quarta-feira, 21 de setembro de 2011

sílabas da noite (ou peito aberto)

os tambores daquela Minas
gritam tão e tão mais fortes
bem cá depois do Atlântico,
na minha alma de menino,
nas madrugadas-oceano

breve ufanismo

eis que sobe à terra lusitana
a mais pura e terna gente
que entre a mata profana
fizera-se fértil docemente.

há quem dizer aos céus profana
o nobre solo mui bendito
que entre as águas de Netuno
fez-se porto à capitânia,

pois quem de fome padecia
a todos acolhia, faceira,
a terra, sem pôr juro ao luxo tido
por sobre a areia banca

e acatando-se ao reino
muito ousado da natura
fez, pois, da vera o mito,
nas cousas raras da ventura:

nasce em solo brasileiro
brava e forte e grande gente
que, para dizer o costumeiro,
cresceu dura e alegremente

e vem-se ter ao velho mundo
nobre, grande e simplesmente
pelos elos fracos de azares
pela necessária corrente

que faz zelar a vida humana
por sua fraca luz perene
jorrando na estrada tortuosa
até um terno e findo ocidente.

suspensão

folha amarela brota do teu sorriso
com pequenas gotas de orvalho
será esse inverno um algoz rijo,
ou serás pequena flor de carvalho?

a branca névoa sobre a planície,
que vozes são essas que ela ecoa?
serão frutos alegres da meninice
ou do silêncio que jamais perdoa?

rio, com as águas de tantos mares,
são feitas de alegrias sublimadas
ou males apenas a cruzar os ares?

cama essa, com sono encimada,
traz noites cobertas de pesares
ou sonhos leves com a amada?

sábado, 17 de setembro de 2011

reconheço que é tardia a hora que se vai entre os parques desalinhados, catando pela beira dos sapatos a dignidade tão perdida entre os cascalhos. os seixos desavisados, rompentes do frágil tecido que mãe d'água fez ser grande, muito grande demais. florestas imaginadas, casa sonhadas, línguas soltas, à mingua. quantos verbos alcoolizados se precisa, para escrever um clássico?

entre o douro e outros rios

é pouco e tanto o gesto que de cá se apreende,
que na vida quem não pode ser senão ausente,
querer possa a voz que não lhe ressoa,
pois que a boca corre à voz de outra pessoa.

já amar não se pode o que não se perdoa,
esquecer jamais o que já é corrente,
enxergar não mais o que se povoa
no pavor austero de névoa diligente.

pois se como essa gente, farta
e morta na loucura ordinária
(d' aurora ao pôr do sol, pois, é o que se sente)

findar eu não possa como outro indigente,
mas marcar nas areias inconstantes
a voz pouca que me prende.

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camões, cá em outras terras, me oriente,
num ocidente mais originário
e ordinário do que se pretende
(mais fabuloso e banal do que o que se sonha),
no frescor de auroras mais antigas e mais potentes
(quando não mortas),
mais jovens e mais vazias
(quando, em sempre, renitentes).

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saudades de ser outro.

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ao xará, matheus batista, (parecidos nós mais que só no nome) os terceiros poemas em terra estrangeira.

o último setembro

agora é um nunca mais de ilusões:
janela fria, rio largo, montes a menos,
portos a mais, suaves membros
a deslizar sob os gestos violentos.

nessa suave tempestade abrasiva
que entre penas e bicos refestela
a pouca margem que existe
para oceanos de mais, pouca terra

para o que insiste em ser poema
e novela, e novena e persistência
duma esperança que jamais se afoga,
mas entre as ondas, se cansa.

há pedras demais pra pouca terra.
areia demais, tempo de menos
nessa ampulheta larga e pura
que a vida faz na foz dos horizontes.

reviradas

a minha alma pequena viaja
na imensidão entre os meus passos:
ora no aço macio da espada,
ora no cheiro duro das rosas.

ranço, belo e morto, ressoa
o brilho eterno de estrela
n'outro lado indistinto da esfera
que de mão em mão vagueia
senhora e serva de toda pessoa.

a espinha pouca manipula
mais que os medos e orgias:
cada lembrança retesada
cada pérola semi-nua

nos raios prateados, fiados
no vento, marionete revirada
recomponho a alma imensa
no lento espaço entre os passos.

sob a lâmina da lua violenta
a minha alma imensa alumeia
o espaço pequeno entre meus passos.