quarta-feira, 4 de março de 2009

a fênix

minha alma divina divaga quando aquieto a língua.
e é por isso que sou assim calado, assim quieto,
e só movo-me deveras pelos olhos, à míngua,
às lágrimas, aos risos. atrás deles eu arquiteto
a próxima sílaba da minha manhã, ou o ponto
(mais-que-final) do último anoitecer. e refaço,
e desfaço, disfarsando que nada há de meu
em cada traço riscado ainda em mente, ainda eu.

e quando a boca se abre, o mundo está pronto.
o som sai e ecoa. é boda e é festa: renaço
depois de morto, depois do último sopro.
e já não sofro e já não temo as minhas sombras.
vivo nas ondas do som, das palavras sussurradas.
já não me sobra nem falta nada: todas palavras usadas.
não há mais peso sob os pés ou sobre os ombros.
vento novo no meu corpo: elevo-me, revelo-me, me movo.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

a festa da carne (ou depois)

eis que então acaba assim,
"todo carnaval tem seu fim".
e a vida volta a ser quaresma
numa púrpura e apagada réstia
de sol, ao entardecer do desejo,
na fé de habitar onde nada resta.

e tudo que se fez, cada ensejo,
foi como se não o houvesse,
nem fosse, virou poeira e prece.
a febre volta à frigidez, ao mormaço
as mãos esperam o próximo passo,
como se ele fosse o algo necessário.

depois da bonança, a calmaria,
o desprópósito maior que a festa,
- maior que a despudorada vergonha
- que atesta de pronto um desânimo.
a carne, ora entorpecida, apodrece.
o orgasmo morre. a vida adormece.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

translação

se eu pudesse diria que o mundo mudou mudo.
mas fica fixa a inflexão do paradoxo, quebrado.
mudar como caos e mudar como torcer e mudar como quebrar e juntar de novo.

as almofadas encapadas de cetim e veludo.
as bailarinas de fino toque jovialmente virgens.
a petulância das mansões do século passado.
as flores desinteressadas da avenida principal.

frivolidades alegres e frias como geleiras.
há qualquer coisa de obliquo, de distorcido, sem ser diferente.
sem estar diferente.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

CARTA ABERTA À HUMANIDADE PARA 2009



digam-me que o engano faz parte do acerto, e que as estrelas marcam a direção dos sonhos. digam-me que a felicidade reside no sorriso alheio. que cada pessoa no mundo consegue ver um espelho seu no destino abandonado das criamças de rua, nos alcólatras e drogados, nos desvalidos, nas viúas dos soldados, na saudade dos exilados, na rancor dos desprezados, na sobriedade solitária dos indigentes. digam-me que o mundo tem chance e podemos esperar mais das pessoas. que não há vazio onde houver fé no homem, que não há dor gratuita e indiferença. que o salário é justo e a dignidade é farta. que o sabor do vento é doce, que a maré é saudosa dos corpos na praia e as geleiras fortificam-se. que a metade de lá do globo vai descansar de noite. que o pai do fulano vai voltar de viagem, e a mãe do cicrano vai curar do câncer. prometam-me que todos seremos menos mesquinhos, e a sinceridade trafegará entre os olhares como em infância, e sejam verdadeiros e acreditem e batalhem... e me dêem paz. e me doem esperança e coragem pra enfrentar mais um ano de luta sem descanso em busca de felicidade e felicidade verdadeira.

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atrasado o pedido. mas a busca permanece.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

ser/estar

não estou aqui pelo que eu já disse nas inumeráveis conversas, promessas, discursos, guerras ou devaneios.
estou eu aqui pelo erro do evitar dizer
de evitar e negar o que inevitavelmente se é.
por causa daquilo que irrevogavelmente busco e irremediavelmente ignoro:
aquilo que me fará um dia ser completo, perfeito e uno
e tão e mais eu comigo mesmo.
estou aqui, por inenarrável e ignóbil erro de acaso, gramática e lógica:
estou aqui, irresolutamente, por minha causa.

por tudo aquilo que, no fundo, espero de mim. por tudo aquilo que o futuro não me revela, e nada mais que o tempo é desvendar.

estou aqui à espera
daquilo que ainda não sou
do homem que um dia serei.

