quarta-feira, 25 de março de 2009

preâmbulo de maio

deixe estar, que a tarde começa de manhã
se lhe digo o que convém, eu sei que sigo
a oratória do amanhã: na calmaria o castigo.
na calmaria o castigo.

deixe estar, que a carne em revolta é perecer
e a vida rouca ainda dói na prosa pouca do anoitecer:
o beijo celado e os amores roubados nas cores de maio.

deixa estar, que a cova é bem raza, cê pode ver
a chama dança na vela e cai do meu peito.
não é frio, não é lixo, é a ilusão de ser do meu jeito...

deixa estar, que o amor não acaba com a partida
e se digo que fico, ainda, saiba: não estou perdido.
e peço ao céu uma estrala vaga, uma seta ferida,
e as flores rasgadas.

e se o vento levar pra longe esse seu sorriso
deixe estar na saudade o seu vício.
deixe estar a saudade comigo.
- na calmaria o castigo,
na calmaria o castigo.

sábado, 21 de março de 2009

das palvras que outrem se-me-disse

me surpreendo com umas palavras que parecem mesmo estar num espelho.
que comunhão distorcida, amarga, une os homens?
em que medida medeia-se o percurso entre o você e o eu?
em que medida se-me-revelas?
em que medida se-me-desnudas?
em que medida há distância tão próxima?
é a linha oblíqua, distorcida, que une dois pontos.
será que ela mede até o medo?

se fora poesia afora

... e aí, então, se ainda resta dúvida,
que essa não repouse em boca muda:
que tenha som e vida, e oriunda
ela seja da desarmonia sincera.

e aí, serei eu em minha medida
na resposta - se mim, em ti úmida
de alma e carne viva minha.
- sangrarei, tardio, em brisa alheia.

repousarei sob asas de poesia inteira
e mesmo incompleto, ainda folha rasgada,
então um tom partido, uma bruma pesada.

serei eco e sopro de lábios celados
e meus sonhos, calados, soarão, revelados
- e serei, no fim, mudez que prospera.

Paisagem pouso incerto

passarinho no seu ninho...
passaria, possível, perto.
pousaria, calmo, pertinho
povoando em vôo o oco certo.

passa passo-a-passo
parecendo até que ensina,
pondo um ponto no que faço,
ponderando no vento minha sina.

passarinho professor da passagem
passarinho por sobre a paisagem,
pondera o tempo sem passado
professorando: deixai o paço!


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buscando uma fuga.

quarta-feira, 4 de março de 2009

o que sobrou do natal

deus sabe: não meço as palavras.
não há nelas escalas ou réguas.
são fruto de acaso solto, desconexo.
se no gesto há harmonia, ou o inverso,
ainda falta ritmo, e calor. ainda falta incesto.

falta dormir a música no leito do poema,
e talvez até ainda lhes falte paisagem
mesmo pequena, mesmo alegrezinha,
para haver uma próxima viagem.

quiçá não há o que ser feito, é só.
é o que se pede e nunca alcança -
"Papai-Noel, me faz poeta!"- e espera.
ele me deu livros, papel, canetas.
até sonhos e chama ele me deu.

mas se ao menos a fantasia desse nó
a cada palavra, a cada criança
nos meus dedos, haveria mesmo poesia
e não apenas só as penas e o pó.

a fênix

minha alma divina divaga quando aquieto a língua.
e é por isso que sou assim calado, assim quieto,
e só movo-me deveras pelos olhos, à míngua,
às lágrimas, aos risos. atrás deles eu arquiteto
a próxima sílaba da minha manhã, ou o ponto
(mais-que-final) do último anoitecer. e refaço,
e desfaço, disfarsando que nada há de meu
em cada traço riscado ainda em mente, ainda eu.

e quando a boca se abre, o mundo está pronto.
o som sai e ecoa. é boda e é festa: renaço
depois de morto, depois do último sopro.
e já não sofro e já não temo as minhas sombras.
vivo nas ondas do som, das palavras sussurradas.
já não me sobra nem falta nada: todas palavras usadas.
não há mais peso sob os pés ou sobre os ombros.
vento novo no meu corpo: elevo-me, revelo-me, me movo.