segunda-feira, 30 de agosto de 2010

eu me propus certa vez deixar as coisas fluírem. foi como pedir que um rio se apressasse, como avisá-lo de que era um rio. nada acontece quando se propõe à natureza que ela se obedeça.
as coisas fluíram, sim, por outros terrenos, com várzeas novas, onde a água não era tinta.
me apaixono cada dia mais pelos sons, que me tocam, sem que eu peça que eles o façam. pelo gesto sobre o qual não tenho domínio. pelo horizonte que me sugere sonhos além de sua linha indefinível, não geográfica.
algo acontece que me muda e me emudece, na verdade. é algo que não se anunciou para mim, não propôs nada, nada espera de mim. é algo que, nessa autoridade do que simplesmente acontece, toma conta de mim nessa tarde que já dura vários meses. algo que me diz para me calar, para me vazar, para acabar comigo, para eu nascer de novo.
como uma pluma essa tarde me abraça, e fala: "chora, meu filho."

após incontáveis funerais

daniel foi comido pelos seus ossos
gabriel, por castanhas tranças de horror
bruno, por uma doce travessura
- que, para muitos, a simples idéia assombra

jorge respirou água demais
itala amou um vôo assaz curto
maria se mudou para a história
e césar, para os sonhos, uma noite dessas

camila sumiu e nunca mais foi vista
- os olhos oniscientes de fernando, quem sabe
ainda a encontrem por aí -
quiçá no coração frio de leonardo?

lucas, amante de vozes, mordeu a língua
com uma volúpia insaciável
luana, esbranquiçada, agora é só mármore
pedro, que deus o tenha, foi tatear raízes

quantos rostos tão jovens ainda
- tão jovens para sempre -
ainda terei de catar na praia ímpar,
infinita, escondida, inacessível da memória?

segunda-feira, 28 de junho de 2010

passada a poesia - ou depois do devaneio dessa vida

na tarde, uma brisa enaltecida
esperava o esquecimento inescapável
digno desse suspiro sob o firmamento
que inefável, sem lamento, se declama

dentro da árvore, mãos de pétalas,
florescidas, entrelaçadas entre velas
sobre o mármore, com mar transparente
transbordado da carne anoitecida

um momento de segundo tão palpável
que entre um e outro ato se derrama
as aves plainam sós na mudez do vento
- sem destino, simples, puro movimento.

abaixo da árvore, mãos de pétalas,
sublimadas, enraizadas entre o que existe
- sob o mármore, com terra intrasponível, -
e o que procurando, se despindo, se perde.

domingo, 16 de maio de 2010

o que é isso?


mãe, meus olhos estão suando
de se esforçarem tanto

indefinívivel

existe qualquer coisa na minha mediocridade que me diverte.
algo, que, na ingenuidade me fascina e na pequenez me vejo enorme,
como o ego de uma criança.

como quando choro e a lágrima sai doce, ou o suor vira perfume,
quando como quitutes de vovó, já velha, que estão sem gosto
lambendo os beiços de minha meninice.

como quando olho o horizonte e penso que o futuro será simples,
ou sinto o peso da idade nos meus joelhos - jovens e cansados - ao subir a colina para ver a cidade brilhar de noite, como um enxame de vaga-lumes.

quando quero ficar cego de olhar pro Sol, ou quando rezo pra Lua que parece me seguir em todo lugar - como os sonhos que não morrem nunca.

quando vejo os prédios como refúgios de alegria, e as praias como brinquedos enormes para a infância - que brinca de descobrir mundo inteiros na água rasa, sem nem imaginar ainda os oceano como essa gigantesca gota d'água.






sexta-feira, 16 de abril de 2010

quarta-feira, 7 de abril de 2010

saudade

foi uma coisa que veio batendo na minha janela dia desses. uma janela que só me deixa olhar admirado, sem me deixar passar, para a mais nostálgica paisagem: a praia de camburi.

pedaços macios de infância foram enterrados na areia com o cuidado de quem esconde um tesouro, e, anos depois, resgata as poucas moedas que restaram pelo chão (onde não mais existem conchinhas ou siris).

eita coisa que me atormenta: trocar o "garoto" por "uai", mar por serra, brisa por neblina, areia por minério. nem todas as escolhas são feitas, algumas simplesmente acontecem - será isso o acaso, ou Deus,ou a sina?

mas memória não se troca, nem se pode escolher por esquecê-la. memória é esse óleo que sai de mim para a minha pele: aparente, visceral, persistente, às vezes até irritante.