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o limite ilusório entre o sonho e a realidade é a crença nas nossas certezas.
o limite real entre a crença e a dor é a verdade.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

dos erro(e)s

tudo flutua entre o que o peito pede
e o que diz a mente oculta.

revela a relva a rosa rouca
e a reza é ressalva, não ranso,
nem riso. é roupa rasgada,
é carne viva e revolta.

é rastro e ramo de todo resto
é posto e casto presto.
reembala o rosto e a resma
parece uma quase quaresma...
que comocadente restringe ao castro,
ao quarto sujo, o retorno, o prúrido incesto:
a relaxada ronda do temido gesto
na ferida, na alma, na terra rasgada.

retoma e retorna, que a roda revira
e resta ainda a ultima prece:o beijo
e o suspiro, sem suspense
sem resposta, sem senso.
resvala a rústica ressalva
ainda respiras sem alívio.a
inda reviras a pedra
a procura d'um rio.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

que(r) dizer

Uma pergunta impertinente tem me assombrado nesses dias inglórios, como louros de uma conquista às avessas. E ela ressoa em cada página, submersa: “Quê dizer?... Quê dizer?... Quê dizer?”. E me vem de súbito aquela impressão que depois de tanto tempo, depois de tantas palavras, já tão somente falo sem dizer nada. E mesmo que de fato eu diga, o fato de não atestar naquilo uma considerável parcela de entendimento e luz própria, de não reconhecer claramente o que quero dizer, para mim, é provável que eu já não diga nada. E que apesar de tantos riscos, de tantos símbolos, de tantos desencontros, de tantos pensamentos e paredes, finalmente me perdi por inteiro. Se estou pessimista, indigno, reconheço: é porque me falta significado – essa substância do espírito, que de tão imensa já não se enxerga – e que nada em minhas lembranças, nos relógios ou na razão apresenta uma mísera migalha de segurança ou garantia.
Mas enfim... Será que isso importa?
Ou ainda: será que isso já não é por si só encontrar-me todo significado?

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

água queima

era um lago vazio e profundo
- vazio, pois não era morada,
profundo, porque era mistério.

e cada gota d'água que ali
suavemente era plantada
sumia, virava lodo.

e cada corpo que lhe pungia
a tenra superfície, morria.
esgotava e secava o movimento.

e cada sonho, ele dissolvia.
e cada alma, ele consumia.

somente a dúvida ele alimentava.
e ele crescia e inchava,
até que sumia o próprio dia
até tapar o próprio Sol
até encostar na Lua.

o lago, algo como coisa viva,
a tudo destruiu, e de subto calou.

passou dia, passou-se eras.
e o lago, apesar de maligno,
estava calmo e imenso.

os homens, por desmedida,
lhe nomearam Oceano.
os homens, por ingênuos,
lhe chamaram Pacífico.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

que nome é possível?

coisa de uma cena que me angustia com uma dose inoculada de remorso.
dessas que aconteciam todo dia, no início de tudo. no início do meu início. na inexorabilidade da minha própria existência.
algo que como uma comoção incomoda, quer perfaz minhas artérias, minhas veias, meus pulmões com a baforada seca a acre de minha mudança, de meu apaziguar-se, da minha inegável estupidez. da minha configuração, adaptação, do meu deixar levar. e capaz de emudecer-me de tal forma, que meus olhos, percebo, estavam surdos.


se fosse obrigado, culparia a metrópole, e seus úteros podres, que só parem destinos falhos e abominação. ou à psicologia, grande mestra de muita de nossas ignorâncias. mestra verdadeira, pois nos educa e nos justifica. nos torna impunes por natureza, naquele mecanismo de auto-preservação, que aniquila o terror que nos assola nas calçadas imundas, nas praças, nos becos... a ponto de eliminar o desconforto da desgraça iminente. sedando-nos, e nos insandecendo.
mas a verdade me força a maiores razões, a uma maior distância. ela me joga nu na rua fria de uma realidade pavorosa, onde a chuva inconstante torna aflito o sono e o coração.
a cena se resume numa praça burguesa da cidade, onde tantos transitam irreparavelmente absortos em seus problemas, uma multidão de solidões.

