terça-feira, 21 de abril de 2009

grunhidos da meia noite

estardalhaço dum secador de cabelo, 1 da manhã. de repente o silêncio.

-Nossa! que alívio!
-Vai durar pouco.
-...felicidade de pobre é foda...

*Amélia não tinha a menor vaidaaade, Amélia que era mulher de verdaaade...

auto-retratos

a palavra que lancei ontem germinou
sorrateira num arbusto monstruoso
que meu leito e minha amada dominou
num sonho pestilento e grandioso

me esquivo pelas pálidas esquinas
do meu rosto desmedidamente atrofiado
temeroso aproximando-me das finas
garras dos amores embalsamados

se revelo minha sina à luz esguia
não reconheço o meu medo revelado
se escondo minhas flâmulantes heresias
não sobrevivo ao amargor do claustro

e na balada madrugueira me vejo outro
deixado no repouso da cama morna
lívido, em carne viva, me percebo roto
éfebo de minha arte matreira e morta

quinta-feira, 2 de abril de 2009

pé no negro

na boca da morte rendeira,
das tramas da sorte agoureira
é rainha da noite, é guerreira.

mais longe que amores amantes
se fossem lá soprar, distantes,
maior que os menores andantes

a dança que é fogo incendeia
se tem prata no mar, lua cheia,
êh, nas ondas do mar cambaleia

mil folhas se agitam dançarinas,
no afago do vento, meninas,
a cansar de rotina as retinas.

na vela sem fogo desfaz-se
na carne um silêncio sem face
da terra é um grito que nasce

na boca da noite, rainha,
que a espada da dor embainha
é calor, é tambor, é mãinha.

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dos feitiços que cruzaram os mares, amar foi o que me ensinastes
e viver no negreiro navio, que parte sem buscar caminho.
ó, mãe áfrica, minha dor, meu sangue, onde estão seus fuzis e seus tanques?
enterrados no mar oceano, outrora seus mais graves danos.
e se agora és clamor aflitivo, ainda nos dará um festivo,
'inda vossos frutos nossos filhos.



*pro sangue de negro que chora e faz folia no meu corpo inteiro.

[ ]

se é pra ser, que assim seja:
a liberdade em flor se enseja.

.

está pronto tudo no ponto
e feito aparece o feio fim
que veio de encontro ao mundo
e tudo desfez por conta de mim

quarta-feira, 25 de março de 2009

preâmbulo de maio

deixe estar, que a tarde começa de manhã
se lhe digo o que convém, eu sei que sigo
a oratória do amanhã: na calmaria o castigo.
na calmaria o castigo.

deixe estar, que a carne em revolta é perecer
e a vida rouca ainda dói na prosa pouca do anoitecer:
o beijo celado e os amores roubados nas cores de maio.

deixa estar, que a cova é bem raza, cê pode ver
a chama dança na vela e cai do meu peito.
não é frio, não é lixo, é a ilusão de ser do meu jeito...

deixa estar, que o amor não acaba com a partida
e se digo que fico, ainda, saiba: não estou perdido.
e peço ao céu uma estrala vaga, uma seta ferida,
e as flores rasgadas.

e se o vento levar pra longe esse seu sorriso
deixe estar na saudade o seu vício.
deixe estar a saudade comigo.
- na calmaria o castigo,
na calmaria o castigo.

sábado, 21 de março de 2009

das palvras que outrem se-me-disse

me surpreendo com umas palavras que parecem mesmo estar num espelho.
que comunhão distorcida, amarga, une os homens?
em que medida medeia-se o percurso entre o você e o eu?
em que medida se-me-revelas?
em que medida se-me-desnudas?
em que medida há distância tão próxima?
é a linha oblíqua, distorcida, que une dois pontos.
será que ela mede até o medo?

se fora poesia afora

... e aí, então, se ainda resta dúvida,
que essa não repouse em boca muda:
que tenha som e vida, e oriunda
ela seja da desarmonia sincera.

e aí, serei eu em minha medida
na resposta - se mim, em ti úmida
de alma e carne viva minha.
- sangrarei, tardio, em brisa alheia.

repousarei sob asas de poesia inteira
e mesmo incompleto, ainda folha rasgada,
então um tom partido, uma bruma pesada.

serei eco e sopro de lábios celados
e meus sonhos, calados, soarão, revelados
- e serei, no fim, mudez que prospera.

