quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

nota de falecimento

vô deitou-se pra abraçar a eternidade
vovó, cambaleou. seu corpo fraco
quase não era corpo, era alma pura.

ela de corpo mirrado, de feições já corroídas
pelas longas esperas dessa vida...
espera um reencontro - mais um.

vovó não é feita de carne.
se fosse, tinha desmanchado hoje.
aquilo é pedra bruta.

mas que não se esqueça:
pedra também chora
e quando chora, sempre brota um rio.

------
vô, desculpa a distância, e a falta de uma despedida.
mas o que fazer se o senhor parte de surpresa, de um dia pro outro, sem dar explicação nenhuma? talvez não seja das perdas a mais cruel, cê foi um grande cara, grande exemplo. família grande criada na base do cimento e tijolo, por longo tempo.
lembra que vó te ensinou a escrever dereitinho? você já foi tão jovem... como eu.
dominó todo dia, lembra? lembra e guarda: cê era o melhor (pau a pau com vovó).
lembra daí que daqui eu também me lembrarei sempre do sorriso de dentadura, o chinelo velho, a faca de picar tabaco, o carinho, a ternura...
chorar, dizem, é até bom. mas acho que devia mesmo era bater palmas, cara com a maior raça que eu já conheci.
abraço. fica em paz. sentiremos saudade.
até qualquer dia.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

da penumbra


a madrugada rufa em tambores
silenciosamente alçados nas montanhas.
algo há de irromper no horizonte.
algo que não aquece, não conduz
como a luz que se havia de antanho.

as estrelas estremecem e a terra desaba.
quê corre no céu com tamanho fulgor e volúpia?
há um toque de desejo desavisado
que fere o sangue e torpe se insinua.
a lua branca há de romper aurora?

não é a lua. mas como brilha essa tua hora?
será que se lançou na meia-noite?
perdeu o príncipe, o sapato, a cabeça?
perdeu o senso e o sono no tempo
onde jazem as flores do campo?

a noite é inteira taverna e manjedoura.
cativando penumbras ardentes de sonho
e impudentes de injúrias, na alcova.

um cisco risca o teto medonho e escuro.
pontua uma claridade distante e some...
a passo largo, leva embora o acaso e a esperança.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

mutuo

sonho, não me chame agora!
é, pois, a hora morta de viver
tocar a chama do mundo
morder a carne da verdade crua.

tempo, não me prende agora!
e alonga também um pouco essa tarde
que se despede calidamente
no azul enegrecido do horizonte.

amor, sentindo toda tua pele nua
arrepiada de segredos sujos
toco seu desejo com zelo impensado
e calo o pudor que em tua alma ardia.

hoje sou aquilo enquanto chuva, fogo, pedra,
tempestade que se perde e alastra
devastando as juras mais imprudentes
e até mesmo, aquelas outras, as mais puras.

solubilidades

n uma clar
idade
indis
tinta nessa tarde ma
cia,
luza mare
lada d
o tempo con
some
até o po
nto
a
final

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

do que se transforma

ficou tudo um pouco no ar
as pernas, os suspiros, o sexo.
tudo solto e desenfreado,
tão natural como o caos.

nunca se guarda uma certeza
por menor que seja
que uma leve brisa de aprazo
não despele e cauterize,
como ferida e cura.

o mundo, pode ser que
com um pequeno pensamento
catalise.

e se (te) transforme
invariavelmente,
numa alucinação
luminosa.

sábado, 20 de outubro de 2007

acolhida

não se avexe, moço,
desse meu verbo vagabundo
que eu espalho na noite, moribundo.
ele é cão amansado pelo tempo:
já não morde, já não ladra.
- letra, há penas.

entra, doutor, que a casa é rua.
toma todas as minhas filhas, essas putas
palavras perdidas das linhas certas
que se vendem pelo preço menor,
e abençoam pequenos pecadores.

toma, sinhá, meu sangue nessa travessa.
não repara não, que ele tá manchando
tua prata, tão cara.
mas sai logo, não fica.
carece só um muncado d'água.

repara não, esse fiapo que restou,
essa minha figura pouca e sequíssima
como a peste que alastra.

esses meus pés baços de vento
se movem só na poesia.
logo passam, não param nunca
nos olhos de pessoa nenhuma.

viu que eu já me fui?
sou passado dos seus olhos.
uma lágrima? um escárnio?
um sorriso, talves?

sou nenhum, nem outro:
sou uma breve miragem.
nunca lugar - nem mesmo um.
sou todo passagem.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

entregas - desintegras

é sempre como amanhecesse
todo um sol, rebentando núvens,
quando enlaçamos nossos sorrisos.