no meio de um canteiro gramado, uma mancha se meche e respira. a era um menino, mirrado, uns 7, 8 anos, encolhido debaixo dum trapo, adormecido por entre a orquestra violenta da total indigência metropolitana.
passa uma mulher:"por favor, onde fica a Rua Ceará?" numa voz de outras terras - nordestina, com certeza, roupas bonitas e simples. achei irônico aquilo, sorri por dentro. respondi:"acho que uns dois quarteirões abaixo. mas não tenho certeza. pergunta naquele bar, eles devem informar melhor." seguiu-se um"obrigada" de sua parte e da minha, "boa noite".


eu fumava tranquilamente. a chuva fina não era problema meu. ponto de taxi em frente... tudo bem, estava já praticamente em casa, 23 quarteirões dali.
a mulher vai ao bar, volta. paralisa-se um instante. vai até o menino, cobre-o com uma blusa dela num carinho quase maternal. deu-se um tempo de um minuto aquela cena. e cada gesto seu me comovia. ela deixa o menino ainda dormindo, se afasta de vagar. toma seu rumo para a Ceará.

a visão me deixou estarrecido. não por nunca tê-la visto, mas por perceber que tinha desgraçadamente me acostumado a ela, nunca percebido a coisa nela como parte de mim.
me culpei, senti-me sujo em minhas vestes, um verme. como me tornara essa coisa que tanto abomino? essa massa mansa, que se deixa levar cega e surda pelas ruas? cabresto?
aquele ato de uma desconhecida a um indigente, puro e simples compadecimento, cheio de um importar-se com o outro, alheio, vago, nulo, perturbou-me.

parecia que eu havia recobrado a visão, e uma dor necessária me tomou. remorso, egoísmo, indecência. deu-me vertigem suspender o manto transparente da realidade.
aquele menino, tão humano, tão igual a mim... apodrecia com o que parecia ser o meu consentimento, com a minha inércia. senti-me horrível. perguntava-me porque. vi que algo na alma, somente nela poderia despertar essa sensibilidade. perguntava-me o que meu pensamento, o que a minha vida poderia fazer para ajudá-lo. não para limpar a minha consciência, não para livrar-me de um fado pesado. para libertar-me de uma cegueira, para mover-me em ação definitiva.

pode o pensamento de um só realmente mudar o mundo? sempre me parece que não. mas não me conformava com essa resposta. que podem os sábios e os poetas em seus gabinetes, em seus livros contra essa maldição?
parece-me que tudo agora tornou-se frivolidade. mentes dissonantes com a verdade, aquela que tanto se busca e tanto se esquece. a vida não são pensamentos nem palavras, como tudo que eu era, como tudo que sou. a vida é maior e pior, mais baixo, mais ventre e entranha. a vida é estômago, não cérebro.
resta-me essa sombra de inutilidade. esse persistente despropósito. esse pó.

o menino, continuou a dormir, na chuva. tentei acordá-lo, me afastou, ainda dormindo. "você vai se molhar, amiguinho! acorda!". nada. a chuva aumentou sentei-me ao seu lado, esperando que houvesse ainda resposta diferente. nada. dez minutos fiquei, remoendo as sensações. por fim, largando-o miseravelmente ao abandono, fui ao taxi: "pega a francisco sales."

e cá estou. incomodado. confuso. como a derramar bile em linhas, em palavras. confinado na minha insignificância, na miséria alheia, que se fez minha. sou parte disso. não como eu pensava, mas como realmente era. dói-me. recolho-me.

como será o mundo agora?

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

o rei dos ladrões

escreve e não esquece:
o muro da tua casa
é tua guarita de guerra.

se estranho se aproxima,
não espera! atira!
e ferra o desgraçado!

não deixe a porta aberta
segundo algum, nenhum dia.
põe cruz dentro, contra bruxaria.

não estremeça quando o medo,
o de mãos terríveis, lhe tocar.
sê firme! e morre, sem ralhar.

