terça-feira, 16 de janeiro de 2007

orquestra sincrônica

houve um tempo
em que o tempo me ouvia.

hoje, nada escuta.
grita
nos meus ossos.

e eles,
mudos,
obedecem.

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a vida é uma orquestra
sincronicamente armada
até os dentes
de agulhas.
essas agulhas se chamam
segundos.

furtividade

a testa pulsando na mão
a testa pulsando na palma
a testa pulsando na alma
a alma pulsando sem calma
a terra ruminando a lama
a lama suja da mão

nem a cama eterna
aponta a solução

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OBS:
quisera eu ser criador autêntico de tamanho paradigma...
na verdade o primeiro verso, creio, roubei de Cecília (Meireles)
espero que me perdoe teu espírito sublimado
maculada que foi sua arte.

ser poeta

e daí que tudo me dói em dobro
e todo gozo dobra
perante o peso da alvorada.

daí que todo sol lacera mais a pele
e todo o sal
resseca a alma.

daí que não se tem mais nada
que não seja o papel
de seguir poeira afora
nas veias dos versos.

daí que a noite frígida
agita a calma
e posto em branco o ponto
tudo pode o negro
logro pouco da pena cansada.

e daí que resfestela
o meu ventre
ao ver a morte de frente
e a vida de costas.

daí que tudo mais
que não seja mais que dor
não me basta
não me consome como quero.

daí que sempre é nunca
nuca fria de perder o riso
e cada vez mais
se olhar no espelho
arranca do olho um cisco.

e eis ainda, que, daí
tudo posso
pois tudo fasso
com uma única falha
- a pena na mão.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

onírico

quando se sonha tudo é possível.

todo sonho é passível de existência
(e de toda dúvida)...

que o caminho faça-se sereno
em meio a tempestade.

domingo, 14 de janeiro de 2007

sorte do dia

além da desgraça matutina,
o raiar desse dia,
existe o refúgio supremo
de sublime alegria:

a tumba esquecida
do cárcere acolchoado,
o travesseiro eterno
que resvala o sono
em baixo da terra.

os astros louvam de verdade
somente os moribundos.

terça-feira, 9 de janeiro de 2007

covardia

não me convence o teu horror
nem tua cara de malícia.
sei que no fundo, maldito,
tremes à vergonha de viver.

não me chora o teu olho
nem bendiz tua língua
a bem da verdade.

tua alma nua é que assoma
vermelha o teu sangue.

a sucumbir tua vida
prefere qualquer máscara
todo passa-tempo.

sei que maldizes a hora
de se olhar no espelho.
tem medo de encontrar nele
o demônio
ou o vulto desfalecido
dos seus desejos.

maldito covarde
que não logra partir
nem ficar.
prefere morrer,
trucidar,
matar.

tudo para não ver
a falha em que sucumbe
tua alma.

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maior covardia é rejeitar a si mesmo. esconder-se, mutilar-se...
seria eu o maior covarde?

segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

passa tempo

o hoje nasceu badalando
- louco dizia ser de paz.
mas com uma batida
virou o mundo.

os homens de ponta-cabeças,
mulheres de saia pra cima,
as rosas desgerminavam
uma dança que nunca termina...

e tudo dizia o sino
do alto da igreja
- a senhoria morta ao batizado,
o elipse, eclipse, apocalípse...

lapso!

o poeta, sim, amanheceu
louco
pra dizer tudo que queria,
pra cantar tudo que ouvia,
pra calar a tudo no ponto,
pra morrer assim,
feito chuva que estia.

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mas as curvas que traçou
essa ficarão
na terra entrevada

pra enlouquecer
ainda e mais
os meninos da lua