Paisagem pouso incerto

passarinho no seu ninho...
passaria, possível, perto.
pousaria, calmo, pertinho
povoando em vôo o oco certo.

passa passo-a-passo
parecendo até que ensina,
pondo um ponto no que faço,
ponderando no vento minha sina.

passarinho professor da passagem
passarinho por sobre a paisagem,
pondera o tempo sem passado
professorando: deixai o paço!


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buscando uma fuga.

quarta-feira, 4 de março de 2009

o que sobrou do natal

deus sabe: não meço as palavras.
não há nelas escalas ou réguas.
são fruto de acaso solto, desconexo.
se no gesto há harmonia, ou o inverso,
ainda falta ritmo, e calor. ainda falta incesto.

falta dormir a música no leito do poema,
e talvez até ainda lhes falte paisagem
mesmo pequena, mesmo alegrezinha,
para haver uma próxima viagem.

quiçá não há o que ser feito, é só.
é o que se pede e nunca alcança -
"Papai-Noel, me faz poeta!"- e espera.
ele me deu livros, papel, canetas.
até sonhos e chama ele me deu.

mas se ao menos a fantasia desse nó
a cada palavra, a cada criança
nos meus dedos, haveria mesmo poesia
e não apenas só as penas e o pó.

a fênix

minha alma divina divaga quando aquieto a língua.
e é por isso que sou assim calado, assim quieto,
e só movo-me deveras pelos olhos, à míngua,
às lágrimas, aos risos. atrás deles eu arquiteto
a próxima sílaba da minha manhã, ou o ponto
(mais-que-final) do último anoitecer. e refaço,
e desfaço, disfarsando que nada há de meu
em cada traço riscado ainda em mente, ainda eu.

e quando a boca se abre, o mundo está pronto.
o som sai e ecoa. é boda e é festa: renaço
depois de morto, depois do último sopro.
e já não sofro e já não temo as minhas sombras.
vivo nas ondas do som, das palavras sussurradas.
já não me sobra nem falta nada: todas palavras usadas.
não há mais peso sob os pés ou sobre os ombros.
vento novo no meu corpo: elevo-me, revelo-me, me movo.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

a festa da carne (ou depois)

eis que então acaba assim,
"todo carnaval tem seu fim".
e a vida volta a ser quaresma
numa púrpura e apagada réstia
de sol, ao entardecer do desejo,
na fé de habitar onde nada resta.

e tudo que se fez, cada ensejo,
foi como se não o houvesse,
nem fosse, virou poeira e prece.
a febre volta à frigidez, ao mormaço
as mãos esperam o próximo passo,
como se ele fosse o algo necessário.

depois da bonança, a calmaria,
o desprópósito maior que a festa,
- maior que a despudorada vergonha
- que atesta de pronto um desânimo.
a carne, ora entorpecida, apodrece.
o orgasmo morre. a vida adormece.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

translação

se eu pudesse diria que o mundo mudou mudo.
mas fica fixa a inflexão do paradoxo, quebrado.
mudar como caos e mudar como torcer e mudar como quebrar e juntar de novo.

as almofadas encapadas de cetim e veludo.
as bailarinas de fino toque jovialmente virgens.
a petulância das mansões do século passado.
as flores desinteressadas da avenida principal.

frivolidades alegres e frias como geleiras.
há qualquer coisa de obliquo, de distorcido, sem ser diferente.
sem estar diferente.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

CARTA ABERTA À HUMANIDADE PARA 2009



digam-me que o engano faz parte do acerto, e que as estrelas marcam a direção dos sonhos. digam-me que a felicidade reside no sorriso alheio. que cada pessoa no mundo consegue ver um espelho seu no destino abandonado das criamças de rua, nos alcólatras e drogados, nos desvalidos, nas viúas dos soldados, na saudade dos exilados, na rancor dos desprezados, na sobriedade solitária dos indigentes. digam-me que o mundo tem chance e podemos esperar mais das pessoas. que não há vazio onde houver fé no homem, que não há dor gratuita e indiferença. que o salário é justo e a dignidade é farta. que o sabor do vento é doce, que a maré é saudosa dos corpos na praia e as geleiras fortificam-se. que a metade de lá do globo vai descansar de noite. que o pai do fulano vai voltar de viagem, e a mãe do cicrano vai curar do câncer. prometam-me que todos seremos menos mesquinhos, e a sinceridade trafegará entre os olhares como em infância, e sejam verdadeiros e acreditem e batalhem... e me dêem paz. e me doem esperança e coragem pra enfrentar mais um ano de luta sem descanso em busca de felicidade e felicidade verdadeira.