à noite não durma,
de dia espera e guarda
sua madrugada.

e aguarda que te encontra
esse pior bandido, inimigo copioso:
esse amor sem razão ou consolo.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

dum lugar no tempo

de todos os cantos
murmuram livros de vento
com vozes de pardal e sabiá.

a tarde enaltece a paisagem,
as idéias suspiram novos lares
e repousam nas prateleiras.

olhos atentos procuram
palavras, versos, teorias.
a tarde anoitece a passagem.

a porta está entreaberta,
as crianças gingam, esculacham,
e cadecem de novos horizontes.

há uma infância toda
enclausurada e livre
nas mãos de Fernandos, de Carlos, de Ligias e Cecílias.

cada página respira.
vilas aparecem, passam laranjeiras.
Lucas lê Crosué nas casas de Minas.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

a última lembrança

tenho medo do escuro, mãe.
deixe a luz acesa.
cada dia é um segundo, mãe,
antes que eu adormeça.

deixa fora, mãe, esse medo
ele não deixa a paz.
esconde logo esse silêncio,
ele não se desfaz!

tudo agora é vazio, meu filho.
deixe estar.
o mundo é farto e eterno fastio,
o que resta é esperar.

deixa disso, mãe! vem! se mexa!
a porta está aberta, é só passar.

vai-se embora! corre, menino!
é a sua hora de atravessar.

que é isso que cê treme, mãe?
alguma coisa aconteceu?
não é nada grave, querido
é só que agora me anoiteceu.

quê eu fasso, mãe? agora tá tão frio!
por que dessa voz rouca?

vai-se embora que a manhã é pouca, filho.
não te esquece que a brisa é sempre abrigo, e vai.
o Sol te aquece, e não esqueça:
cresce! voa! corre, menino! agora o seu destino é seu.

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*imaginem um violão tocando ao fundo,
encontrem um ritmo...
será que eu paro por aí?

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

os sonhos dos eternos

se eu tivesse o sonho
que eu não tenho,
dançaria na chuva
enregelada de amor.

se eu tivesse o sonho
que eu não tenho,
beijaria o som
de tua terna voz.

se eu tivesse o sonho
que eu não tenho,
regaria teus pés
com olorosos perfumes.

se eu tivesse o sonho
que eu não tenho,
saquearia da noite
as tenras estrelas.

se eu tivesse o sonho
que eu não tenho,
desejaria mais um
para não ficar só.

ah, se eu tivesse um sonho...
seria sonhar realidade
mais pura, mais branda
e mais ardente - tempestade.

arremessos

Atirei
uma pedra
no rio.

sorrio
sozinho
a espera
das ondas.

a pedra
fincou
o pé
na água,
e ficou
pra dançar
no raso
do rio.

domingo, 12 de outubro de 2008

fico a pensar se algo de novo a me esperar na próxima esquina.
e desejo que por um instante a imaginação não me escutasse
e o mundo perecesse mais equilibrado...

será que compensa?

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

mil coisas

de repente, inadivertidamente, passam mil coisas na minha cabeça. cada um com um peso diferente, com um nome diferente, com um destino diferente.
e eu no meio e eu abaixo disso, imaginando as coisas mais escuras ou claras do que elas são, sem saber o que me diferencia delas. sem saber o que me liga a elas. sem saber o que ser.
sem saber o que dizer para me reconfortar dessa pontada de desânimo, dessa manhã clara, nessa vadia sorte de principiante, que escolhe a todos e à ninguém.
vai ser difícil, pensei, mas nem tanto.
há coisas piores do que cair no poço.
não encontrar a saída desse, não saber onde é pra cima. não saber que sempre se está no poço.
não saber que isso nnão é ruim. não entender e se matar aos poucos por isso.
mas as coisas continuam no fluxo de um rio. cair no poço pode te levar por leçóis de terra, abaixo dos pés e da razão. até florescer como água nova, lívida, fundamental e precária.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

...o que será que é isso?

é o que acontece quando acontecem essas coisas inadiáveis, incompreensíveis?
algo que comove a alma, corrompe a mente, deixando as núvens vazias, as flores confusas de cor. Deixa tudo envolvido num mistério, num fogo sem luz, numa sombra branda, num vento de um afago. Uma carícia vazia, um beijo oco, num fluxo inédito, desconhecido, desses terrenos do espírito. E algo muda.
Seria paixão? Creio que, antes, medo.
Uma ânsia perante o abismo, onde todo caminho acaba...
Acaba? não.
A queda é um vetor, uma seta, um caminho igual e oposto a tudo que existe... a tudo que se conhece.
E perceber que essa queda é o caminho é o passo vital. Pois, é preciso lembrar, o tempo arrasta sempre em frente, sempre em frente, sempre em frente, como uma máquina prestes a nos esmagar em suas engrenagens sujas e enferrujadas. É uma marcha comandada sem condecendência, sem compaixão.
É preciso uma saída! Mas não há portas.
É preciso vontade! Mas não se encontra desejo.
É preciso esperança! Mas não há saída.
Tem-se a impressão de que certas questões não se resolvem, nem exixtem para isso. Elas estão vagandopor aí: uma interrogação semresposta... e por um momento, me lembro: Como isso é bom!!!
Aquela chibata que fere, sangra e aflora. Mas cicatriza, amadurece e se torna alegria. É uma felicidade assim, pura e ingênua.
A instância da existência, que comporta tão bem esse peso e esse gozo, essa escolha e essa perda... essa tentação e esse desejo.
Acho que isso é viver