quando estou em sua companhia.
sempre levanta uma brisa no peito
fazendo dessa vida inteira alegria.

saberiam lá os pássaros mais jovens
o quão grande era nossa liberdade?
quão alto voavam nossos sonhos?

mas é que sempre vem a noite
sorrateira, confundir os passos.
desatando, num instante, dois caminhos.

seus cabelos, despedindo-se ao vento,
dançavam à beira-mar. cada pegada
cravada na areia setencia a distância.
não sabia eu, que cedo ou tarde,
tudo que se faz nesse mundo, finda:
nosso laço, teu abraço, minha fantasia.

não sabia eu que era tudo erro,
mal percebia o engano custoso
que construíra com o tempo:

me abandonei em teus braços.
teus braços me abandoram
no esquecimento.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

a transubstância

essa lágrima clara
é a matéria dos sonhos desfeitos

é essa parede branca
a resvalar todo esquecimento

é essa lua branda
a expurgar todos os defeitos

é essa palavra fria
a lacerar todo sentimento

é essa pessoa fina
a vagar curso incerto

essa lágrima amarga - e clara
como pesadelo mais vivo

que suavemente apaga o sorriso
e docemente dança no meu rosto

retrata tudo que é imperfeito
essa gota de esclarecimento

e é o bem mais sólido que tenho
nesse paço imenso, nessa vida e devaneio

essa lágrima clara, em suma,
sou eu revelado e inteiro

dobrado sob um peso imenso
de um sonho, uma gota, um espelho

-----
a lágrima
é enfim isso que ensina
o fim e a sina

domingo, 9 de setembro de 2007

cala calamidades

perdão pela dura palavra
que você não disse.
desculpa essa pressa,
que torna tudo tão curto.

me absolve esse devaneio
louco que nunca quis te revelar
e esses traços na parede
que não te deixei riscar.

não me julga pela pedra
que eu joguei pro ar
e caiu nas suas costas
pra tu sozinho carregar.

lamento tantas horas que engoli
no tédio insuportável de te esperar
- afinal, como esperar por ti
que sempre carreguei no meu olhar?

lembro dessa falta de sentido
que nunca permiti
e essa tanta desmesura
que sempre infligi.

olha esse poder grande
que eu sempre tive:
de calar o universo
daquilo que eu nunca proferi.

perdoa, minh'alma,
essa minha tão tola criatura
que no defeito te reflete
impura

nesse mundo avesso
do outro lado do espelho
em que o silêncio te espanta
e me mata.

------
*foi, sei, tola a tentativa
tentar te calar pra suprimir a dor.
tudo fica pior quando não te digo
sussurrando no ouvido
tudo isso quanto for
misto de calor e frio
a vagar no meu mundo
no meu corpo à fora.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

dos deveres

deve ser a hora essa
em que o choro pesa,
quando a alma pede clemência
e se perde do peito pio.

deve ser assim que se sente
quando se afoga e agoniza,
erra em tudo aquilo que se tente,
e tudo mais e pouco se esvazia.

deve ser assim no meio de tudo,
quando se perde a calma,
que o medo toma conta
e a esperança vai embora.

deve ser assim que sempre é
deve ser assim porque é preciso
deve ser assim o sentimento do mundo
conciso e confuso no vidro.

deve ser assim que na verdade
sempre me sinto, na vontade
de achar resposta alguma
pra tudo quanto dessentido.

deve ser assim... tormento.
deve ser assim, tortura
a espera da espera pura
que se espanta a todo momento.

para que tudo se consuma
e para que tudo mude
deve ser assim
e assim deve ser

eu sempre
um passo a mais
longe de mim.
__
imagem: http://centelhasdeinfinito.blogs.sapo.pt/arquivo/pegadas%20na%20areia%202.jpg

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

íris decaída


meu olhar me despe:
pecador arrependido.
meu olhar se perde:
pensador perdido.

meu olhar permuta
toda dor em fantasia.
meu olhar pergunta:
ainda há alguma ferida?

meu olhar impera
sobre os corpos na rua.
meu olhar persegue
meus anseios terríveis.

e a alma cega grita
palavras invisíveis
que fogem inteiras
ao meu olhar – risível.

e o meu olhar, então,
escondido, irrevelado,
na medida dessa hora
imensa, se despede.
----

*aos meus olhos covardes,
e prepotentes...
sonhadoramente fechados.

foto:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/especial/images/1431_storm/5142525_storm12.jpg