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atrasado o pedido. mas a busca permanece.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

ser/estar

não estou aqui pelo que eu já disse nas inumeráveis conversas, promessas, discursos, guerras ou devaneios.
estou eu aqui pelo erro do evitar dizer
de evitar e negar o que inevitavelmente se é.
por causa daquilo que irrevogavelmente busco e irremediavelmente ignoro:
aquilo que me fará um dia ser completo, perfeito e uno
e tão e mais eu comigo mesmo.
estou aqui, por inenarrável e ignóbil erro de acaso, gramática e lógica:
estou aqui, irresolutamente, por minha causa.

por tudo aquilo que, no fundo, espero de mim. por tudo aquilo que o futuro não me revela, e nada mais que o tempo é desvendar.

estou aqui à espera
daquilo que ainda não sou
do homem que um dia serei.

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o limite ilusório entre o sonho e a realidade é a crença nas nossas certezas.
o limite real entre a crença e a dor é a verdade.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

dos erro(e)s

tudo flutua entre o que o peito pede
e o que diz a mente oculta.

revela a relva a rosa rouca
e a reza é ressalva, não ranso,
nem riso. é roupa rasgada,
é carne viva e revolta.

é rastro e ramo de todo resto
é posto e casto presto.
reembala o rosto e a resma
parece uma quase quaresma...
que comocadente restringe ao castro,
ao quarto sujo, o retorno, o prúrido incesto:
a relaxada ronda do temido gesto
na ferida, na alma, na terra rasgada.

retoma e retorna, que a roda revira
e resta ainda a ultima prece:o beijo
e o suspiro, sem suspense
sem resposta, sem senso.
resvala a rústica ressalva
ainda respiras sem alívio.a
inda reviras a pedra
a procura d'um rio.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

que(r) dizer

Uma pergunta impertinente tem me assombrado nesses dias inglórios, como louros de uma conquista às avessas. E ela ressoa em cada página, submersa: “Quê dizer?... Quê dizer?... Quê dizer?”. E me vem de súbito aquela impressão que depois de tanto tempo, depois de tantas palavras, já tão somente falo sem dizer nada. E mesmo que de fato eu diga, o fato de não atestar naquilo uma considerável parcela de entendimento e luz própria, de não reconhecer claramente o que quero dizer, para mim, é provável que eu já não diga nada. E que apesar de tantos riscos, de tantos símbolos, de tantos desencontros, de tantos pensamentos e paredes, finalmente me perdi por inteiro. Se estou pessimista, indigno, reconheço: é porque me falta significado – essa substância do espírito, que de tão imensa já não se enxerga – e que nada em minhas lembranças, nos relógios ou na razão apresenta uma mísera migalha de segurança ou garantia.
Mas enfim... Será que isso importa?
Ou ainda: será que isso já não é por si só encontrar-me todo significado?

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

água queima

era um lago vazio e profundo
- vazio, pois não era morada,
profundo, porque era mistério.

e cada gota d'água que ali
suavemente era plantada
sumia, virava lodo.

e cada corpo que lhe pungia
a tenra superfície, morria.
esgotava e secava o movimento.

e cada sonho, ele dissolvia.
e cada alma, ele consumia.

somente a dúvida ele alimentava.
e ele crescia e inchava,
até que sumia o próprio dia
até tapar o próprio Sol
até encostar na Lua.

o lago, algo como coisa viva,
a tudo destruiu, e de subto calou.

passou dia, passou-se eras.
e o lago, apesar de maligno,
estava calmo e imenso.

os homens, por desmedida,
lhe nomearam Oceano.
os homens, por ingênuos,
lhe chamaram Pacífico.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

que nome é possível?

coisa de uma cena que me angustia com uma dose inoculada de remorso.
dessas que aconteciam todo dia, no início de tudo. no início do meu início. na inexorabilidade da minha própria existência.
algo que como uma comoção incomoda, quer perfaz minhas artérias, minhas veias, meus pulmões com a baforada seca a acre de minha mudança, de meu apaziguar-se, da minha inegável estupidez. da minha configuração, adaptação, do meu deixar levar. e capaz de emudecer-me de tal forma, que meus olhos, percebo, estavam surdos.


