto, cada língua e seu sabor;

todo papa clama ao povo pelo alívio no Senhor;
luxúrias bem honestas; os homens sempre fiéis
às loucas que se amarrarem em baixo dos seus pés

e todo mundo seria inapto, ignorante e medonho
naquela mesma triste comédia, tragédia ou sonho.

entre os nossos super-homens, uma antropofagia
já bem cotidiana: a carne humana é a mais macia.