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

cem poesias

sem senso
nem sono

sem medo
nem meios

sem fogo
nem mágua

sem sangue
nem pena

sem alma
nem pó

sem ponto
nem nó

sem som
nem dó

-----
*
os poetas
sempre
sem poemas

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

das verdades (ou da nudez)


minhas verdades andam pelas ruas
um tanto quanto arrependidas
vaidosas e vadias.
perdidas.

minhas verdades morrem de silêncio
um tanto quanto esquecidas
vaporosas e arredias.
inafiançáveis.

minhas verdades caem de vazias
um tanto quanto erradas
sonhadas e iludidas.
irrealizadas.

minhas verdades tortas...
minhas mentiras.
eu inteiro torto e perdido,
encontrado do avesso
nessas verdades nuas.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

dor

nem dor se sente.

tem um quê ausente
que em tudo andava antes.

que era aquilo?
que espera...

amargo e longo momento.

minhas palavras de brilhantes,
quando em pouco as perdi?

----
...a poesia não é remédio, como eu achava que era antes...

terça-feira, 17 de julho de 2007

pedraria


amor, viu a última grande muralha
que se ergueu em plena madrugada?
foi construída com laço de sangue
em segredo pela aurora fria.

o sol que brota, não mais da montanha,
mas da muralha sombria,
tudo separa e tudo aponta
revelando podre a verdade fina.

suas pedras, seus lamentos,
sua concreta harmonia dissonante e seca,
tudo em volta e dentro da parede
que bota sede na alma sadia.

saciaria alma, se pudesse,
mas alma de pedra não fala
por trás da parede
-esquife eterno de solidão.

amor, viu a última grande muralha?
não se preocupe, não procure, amor.
a muralha não está no horizonte.

-----
palavra de pedra
palavra perdida
no meio do caminho

andar com teu peso, que tua arma e arremesso
presos no peito, dilacera todo e qualquer sonho.

sai de mim, já não te quero, excedente
peso frio dos meus mortos amigos e amores.

quero de novo meu corpo-pedra
que se não amava, não cantava,
mas também não chorava, não gemia
no sorriso algoz dessa vida.
----

sexta-feira, 29 de junho de 2007

senti-sinestésico-icídio

é estranho que hoje não me cale. estranho que toda imagem deistorcida vibre perante os meus olhos ardentes: tudo grita mais... até mesmo as pedras, até mesma a brisa.

vejo em tudo sinfonia calada, que se apregoa pelo espaço a fora. e dentro de mim o barulho que quer irromper o tédio, a palavra desvairada que precisa criar, o vício insaciável de escrever nas paredes brancas dessa vida pra ver se encontro na cor da letra o des-sentido da vida.

escrevo para vazar, pra me derramar inteiro nos teus olhos.
até que finalmente me olhe e eu vire idéia ou lembrança.

escrevo porque meu retrato é ransoso e não se satisfaz com o meu sorriso. ele não me tem. é retrato de céu, de árvore, de grama, de criança, de velho, de tarde, de hora, de praça, de mar, de estrela, janela, areia, água de rio e chuva...

e viver, parece que eu percebo, é uma doce vertigem. o des-sentido só, sem motivo, sem razão, sem compromisso: marivilhoso des-sentido, essa não-prisão, essa desnecessidade, esse não-tempo, essa eternidade...


voz sumida a minha.
sumida do mundo: fala ela... ninguém escuta.
diz com a mão, o toque, o calor em mim.
e é prazer e dor tão grande, que parece que vou romper, me rasgar, trucidar-me, acabar, explodir, sumir...
mas nunca, nunca, nunca, nunca morrer.
porque é explosão que ecoa e nunca morre, se debate para sempre nas paredes do quarto fechado.

suspensão

minha voz não está gravada
meu rosto não aparece em fotos
meu cheiro sumiu no instante
minha pele apodreceu negra
a alma perece aos poucos

e canta enquanto se desfaz
em doses homeopáticas
milimétricas e sem rima

não existe som no vazio
não existe luz dentro da carne
no cerne do universo
tudo cintila somente
lamuriosamente
como prestes a acabar.

não existe pergunta que não se cale
perante o segundo que se encerra
atrás das véias saltadas dos prédios
das pontes, dos telhados, das contruções.

a orquestra suspensa dos sonhos
sempre fingindo que tudo sabem
espertos que são.

mas no salto tudo voa, desprende,
esvaece

não resta ao menos o ponto
até que o poema toque o chão
.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

onírico

sim! sonhar e mais e sempre
caminhar com pés de núvem.
respirar a brisa púrpura
e sangrar o sorriso branco.