memória que não me deixa ser quem eu não sou. que me prende ao destino de ser eu, com correntes que se estendem ao passado. memória que me fere e fortalece, com lágrimas risonhas, fotos desbotadas, vozes distorcidas, mas rostos firmes, rigorosamente pintados e impressos no meu próprio rosto, na minha alma.

rostos que, partes de mim, jamais esquecerei.

terça-feira, 6 de abril de 2010

inexorável

as palavras que não disse em dois meses
matizaram meu mundo de azul
passaram-se a conta das vezes
que as horas se olharam em olhos meus

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

pequena - ou amor

chama essa pequena
que a pena dança
pequena essa chama
que queima consome cansa

gama essa pele na minha
que a dança à mingua dana
até virar, pequena, ciranda
que até meu olho fascina

cala essa boca na minha, pequena,
que espera a cama
nem deixa a lingua sozinha
na nota conforme canta

como essa chama acalma, pequena,
a alma pequena e mansa
deixa sua chama na minha
pra ver quem é que ama.

a pequena chama chama pequena.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

profecias de carne e poesia

de quando em quando surge uma manhã em meus olhos. por entre as sombras das flores que nas árvores do jardim suspiram primavera, o sol beija teu rosto com ouro fino. a brisa rasteja pelos leves lençóis de algodão, faz dançar de suave, numa embriagada e tardia balada, os teus cabelos negros. quem sabe quantos pássaros flutuam travessos no céu azul?

suspira despedindo de um sonho bom, ainda com os olhos fechados. há uma certa sinfonia discreta no teu despertar. por entre a janela semi-aberta, nem os vultos minúsculos do que ainda será labuta, descanso e prazer cotidianos conseguem adivinhar os teus seios, de onde brota um ritmo manso, de um coração que brinca de tocar tambor e bandolim, em plenas 8 da manhã, como criança da praça: regendo constelações e pedindo esmolas.

levanto, dou-lhe um beijo e abro a porta, como quem sai do sonho, como quem foge, como quem abandona.

que a colombina me espere até o próximo carnaval.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

salma

a alma na montanha, saudosa de oceanos.
as pernas e as penas soberanas,
querendo olhos e escamas.
coração contravenção só
entre um paradigma e o outro.

nas entrelinhas do tempo - ou refeição de gigantes

como tem passado?
tem passado como?
"como" tem passado?
comido? comida?
como indigesto, passo?
como pasto? asno?anos?
como como quem come passado?
tem passado? como?
como teu passado - à la Cronos.

ausências próximas

saudades são sempre mais suaves?
algumas o são, e mais:
suaves metais.

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para c. de cássia

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

galacta

esse espaço, e sua ciranda de estrelas
alimentam no homem o próximo passo:
querendo ser forte, de aço,
se vê minúsculo, opaco, de cera.

e nada lhe resta mais que a cadeira
de madeira polida e educada
para contar constelações, na sacada,
dessas musas luminosas e alheias.

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como consolação, Deus deixa o homem
após eras de agonia e deserção de um Éden infinito
virar luz e poeira à beira de um rio.

fluxo de pensamentos inomináveis

o mundo passeia no universo como criança a brincar
anda abaixado entre o silêncio e o luar
que dilúvios infinitos comanda, como a chorar
nunca dissolvendo a melancólica nota do passar
do tempo que te faz cada ano mais leve que o ar

que nada te permite ter, que nada lhe permite sonhar
que chora à noite, como recém-nascido, querendo mamar
faz levantar da cama, faz querer se suportar
até essa noite, pequenina, faz um leito pra deitar
e voar e sumir e morrer e voltar ao início, um lugar

que não existe nem tem o exaltar daquele brilho
que pensavas ter, que pensavas achar, que nada é.

ainda restará na curva estranha do horizonte
uma folha de orvalho que se assemelhe
ao triste acabar da madrugada, perenemente
absorta em acabar-se na alvorada?

