quarta-feira, 23 de setembro de 2009

há uma falha na imensa fortaleza. exércitos inimigos não são problema. não as armas, nem chamas ou gritos, hinos, bandeiras.
na verdade, parece existir nessa atmosfera uma ausência, uma sensação de que algo está para acontecer, uma aproximação do clímax ou do apocalipse.
há uma falha na fortaleza de vidro e pedra e ferro, na fortaleza de nuvens de elétrons e tempestades. uma brecha que deixa entrever os olhos de uma besta epilética, demoniacamente insana, fora de si, alimentada por anos de fome, prisão, residente do medo, numa sede de caos e lágrimas, que parece não alcançar um limite menor que o seu próprio orgulho, que é muito, ou da espessura de sua imensa masmorra.

há um desejo profundo, profano, impronunciável de que ela me ataque com seus olhos distorcidos em banquete. que minhas entranhas nutram as suas, que os meus pensamentos, minha letra, minhas meias de algodão manchado e as camisas de seda, meus amores, meus pais, minha poltrona, meu cinema, minha biblioteca de livros por ler, meus pés de caminhos percorridos, tudo que em mim sou eu ou fora de mim se desmanche em seu estômago satisfeito.

quero isso e quero muito! preciso, imploro, peço a mim mesmo que me dê a chave que prende todo aquele caos atrás das grades intumescidamente titânicas.

tarde percebo que joguei a chave.
ou antes, que tragicamente, ela nunca existiu.
esqueci a senha, não tenho o passe, não controlo, não sou - não mais - o rei desse castelo tão meu.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

acidente protético n°1 - ou da visão de ângulos múltiplos

caiu o meu olho
de vidro!

um globo
inteiropartido
lamentações

terça-feira, 15 de setembro de 2009

fotografia - ou a escrita do tempo

o sol congelado de pronto, promete
todas as cicatrizes na face muda
mudada da infância nua e bravia
- agora resíduo, espera rouca.

visita-me como em douto presságio
das minhas profecias preferidas
enraigadas nas veias, na tela, na moldura dos ossos
- uma manhã tão distante da janela.

costura de costume e graça
numa névoa densa ao toque da memória,
pequena tapeçaria empalhada de minha glória
perdida - nos entrepassos do tempo vadio.

o sol enlaça luz e traças na carne
radiografada na fotografia surrada,
roubada de minha alma tão alheia,
roupagem de um sonho vivido.
-------------

o sol na foto, e lá fora na grama, no céu eterno e branco
o mesmo sol da antes-Terra, do chimpanzé e dos dinossauros,
dos neandertais, dos sapientíssimos ocidentais e dos orientais pacientíssimos,
de newtons, einsteins, balzacs, mozarts, openheimers, hitlers, dalis,
akiras, mao tses, confúcios,
orixás, iatolás, xexênos, nigerianos, esquimós,
bailarinos, palhaços, bandidos, extremistas religiosos,
ditadores, índios, nômades, ciganos, defuntos, crianças, não nascidos...


sol em foto é o retrato da ironia.

boemia

que a amante de meus pecados
seja reflexo imprevisto da alma
que pela manhã dissolverá dores minhas
numa gota surpresa de frio na espinha

se houver tal momento, desejo prazer
na manha rala das salas vazias
e havendo riso destilado, traz-me
uma dose em três de euforia

e se nessa fria, tremenda madrugada
houver companheira ardente e ingrata
dai-me, noite em claro,
esperanças de alvorada.