terça-feira, 28 de novembro de 2006

aniversariando


olha cá, bem dentro da minha alma.

responde pra mim: viu?
responde o porquê de tudo
o pra quê, o onde, o como...
me diz tudo quanto pode
só de analisar esse lamento,
essa alegria,
esse momento.

me diz tudo que pode
me diz tudo, se pode
que, podre, eu te escuto
tudo.

desvenda-me
ou me devoro.

desvela minha alma,
que na lama eu gozo
enquanto espero
à minha dúvida
o teu retorno.

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fazer anos é muito esquisito:
achava que ia ser tudo diferente...

mas o sol raiou,
a núvem passou,
a rosa brotou,
pensamento pensou,
olho olhou,
boca falou,
o vento voou,
o jovem morreu,
o velho expirou,
o bonde passou...
a noite nasceu,
a estrela brilhou,
o sonho sonhou...

é tudo na mesma.
o que mudou?
mudou...
mas é o mesmo de ontem.

domingo, 26 de novembro de 2006

limites


já não há espaço
nesse corpo.

já não me cabe
esse cárcere,
maldição bendita
(a carne podre).

a palma grita
pois a alma lhe rasga
em não-caber.

e, se há doce sabor
no espírito
(posto que a língua
lacerada e trêmula
não mais diz
ou delicia nada)
este é do simples
instante que existe
e insiste apesar de tudo.

apesar do nojo
da ânsia
do vômito
e da vertigem de viver.
(fuligem-fulana
que corrosiva traça
destinos
no quadro negro
do céu noturno)
nem a estrela (de)cadente
me realiza algum desejo.

sábado, 25 de novembro de 2006

re-sentimentos

...
mais sinceras são as lágrimas
(aquelas bem peroladas)
do que as palavras dos homens.
lágrima é água (gota-oceano)
e nada mais;
sem segundas intenções.
já o coração que chora...
esse dissimula sentimentos,
não merece consentimentos
ou comiserações:
merece sofrer
pra sangrar lágrimas
até cairem no papel.

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*quanto ao título,
é engraçado,
e pertubador,
como as coisas se repetem
(totalmente diferentes)
do que nas semanas passadas
semeadas na terra fértil
da má-aventurança
bendita de viver.

quinta-feira, 23 de novembro de 2006

cotidiano


aurora vermelhada
sangra toda elegia
plena madrugada

meio dia em meia hora
no meu quintal
raios caem como flechas

vespertina flor floresce
com suas raízes já na noite
pressentindo o seu destino

noite branca e cara pálida
palacete dos sonhos caídos
nem a flor vermelha da alvorada
me compadece com algum sentido

tudo tido tudo feito
chega logo a meia noite
e tudo refaz
e tudo finda

infinita noite
nunca morre a meia noite
nunca brota a madrugada
nunca troca coisa por outra
infelizmente

melindroso



infância, adeus.
alegria, adeus.
adeus, inocência.
vivacidade, adeus.

perdão, menino meu,
é que nada me acontece.

minha alma não amanheceu.
resplandece blassé,
mereceu até
névoa argentina.

quarta-feira, 15 de novembro de 2006

vagações


hoje, cercado de erros
procurei atividade:
fui enterrar o tédio
nas pradarias.

vaguei as serras
e montanhas frias.
bebi dos vales
toda calmaria.

e nesses rios tortuosos
naveguei calamidades.
na noite escureci
meu medo da verdade.

nas cavernas descobri
galerias sombrias
dos desejos mortos.
mutilados e esquecidos.

as pontes ligavam
mais que as terras:
costuravam dores.
infecciosas e rotas.

e a calmaria sumiu?
a calmaria dormiu.
vegeta enquanto,
sozinho,
violo cemitérios.

nos parques esperam
lembranças a serem
despertadas dos bancos.
solfejam de agonia,
semi-mortas.

as cidades escutaram
indiferentes,
esses meus passos.
os vilarejos derretiam
na beira da estrada.

a estrela inconsciente
ressonava em pingente,
como corda no pescoço lunar.

amanhecia já o novo dia
e a aurora sem trova
desfez a razão
da viagem e do peregrino.

roubaram as pradarias.
não existe paragem.
só ilusão.
um oásis mágico,
além de toda suspeita,
e de todo jazigo.