sonhar pra escapar da dor
sonhar pra catar a flor da vida
sonhar para surgir a dúvida
sonhar pra semear poesia.

cantar pra dizer o sonho
com o espírito rouco,
e na virada da quina da hora
pra distrair o tempo pouco.

sim, sonhar!
blasfemar a verdade cinza
navegar esperanças
quebrar barreiras de vento.

sonhar e acordar
para não se perder,
para frasear,
fazer o ponto,

e montar a reticência
que se estende aguda
e segue aflita na espera
de suspender o pé do homem.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

totalidades

o todo é uma parte.
o tudo é parte alguma.
todo o tudo é cada parte,
que leva do nada à solução
nenhuma.

se, contudo, tudo é cada coisa,
tal é como se tudo fosse uma:
uma coisa meia certa,
meia parte, meio oculta.

tudo é um pouco nada,
- e nada adianta isso tudo:
tem ainda todo um resto
de parte, numa outra metade.

nunca tudo é tão distante
de tudo, em instante.
sempre e longe, de tão perto,
tudo oco e o todo nada.

terça-feira, 12 de junho de 2007

semi-obituário


perdão, caros senhores invisíveis,
pelo meu sensível e insensato silêncio.

volto aqui com a certeza
que não tenho mais,
de que o sol quebrará por certo
a treva errônea dos meus medos.

é que cá tenho o lirismo meio esfrangalhado,
doente terminal de mim mesmo.
doente de alergia, de abandono,
de tédio e de clausura.

e por fim, constado é, senhores,
o mal que consome:
eis que tudo me agoniza
pela falência múltipla
dos sonhos (findouros).

----
ele agonizava e não entendia, porque não queria entender. até que um belo e terrível dia, teve coragem: olhou no espelho. viu a si mesmo, tal como era, tal como fora, tal como, na verdade, sempre seria. indignou-se, botou o pé no teto do rancor, afogou-se. depois chorou. depois cansou. reergueu-se, mais fino e mais pálido do nunca. tacou muito dignamente a pedra no espelho: partiram-se ambos, tal como ele esperava, o espelho e a alma. virou de costas, retirou-se de si mesmo. foi modelar-se, ele sabe onde, num futuro não sei quando, com a mão trêmula de incertezas, caminhando com os pés firmes e podres, enraizados no chão.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

brevidades

eis aqui meu corpo fraco
e a minha vontade de vidro.
nunca sei se fico inteiro
nesse fio de voz fina,
que se espelha no espaço.

eis o meu sussurro itinerante
que sempre se perde no instante
e no tempo transita mágoas,
poemas e alegrias pálidos.

jaz aqui meu sopro ausente
que some tarde da noite,
no meio do dia,
entre o desespero
e o esquecimento.

está aqui o que eu era,
o que sempre erra na vida
e no sonho prospera
- esse sonho que finda.

eis-me em chamas consumido.
da memória do mundo, perdido.
inevitavelmente, eis que daqui me parto
ainda que, deveras, nunca tenha chegado.

terça-feira, 22 de maio de 2007

irracional e irresoluto

é a constatação mais insana e mais exata: estou morrendo, deveras, no mais profundo exame desse errado momento. dói-me o peito, de cheio, e a mente, de vazia. o peito cheio de mágoa e angústia que carrega contra essa vida minha, miserável que é; e a cabeça vazia, não mais meditante ou significante, tão pura e sordidamente rota, esfacelada e corrompida em desencontro.
tenho asco. tenho sede. tenho saudade. tenho medo.
não tenho força (e, sim, como me dói constatá-lo, sou fraco e patético).
não me tenho, não mais, pelo menos.
a chama que antes me aquecia cálida, está bruxuleante, como em vendaval mortífero: a chama balança louca desvairada e insana, quer sumir.
a razão, que já perdi há tempos, dela me esqueci...
...

não tem mais nada que vale a pena dizer, por enquanto dure essa merda de nó na garganta da alma podre.
no mais tenho vontades, nada mais.