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

pequenas sinfonias

esses sons desiguais se enlaçam
como lâminas finas, fluidos corrosivos
e desembocam intranquilos
da minha língua inquilina
de verbos sublimados

morada

deixei-me acreditar
que era nulo, vago e morto
julguei-me errado,
julguei-me roto.

mas minhas pernas erguidas
minhas penas sofridas
arrancaram-me, elevaram-me
com mais força que pedra firme.

sou mais sólido que o vento
e quando eu tento
posso até ser mais que penso
mesmo que um pouco tenso.

de agora em diante, não mais remorso
sei que agora tudo posso,
que tudo traço e destroço:
eis meu sorriso no rosto.

resguardarei minhas intenções
arquitetarei revoluções
e dos meus medos superados
erguerei fortaleza e treva armados.

serei negro e branco e transparente
nunca d'antes tão presente
nunca antes tão como eu
jurei e juro ser meu

inteiro no erro desnecessário
completo no gozo herege
e na nudez pura que me rege - até a hora da morte,
achar em mim o abrigo provisório.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

carta imprevista e desconsiderável para o todo

ih, liga não. só não tenho muito o que dizer pra alguém que eu nem conheço, fica um clima estranho. nada contra amizades virtuais, mas eu me cansei delas quando o meu mundo ganhou um sabor de brisa na companhia palpável das pessoas no mundo lá fora. aqui, depois disso, sempre me parece algo meio aborrecido. mas vc parece ter tanto a intenção de se dar, no bom sentido, que eu até fico curioso com a sua pessoinha. quem é vc? (ps: ninguém é a descrição do perfil, pelo amor de deus, buda e matuzalém!) o que vc faz, onde vc gosta de estar e com quem, o que vc gosta de viver? um abraço requintado, desses de bunda afastada ainda. PS: não to te dizendo -cresça!- ou coisa assim, mas tome cuidado, se seu envolvimento com a gente daqui. nada há de errado com as pessoas fantasiarem, criarem, se esconderem. mas se envolver com as sombras ou as máscaras declaradas pode ser algo atordoante, dolorido... é chato imaginar as pilhas de pessoas que se escondem sob essa coisa do (eu sou diferente, único, eu causo, etc)
as pessoas se esquecem que são muito mais comuns do que pensam, ou, se percebem isso, não entendem que não é algo ruim ser comum. hj em dia existe um desespero tão imenso dessa nossa galera indigente em ser alguém, que me pergunto o que realmente elas querem dizer... ou pior, o que elas querem ser.
tome cuidado com isso também. se somos o que pensamos que somos, temos que prestar mais atenção em quem nos diz como nos pensar.

grandes votos! abraços.

espero conhecer ou conversar com você um dia.
até lá, força, luz e felicidade para você e para os seus.

ass: m.o.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

ânima

eu quero a sorte de poder me esquecer
de tudo que eu poderia ter sido

viver só esse horizonte belo e tecido
com veias de montanha, céu e mar

deixar morrer essa fantasia minha
que eu não mais controlo, desolado

ressucitar em mim a vontade pequenina
de um velho garoto inacabado

sentenças ou juízos ou da morte dos meus últimos sonhos

a porta se fecha. ruidosamente primeiro, gemendo, depois bate (CLANG!).
uma mão firme e imaginária dá voltas à chave, escondendo os dois ali dentro como um segredo a ser esquecido.
- E agora?
-...
-...
- ABRE ESSA PORTA!!!
-...
- ABRE ESSA MERDA!!!
as batidas ecoam, flutuam no aposento mal acabado, vasto, imenso, infinito... e minguam, murcham, morrem.
silêncio. tempo.
- E agora?
- Agora é esperar...
... tempo grande e sem misericórdia.
- Não consigo! - diz baixinho, aflita, e chora só lágrimas, sem soluços.
- Shhh, calma! - pegando ela pelos ombros, abraçando contra os dele.
- Os outros! e os outros?!
- Não sei... sumiram como os gatos da tia Adélia, ou as chaves do apartamento. Talvez nunca sejam encontrados.
- Será que eles...?
- Não, não!
...
- Você me ama?
- Não. Não mais... não te amo há 7 anos.
- Sexo?
- ... pois se a carne é fraca...
...
- Queria um cigarro.
- Queria comunhão.
- Foi bom?
- Sim. E você?
- Sim... sabe, sempre te amei mais.
- Hunf.
- Sério!
- Poupe-me.
...
- A gente vai morrer, né?
- Vamos.
- Fomos felizes?
- Fomos o que?
- Felizes! Fomos?
- Será que fomos...?
...
- Será que vai doer?
- Um pouco, acho.
...
- Não era pra terminar assim.
- Não, não era...
...
ZAPT! jorra sangue multi-colorido, que entumece, enegrece, apodrece e evapora.

e o que mais me apavora: em mim nem doeu.