domingo, 28 de setembro de 2008

secular


as horas têm uma mania curiosa de passarem vagarosas no domingo...
não há nada que se possa esperar nessas tardes monótonas.
nem salvação, nem paz. é tudo uma comunhão estranhamente familiar entre tédio e energia.
algo que preso no peito, perversamente converte a libido em pecado, inalienavelmente.
nem a solidão é pura, nem a comunhão liberdade. é uma flutuação entre a carne e o espírito. uma vontade louca de estrapolar a tênue linha da abstinência. o prazer que invade a santidade e se espalha vadiamente pelos pêlos, pela nuca, pelos seios... e desce.
o inferno está coberto de confissões e falso arrependimento - pois não há porque se arrepender.
pende a luxuria vagarosa no relógio, a preguiça inabalável, o desejo quase mórbido de ater-se para sempre num segundo antes da fatídica segunda-feira... descobrindo que há espaço no tempo secular do domingo.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

despropósito

se quiseres um fado, te dou.
um que tenha asas de tinta
e pernas de cobre e aço.
um que cante sem voz.

se quiseres um fado, te dou.
um com tinta de ácido
e sabor de morango.
um que é gozo e algoz.

se quiseres um fado, te dou.
um que vagueia manso
e termina tanto bruto.
um que desfaz a vida.

se quiseres um fado, te dou.
um que atormenta a hora
e suspende teu medo.
um fado chamado poesia.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

regras do jogo

I
pequei por mim.
algo que, como assim,
peguei pra mim.

II
en passant desdigo tudo.
não foi por mal
mas, às vezes, eu erro, sim.

III
en passant, desligo tudo,
mas, às vezes, não é assim,
todo eu que há em mim.

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à nós, Rafa.
e às (n/v)ossas Dissoluções Filosóficas

intuição n°1 [ imagens irremediáveis]

deve ser porque existem muitas palavras no espaço. pregadas com selo de vento, espalmado.
deve ser porque nunca se mede onde cuspir, nunca se pede o que cumprir. porque nunca se mexe. está ali.
deve ser porque de nenhum outro jeito seria, se não fosse exatamente como não é.
é o demônio no paraíso.
deve ser assim...

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inspirado em
Apenas Sinta.

*fui lá e me deu medo e sabor.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

proibições n°4 [devaneios metafísicos]

...a alma não é coisa que se limpe, pois tão pouco é coisa que se suje. nem algo que se use, ou desuse, nem se abotoa.
não gosta nem não gosta, não ama, nem não ama.
nem alma, nem desalma.
nem lama nem pó.
a alma é roupa queimada e sem sujeira, limpa, mas faceira.
pronta a nos enganar, tomar posse e nos abandonar.

alma é pior do que puta!

proibições n°3[do bem]

e o bem último não é igual felicidade. é algo assim, que não sei como é.
mas assado, e não assim.
se fosse assim, seria fato fácil na vida por um fim. sem que ninguém se canse, ninguém se acuse ou cause descontentamento...

a vida sem felicidade seria muito mais feliz.