*desesperadamente deprimido e inquieto.

sábado, 21 de abril de 2007

uma canção por fazer

na brevidade da brisa soou um sonho
que na aurora dourada fez moradia;
das carícias dum Sol profundo se fez,
e nas noites de prata ele ardia.

um sonho de cantar toda e cada nota
em cada espaço de espanto que ouvesse
no tempo da vida suave.

soaria o sonho em cada e toda esquina
de vento que leve mais longe o encanto
até pro menino da calçada ao relento
até nos berços eternos, as covas,
ou os berçários e os varais e os jardins.

e nas tardes carmins, sem demora,
põe-se o sonho a tocar os lábios
na sabida e ávida face da distância,
que se deita macia, e me faz te encontrar.

e o sonho de cantar alto, de lembrar cada letra
da qual me esqueci, sem nunca ter escutado antes
tal quão doce melodia.

vontade de criar músicas do nada,
da poeira fugidía dos dias,
pra embalar em calmaria
toda essa profuzão de sentimentos
e sentidos confusos.

uma música que bastava ser um assobio,
um sopro, fagulha de alma e sonho,
-a saber, uma letra incontida e criança,
recém desperta no peito do homem só.

uma canção a se fazer no meio do seio da vida
com calma vadia de se escorregar e correr
nos parques e nas curvas do destino.

um tom brando e macio, marcado ao passos
que ressoam nas paredes brancas,
o coração que salta em pulsos cândidos,
enlouquecido pra cantar.

---
o sol bate na janela, e alaranja e enche o quarto inteiro, inclusive o olhar e o sorriso. tô com vontade de cantar... mas sem letra, com calma, sem pressa, suave... quero cantar, mesmo que desafinado, uma vida inteira de sonhos e brisas.
escuto música nos seus movimentos macios, e nos seus cabelos, no seu perfume...
amor já é alegria e canto que me basta....

domingo, 15 de abril de 2007

pro doce olhar duma menina

nesse mal-querendo viver
arrebentei meu peito à sua porta
só pra ver se você se importa...

nessa coisa besta de contar o tempo
me perdi nas horas dos seus lábios
e nada além disso me devora mais...

corro entre o vento e o seu vestido
brincado de carícia com seu veneno
que me mata na felicidade, alento.

nessa plenitude dessa tarde
já aparece tempestade
mas me embriago das ondas
do seu doce mar-amar...

ê, vida cansada no peito de tanto pulsar.
corro entre os morros do nosso leito.
nunca canso de te esperar.

e se é alta a lua ou a hora
que não seja a última a chegar
pra nós dois a alegria desse olhar.

o seu doce toque, meu suor de amor.
juntos nessa tarde, crianças ao tempo
da inocência nua dum brincar.

e já não é sem tempo,
que me arrebata o canto:
para sempre nessa tarde,
sempre e terno, amar você.

------
"que não seja imortal, posto que é chama
mas que seja infinito enquanto dure..."
Vinícius de Moraes

quarta-feira, 11 de abril de 2007

vespertinar

núvem matutina clareia o dia
respira brancura espelhada
na água do céu,
rio azul de ponta-cabeça.

de noite, à cima, precipício,
princípio e fim
no vazio estrelado.

os anjos quedam
sem o chão de céu.

sem asas, nem nada...

terça-feira, 10 de abril de 2007

asas (de outrem)

imoladas!
veladas,
inaladas...
aladas?
caladas.

terça-feira, 3 de abril de 2007

despedida incontida

os versos que outrora tecia
são puros e agora lhe entrego
o poema de sangue rubro
e branco de paz eternecida.

na clareza santa da espera,
essa pútrida mansão dos sonhos,
me despedaço em tom macio
com o toque leve que teu olhar me dera.

não vejo mais, embriagado
em desatino, a distância
tão próxima desse meu horizonte,
que plácido deita-se - a oeste.

é com teu olho d'água
que na noite enxergo,
prevendo as madrugadas
a galgarem os montes.

é com teu olho fechado
que em sono profetizo
o som que há de romper
a aurora:
alma vazia a acorrer socorro.

mas seu esplendor divino
gozava calmaria leve.
calava-se o espírito
(por hora breve)

tão definitiva calmaria
inigualavelmente ardia
invejavelmente sonhava
em tal eternidade dormia

na vaguidão do destino
nunca outra aurora haveria
nunca mais a espera
nunca e sempre, tardia.

os versos que outrora tecia
agora - tão tarde - lhe entrego
na carta de sangue e espera
na noite que não me sorria.

--
pro Bruno

segunda-feira, 2 de abril de 2007

infanticida

ainda lembro,
faz um tempo,
que o sonho me sorriu.

seus olhos infatis
lembravam-me...
ainda lembro
de mim?

na tortura do tempo
torto:
nu, como sempre fora,
eu nesse momento.

nu e pequenino
menino sonhador
e demente.

desde quando
sei de tudo?

desde de sempre
e por isso sempre desconfiava
desse fio de navalha
(sanguinária)
que é a verdade.

beijo, boa noite, adeus.
derreto-me a toda hora
buscando no sonho
a paz que a vida não deu.

domingo, 18 de março de 2007

cinzas de guerra (ou metrópole)

os arranha-céus eram vias
dum labirinto obscuro,
onde cada luz é um erro
e nunca se volta um passo.

de repente, se moviam
os corpos, incertos.
havia um desespero
no despropósito.

que se escondia
por trás dos olhos
cinzentos e vermelhos?
acaso sonhariam
outras paragens?

suspensos no universo
olhos e pés (pulsavam,
apenas) perdidos no espaço.

sábado, 17 de março de 2007

como se fosse de verdade


toda vez que encosto na pena sinto um calafrio, como pressentindo uma desgraça, ou coisa assim.