...acabei por enterrar
meus sonhos, e meus restos,
no fundo do quintal.

sábado, 11 de novembro de 2006

cronologias


o tempo transgride a esquina.
não vê o sinal vermelho
ou qualquer outro.

o tempo atravessa a rua
e a casa e a alma
e a entranha.

o tempo muda
a cara muda
a boca muda.

tudo muda o tempo
que atravessa tudo mudo,
silencioso e inconseqüente.

o tempo rompe a calma
o tempo espalha lágrima
o tempo voa além das nuvens

o tempo não pára como os relógios
o tempo não morre...
não eu não tu nem eles. só, o tempo.

eu sumo. tu somes. nos fomos.
- sombras de areia
da ampulheta cósmica.

poeira sobre o tablado
poeira da tapeçaria
nas sepulturas
(tapeçaria: onde jaz seu tecelão?)

o tempo cala até os livros.
e cela os restos
sob a terra fria.

o tempo mata
até as lembranças.
e eu com isso?

sumiço.

tudo quisto engole o tempo.
o tempo engole tudo tido:
a cara, o espelho, a vitória, o vestido,
a espada e a estátua, os palacetes...

todo pretérito é perfeito
e todo futuro inexato
estraçalha o peito.

...chronos ainda é,
e muito,
senhor o mundo
e dos vermes.

segunda-feira, 6 de novembro de 2006

mentirinhas

não faço
nem desfaço:
disfarso
tudo à quilo
que é falso
em versos.

nisso tudo,
aquilo fica
fácil e dócil.

e tão sereno
que parece
quase dá
pra ir levando
(o velado futuro)
com as mãos...

pois se nada houvesse,
bastava a poesia
pra que tudo fosse
uma verdade alegre
na poeira dessa vida
vazia.

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*bem que vovó já me dizia
que mentira tem perna
curta.

sábado, 4 de novembro de 2006

ilimites




minha poesia só é limitada
pelo limite dos meus sonhos.
sonho alto, portanto,
pra fazer grande o que sinto.

e o que sinto se cala.
e o que se cala consente.
consente a falar um nada
na folha ausente.

minha poesia é a minha ausência.
minha poesia é o que não tenho
e o único refúgio que se esconde
na palma da minha mão.

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*eu fasso poesia
a poesia me faz
...
e tudo faz sentido.

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as mil palavras por trás do gesto

até parece
que é vivendo
que a gente percebe:
as palavras falam,
cada vez mais,
menos.

*imagem de http://ttv.paksut.net/photo/12.2.05_setti/images/hand.jpg

rosa de hiroshima


Pense nas crianças mudas telepáticas
Pense nas meninas cegas inexatas
Pense nas mulheres, rotas alteradas
Pense nas feridas como rosas cálida
Mas Só não se esqueça da rosa, da rosa
Da rosa de Hiroshima, a rosa hereditária
A rosa radiotiva, estúpida inválida
A rosa com cirrose a anti-rosa atômica
Sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada

(Vinícius de Morais)

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e a rosa
era cinza
e subia leve...

até cair em chuva
radioativa.
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o que se pode dizer
diante da perplexidade
da fissão atômica?

morreu.

mas foi só hiroshima?
eu temo...
e acho que não...

sexta-feira, 3 de novembro de 2006

razões



o que sinto
não cabe nesse corpo
ou naquele copo.

por isso, e pó,
escrevo.

só por pó que sou.
só por só que sei.
pois só no pó me dou
comigo mesmo.
e sem dó.

por isso o pranto.
e por isso o canto.
e por isso tanto.

e adeus.
(e pra isso, o ponto).

quinta-feira, 2 de novembro de 2006

pega ladrão!


ruiu:
ruptura.
raptora:
captura.
rápido!
rapto
apto:
apta
palavra
ríspida
apita,
capta,
e opta
o poeta
(sem pedir
ou perder
a permissão).

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*o que é o poeta
se não um ladrão
de letras-pérolas?
poeta é des-ilusão
de fazer a festa
na escuridão
(eterna).

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

conta gotas

pois digo o que sou:
o grilhão dos meus sonhos.
todos, parece, jazem mortos
abaixo dos meus pés.

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ia dizer alguma coisa...
mas o átomo átono
rompeu minha voz.
comi
o cogumelo radioativo.

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é pau é pedra é o fim do caminho
da pedra
da perda
da porta
do mundo
de moinhos
e gigantes
...e tontos mais
outros devaneios...

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parece até certeza,
mas me privo das certezas.
certezas são mentiras
que ainda não se descobriram
como falsas metades
de uma garrafa vazia.

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posto que és muito bela
árdua foi, pois, esta tarefa:
achaste como mais bela
entre as estrelas seladas
dos teus olhos singelos,
e tão profundos,
nos quais me encerro.

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PS: te vez que saem gotas, não pérolas nem lixo.
gotas pequeninas
e nada mais e nada menos...