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*felicidade como compromisso último é pura falta de criatividade.
e de liberdade.

proibições n°2 [eu]

pois que percebi que nunca disse, nunca fui, nunca amei, nunca sorri, nunca ideei, nunca explodi, nunca gritei, nunca bebi, nunca trouxe, nunca construí, nunca urinei, nunca ganhei, nunca fodi, nunca vinguei, nunca cansei, nunca cresci, nunca nasci, nunca chorei...

eu nunca nunca.

nunca.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

explicação para mudança abrupta de humor

estou estranho:
algo invade o meu peito...

acho que é a felicidade
fazendo ronda
no terreiro.

mias

pra ser sincero, existem punhados de coisas que me instigam. punhados panhados na terra e na núvem, e no outro, e no amor, e no tempo, e no mar, e no seio da namorada, e no adeus, e na chegada, e no sorriso da idade (da velhice e da infancia). na pergunta que não cala, e que não sabe que é pergunta.

segundas intenções e uma péssima poesia

sou o calor que lambe as pernas das meninas
a malevolência do olhar
o fraco do vencedor
a vingança da sensibilidade lúdica
a pura vadiança das vizinhas
o suor escondido dos meninos
a pululança dos gemidos escorraçados
os segredos dos pais e dos filhos

eu sou desejo.
minha casa é a varanda
a sala a cama o mato o suspiro
a senzala e a casa-grande
o cristão o judeu o árabe e o ateu
a África e o mundo desde a Etiópia
a China e América e todo canto
que esvaece de gozo a cada instante

*dados estimam no mundo constantemente, a cada instante instante, uma média de 60.000.000 (60 milhões de pessoas) estão transando... O que você está esperando?? contribua para as estimativas continuarem altas!!

carta n° 9 [atrás de um momento]

se você olhar bem, existe um riso por baixo de cada acaso: um riso que resiste à perseguição da normalidade, um riso que reside nos nossos desejos, e que insiste na fuga desenfreada da regra e da norma.
aprenda a sorrir com os seus acasos, caro amigo. eles muito nos revelam sacanas e humildes comediantes de sentimentos, poesias, romantismo, sonho e desejo.
porque o acaso, é como papai noel: só existe se acreditamos nele. e acreditando nele, acreditamos em nós mesmo, nus e crus, na esperança de algo que quebra a monotonia de nosso destino grandiosamente indigente.

proibições n°1 [felicidade pode?]

não, não pode!
nada além da verdade
pura e a priorística
de um ser definido
sem decisão.

há algo como o quê
de um destino incisivo
por baixo do poder
da vontade, fatalidade!

passivo a tudo,
à hora, ao inferno,
à lombriga na entranha,
na estranha condição
esta de estar vivo.

domingo, 31 de agosto de 2008

despejo

a poesia está morta
não ressurge, nem salva
está só e desgastada
no relento da relva.

foi
encoberta e sangrada
pelos degraus da escada do progresso.

regresso
e minha casa já não é
casa
não é linha
nem verso.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

espectacula

se quiser ver
minha alma, vê
agora! - e somente agora
ela está sincera.

e franca e fraca.
e na fraqueza, está bela.
então, olha!

como ela se despedaça
suavemente em olor de laranjeira
nessa brisa breve, em cor carmim.

vê que ela sublima, não anda.
evapora, não mais espera
se esvai pelos meus olhos,
a mim podre me abandona.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

carta n°8 [mocinho e bandido]

- meus heróis não são feitos de carne. há neles um tanto de sonho e destreza. e muito mais que força, há vontade. e além de tudo, existe uma tendência homicida, que reside branda, como que adormecida, em cada um deles.
gloreamos a seu desejo de sangue, de brutalidade, da sua monstruosidade redentora, que nos permite ir mais além do que nós mesmos, retrocedendo-nos, ao desejável nível de animais, e ao desejado posto de predadores indomáveis.
pobres e miseráveis mortais que somos, botamos um sonho pra lutar, violentar, massacrar, e engolimos toda a repugnância de nossa vida regrada, tediosa, previsível, mesquinha, humana.
só eles, os heróis, podem levar a glória de um assassinato, de uma vingança, de uma justiça, de um amor, de um sexo. afinal, eles é que batem, correm, vigiam, perdoam, esmigalham e fodem como ninguém. (e já aparecem com mocinha diferente no episódio seguinte... despedidas sem grande serimônia, nem flores, nem desculpas).
nossos hérois criminosos, hediondos e ridículamente exagerados. que não habitam o cume da imaginação humana, mas apenas o monte sagrado de seu desespero, guardado a sete torpes chaves de moral.
- nossa! porque tão aflito?
- sei lá... acho nunca vi ninguém chorando no funeral do bandido.
----
porque o meu herói tá lá é pra meter porrada mesmo!!! hahahaha

fatabilidades

se não choras é por ser triste
se não ris é por bobagem
se estas firme, há de cair
se estas morto, és passagem

se te alegras é por engano
se te sobra, é a fotaleza
se te falta, é mais leveza
se enalteces, és abandono

se há ruptura, és covarde
se meio dia, és alarde
se plenilúnio, és quimera
se partistes, assim quisera.