é como se já soubesse que cada palavra (e cada espaço em branco) já não têm sentido algum... não me levará a nada, não transmutará em esperança essa perda toda que tenho ainda por sentir nos ossos e nos lábios.

há um quê de podridão no sentimento, como que sempre e mais desgastado.

...

acho que não me encontro por pura idiotice... ou bom senso.
nunca se sabe o que o espelho realmente diz às nossas almas, sussurrando nos olhos verdades escondidas.
provável é que eu sempre suspirarei a pergunta, nas horas fugidias da escuridão, embaçando ainda mais as vidraças da janela:

quem sou eu, além do desespero dessa face?
e eis que sucumbirei novamente, a me derramar pelo chão, como poeira incômoda que o tempo não leva embora, até perder de vez a vista da paisagem, que placidamente observa, indiferente na verdade, minha tão frustrada egogonia...
que fizeram os homens para sentirem tremendo pesar?
conquanto fosse água, essa vazia coisa que passa e muda como bem entende, tudo seria diferente.



*foto http://membres.lycos.fr/cinephilia/hamlet/hamlet2.html

terça-feira, 13 de março de 2007

vagações

nas cidades, madrugadas.
e almas engarrafadas
em blocos de vidro e aço.

balançavam entorpecidas
num caminho tortuoso.
desdobrava-se o tempo
num sempre sem fim
- sulfuroso.

amontoadas, amorfas,
esquecidas de si mesmas...
onde parar os pés
ou a vida?

domingo, 11 de março de 2007

confissão.


em fim me deparo com a verdade que mais me dói. essa verdade de nunca ter dito nada meu. tudo que foi e fui, roubei. não havia palavra alguma que meu espírito soberbo e calejado proferisse por si só. não havia sonho, nem poesia. não havia amor. não havia nós. nada havia senão a dor. essa sempre tava lá. e ali, em toda e qualquer parte. por isso não é minha tampouco.

a noite, falo dela, mas é ela que diz. o pássaro não carece redizerem-lhe as palavras. nunca ouvi mesmo o vento - e a sua voz me faz falta. e as linhas e os pontos e os sinais inúmeros e incabíveis e as reticências congênitas e pútridas e aquele beijo, nada nada nada nada nada e tudo. nada era eu, a bem da verdade.

e eu que achava que sempre e mais me encontrava, mais me perdia, nessa coisa besta de perfilar bobagens em versos.

até acho que versei eu mesmo uma vez ou duas talvez. mas foi minha sombra inimiga que tocara o papel. jurei o desdito e chorei (de mentira?) a promessa que não cumpri.

e quando eu me for, o papel fica. fica, mas nem o papel é meu. e há de apodrecer na clandestinidade das idéias, nos subúrbios da razão e da verdade, e em metadezinhas míseras e impróprias essa parte já tão descabida de mim...

há de expirar desse mundo essa parte de minha mente tão logo eu também daqui suma.em síntese, ninguém nunca dá valor.
nem mesmo eu.

----

*não me vejo meus traços nas faces de meus filhos...
na verdade, não vejo traço de coisa alguma.

foto: http://oneyearbible.blogs.com/photos/uncategorized/broken_mirror.jpg

sábado, 10 de março de 2007

de última hora



faz tempos que o silêncio emudeceu.
não sussurra mais meios termos
às meias noites...

nunca mais,
na imensidão dessa hora,
me soprou o vento
lástimas novas.

não cantou do poente
o sol vanglorioso em vermelho
que agonizava calmamente.

o luar serrilhou a montanha
bem ao meio, crescente.
e minguou em seguida.
sumiu - displicente.

secou nos meus olhos
o último grão de areia
da última onda da praia.

a mão tocou a falta
que se fazia indigente
aos pés da cama.

pressenti no espasmo...
...sumiste.
- ou era um sonho?
brandura nos meus braços?

foste esquiva, noite a dentro.
nada disse ao meu destino.

desiludido na escuridão
dessa certeza absoluta,
estou coberto em luto negro.
- mas ainda em vigilha te espero.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

sorrateiro


meu medo da esquina
alarma o meu silêncio

o que haveria lá
no fim?

a próxima rua?
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dúvida-prisma

o que haverá
atrás do verso
dessa folha?