se fosse obrigado, culparia a metrópole, e seus úteros podres, que só parem destinos falhos e abominação. ou à psicologia, grande mestra de muita de nossas ignorâncias. mestra verdadeira, pois nos educa e nos justifica. nos torna impunes por natureza, naquele mecanismo de auto-preservação, que aniquila o terror que nos assola nas calçadas imundas, nas praças, nos becos... a ponto de eliminar o desconforto da desgraça iminente. sedando-nos, e nos insandecendo.
mas a verdade me força a maiores razões, a uma maior distância. ela me joga nu na rua fria de uma realidade pavorosa, onde a chuva inconstante torna aflito o sono e o coração.
a cena se resume numa praça burguesa da cidade, onde tantos transitam irreparavelmente absortos em seus problemas, uma multidão de solidões.

no meio de um canteiro gramado, uma mancha se meche e respira. a era um menino, mirrado, uns 7, 8 anos, encolhido debaixo dum trapo, adormecido por entre a orquestra violenta da total indigência metropolitana.
passa uma mulher:"por favor, onde fica a Rua Ceará?" numa voz de outras terras - nordestina, com certeza, roupas bonitas e simples. achei irônico aquilo, sorri por dentro. respondi:"acho que uns dois quarteirões abaixo. mas não tenho certeza. pergunta naquele bar, eles devem informar melhor." seguiu-se um"obrigada" de sua parte e da minha, "boa noite".


eu fumava tranquilamente. a chuva fina não era problema meu. ponto de taxi em frente... tudo bem, estava já praticamente em casa, 23 quarteirões dali.
a mulher vai ao bar, volta. paralisa-se um instante. vai até o menino, cobre-o com uma blusa dela num carinho quase maternal. deu-se um tempo de um minuto aquela cena. e cada gesto seu me comovia. ela deixa o menino ainda dormindo, se afasta de vagar. toma seu rumo para a Ceará.

a visão me deixou estarrecido. não por nunca tê-la visto, mas por perceber que tinha desgraçadamente me acostumado a ela, nunca percebido a coisa nela como parte de mim.
me culpei, senti-me sujo em minhas vestes, um verme. como me tornara essa coisa que tanto abomino? essa massa mansa, que se deixa levar cega e surda pelas ruas? cabresto?
aquele ato de uma desconhecida a um indigente, puro e simples compadecimento, cheio de um importar-se com o outro, alheio, vago, nulo, perturbou-me.

parecia que eu havia recobrado a visão, e uma dor necessária me tomou. remorso, egoísmo, indecência. deu-me vertigem suspender o manto transparente da realidade.
aquele menino, tão humano, tão igual a mim... apodrecia com o que parecia ser o meu consentimento, com a minha inércia. senti-me horrível. perguntava-me porque. vi que algo na alma, somente nela poderia despertar essa sensibilidade. perguntava-me o que meu pensamento, o que a minha vida poderia fazer para ajudá-lo. não para limpar a minha consciência, não para livrar-me de um fado pesado. para libertar-me de uma cegueira, para mover-me em ação definitiva.

pode o pensamento de um só realmente mudar o mundo? sempre me parece que não. mas não me conformava com essa resposta. que podem os sábios e os poetas em seus gabinetes, em seus livros contra essa maldição?
parece-me que tudo agora tornou-se frivolidade. mentes dissonantes com a verdade, aquela que tanto se busca e tanto se esquece. a vida não são pensamentos nem palavras, como tudo que eu era, como tudo que sou. a vida é maior e pior, mais baixo, mais ventre e entranha. a vida é estômago, não cérebro.
resta-me essa sombra de inutilidade. esse persistente despropósito. esse pó.

o menino, continuou a dormir, na chuva. tentei acordá-lo, me afastou, ainda dormindo. "você vai se molhar, amiguinho! acorda!". nada. a chuva aumentou sentei-me ao seu lado, esperando que houvesse ainda resposta diferente. nada. dez minutos fiquei, remoendo as sensações. por fim, largando-o miseravelmente ao abandono, fui ao taxi: "pega a francisco sales."

e cá estou. incomodado. confuso. como a derramar bile em linhas, em palavras. confinado na minha insignificância, na miséria alheia, que se fez minha. sou parte disso. não como eu pensava, mas como realmente era. dói-me. recolho-me.

como será o mundo agora?

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

o rei dos ladrões

escreve e não esquece:
o muro da tua casa
é tua guarita de guerra.

se estranho se aproxima,
não espera! atira!
e ferra o desgraçado!

não deixe a porta aberta
segundo algum, nenhum dia.
põe cruz dentro, contra bruxaria.

não estremeça quando o medo,
o de mãos terríveis, lhe tocar.
sê firme! e morre, sem ralhar.

à noite não durma,
de dia espera e guarda
sua madrugada.

e aguarda que te encontra
esse pior bandido, inimigo copioso:
esse amor sem razão ou consolo.