pergunta

quanto vale um canto?
será que mais que o papel
ou o que sonho?

valores

valeria
valer
Valéria?

a visão à beira do infinito

meus olhos, enfim, estão secos.
como o concreto firme
sob os rígidos andaimes.

já não há rios nesses olhos
nem poeira, nem estrada,
nem salvação, nem caos.

e parecem ver estáticos
estrelas pontiagudas
que nunca sessam de brilhar.

nunca, nunca, nunca...

os meus olhos eternos
já estão cansados
de ver o mundo acabar.
___

imagem: http://img5.travelblog.org/Photos/47789/224722/t/1741246-The-Eyes-Won-t-Leave-Me-1.jpg

sexta-feira, 11 de julho de 2008

rit(m)os?

Meu Deus! a vida corre
e tenho pés calejados.
e os ouvidos calados
e a boca alejada e dura.

e está perdido e achado!
tudo que eu quiz
a não ser aquilo
que me diz minha falta.

que há nesse calor
que não sinto
e que já se foi na pressa
e na presa do tempo?

desgaste-cronologia

nesse breve suspiro
não há espaço
para floreios.

tudo é muito grande
mas não inteiro
entre dois rios.

há um rio que sobe
o outro que desce:
passado e fluente,

num espaço pequeno
que encerra
dois momentos.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

das baladas de amor entreabertas

bem que se quis depois de tudo ainda ser feliz.
mas não há o que fazer, além do que a vida diz
e tudo que resta é morrer no mar - de horror
quando se esquece o que vem da verdade, amor.

vem pra perto vem, vem de pressa vem sem fim
porque o meu fim já passou. não me resta tempo
ou vontade, e tudo além é potestade - e marfim
frio que alcança o pudor e a morte no escoupo.

me beija e me faz esquecer - dos meus medos
de tudo que errei, e da tanta falta que me fiz,
e de tudo que deixei escapar pos entre os dedos
pra que se queira, se possa, levar e ser feliz.

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sinto que falta dizer alguma coisa, mas não tenho tempo no tempo que tenho

segunda-feira, 7 de julho de 2008

desmatérias

algo como um grama de beleza
está perdido do teu rosto. caiu
e - benção! - veio dar no meu olho
como um cisco de um sonho.

que parte mais de ti carrego eu
que comigo embolo a balada?
e na novela inenarrada, quê
de tudo mais que anda nessa terra?

saiba que contigo levas, despecebida,
grande parte de minha alma,
e mesmo dessa lama que escorre
dos meus dedos, filho do barro que sou.
--

do dia que me apaixonei pela Vênus de Milo.

sábado, 5 de julho de 2008

logo que tudo fizer sentido, retomarei as rédeas da galáxia, que se agita brava, selvagem, despedaçando todas as palavras.
no momento, estou perplexo, no instante entre dois momentos, à espera de que algo aconteça derrepente e perpetue em minha mente todas as experiências pueris de inocência.
no momento, todos parados e eu no foco de luz sob a lareira baixa, a cantar minhas mais claras cartas de desejo podre e farto.
existindo à espreita.
insistindo na escrita.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

carta n° 7 [de amor]

estátudoditononossosilêncio
teamoepontosemexplicaçãosemnecessidadedemedidasemomenorsentido
teamoporqueteamoebasta
teamoemeamoeamoamaratalpontoquenemespaçocabeentreaspalavras
teamotãoloucamentequenãomemeçopelagramáticaoupelosenso
teamoenãorenegoador
teamoeamo
teamo,amor
---
gozado essa carta tão cármica a um número tão cármico estar relacionado
poderia dizer muitas outras coisas, mas me abstenho para não quebrar o clima
quem sabedaí não nasce outra carta, de compromisso maior e menor que o nosso amor?