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*me sinto estranho por esses dias...
como um menino bobo sem saber o que move as núvens, como floresce o dia ou brota a noite na janela, depois do fascínio enevoado da alvorada...
as árvores não param de sussurrar uma melodia desconhecida.
a água que flui pelos meus dedos, some antes de me dizer um motivo de qualquer coisa.
o verde da mata, que mancha meus olhos, não me trás também resposta alguma.
o vento sibila alguma profecia em menor tom... não entendo direito o que ele diz.
e a estrada, imponente, perante os meus pés tão pequeninos, me ameaça com um olhar morto.
(será que ela leva a algum lugar?)
o que andará atrás daquele monte? como posso tocar o horizonte distante, se ele sempre me escapa?
como posso eu , por Deus, querer poder alguma coisa???!!
afinal, não sei ao menos se ainda existo.

tenho muitas dúvidas nos olhos, e muitas lágrimas loucas, prestes a nunca serem derramadas.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

a confidência esquecida

na conversa longa
com o tempo
o silêncio só
me responde
sim

domingo, 18 de fevereiro de 2007

póstumo


peço de volta aos céus
minha alma que levou o vento
no ventre da terra jaz meu corpo
podre ao sabor do tempo.

minhas memórias corroídas
as finas retinas desalinhadas
a ausência do nunca
me toma os lábios

o peito encardido
surrado, vadio...
nada a guardar.
coração despedaçado
nem carece de abrigo.

as mãos tocam ligeiras
as nuvens de algodão
além das trevas.

nem tudo está perdido,
nada além da sanidade
ou do sentido
esvaeceu.

só não há de sumir o tédio
nem a dor, nem a saudade,
nem a vontade louca
de pular do prédio.

construção de concreto chamada vida
insensatos que são seus andares
e corredores e moradores
e suas tardes modorrentas.

há sempre um salto
por trás de cada janela.
um salto e uma queda
(eterna).

o salto que abraçarei
terno e para sempre
de asas abertas.

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*imagem:
http://fotogui.blogs.sapo.pt/arquivo/Janela-A.jpg

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

pós tu amor

depois dessa loucura
de dizer te amo todo dia,
depois dessa brisa boa,
dessa alegria,

depois dos anos juntos,
um ao lado do outro,
depois da rosa em broto
que eu sempre lhe trazia,

depois dessa coragem
de ser sem-vergonha,
e de falar bobagem
e contar estrela,

depois de andar na grama
com os pés descalços,
depois de amar
na imensidão da cama,

depois de jurar
fazer feliz,
depois unir as almas
em pura ilusão...

depois de todo sonho
de toda essa brandura
a dura parede
do desencanto.

rompe a noite
a lua fria
e todo amor
vira lamento.

o canto que se cantava,
o amor que se amava,
a alma que se tocava,
tudo isso morreria.

depois de tudo,
peito em luto.
o que era mel
vira fel nas veias.

a alma agoniza,
o coração rasga
de papel,
como fora todo o resto:

o amor, o aroma,
o coração que ama,
a cama, a alma...
as cartas e os poemas.

depois de tudo,
do além de tudo,
sequidão.
sede sem fim.

o amor jaz entre a relva
sem sempre, nem diamante,
nem palavra de juramento.
o amor se vai sempre.

e sempre é o fim.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

pegadas

pra que voltar da jornada
de felicidade?
por que voltar
de qualquer parte?
pra que desfazer o sorriso?

na verdade,
talvez não seja
a tal felicidade
o que eu preciso...

o horizonte, parece,
sempre enseja
no peito indeciso
um pouco mais de agonia.

quão vasta a jornada...
quanta treva nos caminhos...
pés palmilham estradas
nunca encontram ninho.

o horizonte que procuro
meus pés nunca hão de tocá-lo.
ele há de morrer no sonho
e na vontade...
no escuro.

cada palmo desse mundo
me leva a um muro
- beco sem saída.

caminhar, pra que isso?
os passos, parecem,
nunca dão em nada!

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*busca não tem fim
(diferente da alegria).
quem tem fim
é o viajante
que acaba em ossada
jogada no esquecimento,
sem pés,
nem letargia,
nem poesia.
só o pó da longa estrada
- nela ele se eleva
de senhor a hóspede
de eterna morada.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

nem tudo num tampouco

nem todo suor é da labuta.
nem toda tristeza é de agonia.
nem toda morte vem da luta.
nem todo amor é fantasia.

viver toda tristeza
não é morrer de fato:
vivendo-se, morre - certeza.
(seja no espera ou no ato).

viver é já mortalha
que visto sem lamento
numa louca batalha
contra o vento.

pois há de vir no vento
o tempo da tempestade
a embalar toda a cidade
em dissonante intento.

a morte há de levar
até as crianças nos braços
mas não tremo em constatar
na vida semelhante traço.

se na calma pressinto a peste
"verdade" sei que essa se chama.
velas ao leste!
quero tocar do sol a chama.

tocar, sentir queimar
antes que tudo se perca
em meio a vento e a poeira.
em meio a papel e a solidão.

pois não há cerca
pro meu descompasso,
nem mínima razão
pr'essa loucura.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

classificados

vida vadia
procura urgente
vício cio
e solução

terça-feira, 16 de janeiro de 2007

orquestra sincrônica

houve um tempo
em que o tempo me ouvia.

hoje, nada escuta.
grita
nos meus ossos.

e eles,
mudos,
obedecem.

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a vida é uma orquestra
sincronicamente armada
até os dentes
de agulhas.
essas agulhas se chamam
segundos.

furtividade

a testa pulsando na mão
a testa pulsando na palma
a testa pulsando na alma
a alma pulsando sem calma
a terra ruminando a lama
a lama suja da mão

nem a cama eterna
aponta a solução

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OBS:
quisera eu ser criador autêntico de tamanho paradigma...
na verdade o primeiro verso, creio, roubei de Cecília (Meireles)
espero que me perdoe teu espírito sublimado
maculada que foi sua arte.

ser poeta

e daí que tudo me dói em dobro
e todo gozo dobra
perante o peso da alvorada.

daí que todo sol lacera mais a pele
e todo o sal
resseca a alma.

daí que não se tem mais nada
que não seja o papel
de seguir poeira afora
nas veias dos versos.

daí que a noite frígida
agita a calma
e posto em branco o ponto
tudo pode o negro
logro pouco da pena cansada.

e daí que resfestela
o meu ventre
ao ver a morte de frente
e a vida de costas.

daí que tudo mais
que não seja mais que dor
não me basta
não me consome como quero.

daí que sempre é nunca
nuca fria de perder o riso
e cada vez mais
se olhar no espelho
arranca do olho um cisco.

e eis ainda, que, daí
tudo posso
pois tudo fasso
com uma única falha
- a pena na mão.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

onírico

quando se sonha tudo é possível.

todo sonho é passível de existência
(e de toda dúvida)...

que o caminho faça-se sereno
em meio a tempestade.

domingo, 14 de janeiro de 2007

sorte do dia

além da desgraça matutina,
o raiar desse dia,
existe o refúgio supremo
de sublime alegria:

a tumba esquecida
do cárcere acolchoado,
o travesseiro eterno
que resvala o sono
em baixo da terra.

os astros louvam de verdade
somente os moribundos.

terça-feira, 9 de janeiro de 2007

covardia

não me convence o teu horror
nem tua cara de malícia.
sei que no fundo, maldito,
tremes à vergonha de viver.

não me chora o teu olho
nem bendiz tua língua
a bem da verdade.

tua alma nua é que assoma
vermelha o teu sangue.

a sucumbir tua vida
prefere qualquer máscara
todo passa-tempo.

sei que maldizes a hora
de se olhar no espelho.
tem medo de encontrar nele
o demônio
ou o vulto desfalecido
dos seus desejos.

maldito covarde
que não logra partir
nem ficar.
prefere morrer,
trucidar,
matar.

tudo para não ver
a falha em que sucumbe
tua alma.

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maior covardia é rejeitar a si mesmo. esconder-se, mutilar-se...
seria eu o maior covarde?

segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

passa tempo

o hoje nasceu badalando
- louco dizia ser de paz.
mas com uma batida
virou o mundo.

os homens de ponta-cabeças,
mulheres de saia pra cima,
as rosas desgerminavam
uma dança que nunca termina...

e tudo dizia o sino
do alto da igreja
- a senhoria morta ao batizado,
o elipse, eclipse, apocalípse...

lapso!

o poeta, sim, amanheceu
louco
pra dizer tudo que queria,
pra cantar tudo que ouvia,
pra calar a tudo no ponto,
pra morrer assim,
feito chuva que estia.

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*
mas as curvas que traçou
essa ficarão
na terra entrevada

pra enlouquecer
ainda e mais
os meninos da lua