a aline

segunda-feira, 9 de junho de 2008

carta n°6 [da solubilidade do ser]

são tantas as vozes destoantes que já não sei qual é a minha.tantos olhares curiosos, e tantas máscaras já usei, que não me lembro do meu rosto.tantos caminhos, que perdi meus pés.tantas melodias que já me esqueci as letras.tantas as tardes que me esqueci das horas.tantos sonhos que eu perdi o senso.e tantos danos que já perdi o sono.
tantas quantas coisas, letras, pessoas, momentos, palavras, pernas, desejos, noites e dias, poemas, folhas, anúncios, covas, passos, teorias, mentiras, beijos, filmes, discos e fotos e fatos e viagens e chegadas e partidas e perdas e ganhos e sons e núvens e rios e tanto mar que já me dissolvi tanto e tão completamente
que mil vezes eu ganhei
e me perdi.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

carta n° 5 [dos passados]

como tenho saudades daqueles tempos
que só voltam um segundo, se tanto
nessas fotos esquecidas no espelho.

existem lembranças, amigos, intentos,
tantas coisas que não se repetem
que não se retém - mesmo em sonho.

mas, antes que o coração apodreça
é melhor que se diga, de pressa:
não descumpro minha promessa!

não esqueço, me esforço e detenho
qualquer coisa mais em pensamento
que as velhas lembranças surradas
e nossa velha inocência perdida.
--------
... morrendo de saudades de tudo aí.
partes de mim que ainda não encontrei, residem aí, nas praias, escondidas na areia, no parquinho, na velha escola abandonada...
tanta coisa tão perdida e tão achada quebrada de baixo do tapete, atrás das cortinas do vento.
há uma coisa de lembrar o passado que nos consome, percebe?
algo que lacera e revitaliza, sem nunca apagar de todo, sem nunca se deixar morrer de todo... sem nos deixar morrer de todo, pelo menos.
um grande abraço na turma toda, especialmente em você.
anos que não vejo ninguém, a imaginação voa alto e pesada...
como vai tudo?
grande abraço.
mande notícias do mundo de lá.
__
escrita para Vitória, a cidade que habita uma parte nebulosa do meu passado, e para as pessoas que lá habitam, na cidade em mim.
acho que ainda tenho alguma corrente me prendendo lá, de forma deliciosa - e triste.
30/05/2008

segunda-feira, 26 de maio de 2008

verborragia sabedora

alguma coisa eu sei por ouvir dizer que se sabe sabendo que tudo que se sabe sabe-se ao meio e pouco menos que as coisas lúcidas são sabíveis descobri que saber é pouco mais que estar acordado mas sabendo que se sabe assim somente a metade há de fazer saber que saber é também dissabor pois nada saber é melhor que saber metade do que há para saber
porém se sabe-se que a metade outra não se pode saber a metade é saber tudo pois se sabe que não podemos saber o que é impossível saber saber metade é saber o que há pra se saber e é portanto saber tudo
mas do dissabor do saber metade isso é a saber a coisa mais sabedora entre os saberes e os sabores
saberás que não há sabor real em saber e saber não tem sabor pois não queima nem esfria não fede nem cheira não sabe nem não sabe
saber é não saber e isso é saber pois sabendo que não se sabe faz saber que sabemos o primordial que saber não se sabe
e isso é saber o bastante
__
imagem: www.camiseteria.com/design.aspx?did=16664

terça-feira, 20 de maio de 2008

carta n°4 [a carta que eu não te escrevi]

Não me pergunte sobre aquele dia, pois me foge a lembrança. Coisas que são melhores esquecidas. Mas sempre levo teu rosto (por benção ou maldição). Sei que o tempo era muito vasto e muito curto, e que o espaço despedaçava. Diluia em lágriams algumas que brotavam puras e benevolentes à dor, criavam cravos e rosas e flores do campo, pequeninas e brancas em numerosas coroas.
Lembro que a memória refestelava, e que a alma se partia (tamanho golpe que, sim, me lembro como se fosse ontem). Lembro que na fenda ficou vazio. Lembro que o vazio se encheu de veneno, que matava toda graça.
Lembro que tudo que fora dito, foi esquecido. Lembro que só me ficaram (ainda até hoje me perseguem) as palavras não ditas, entaladas, mutiladas no silêncio.
Lembro do travesseiro duro, da coberta fria, da noite demente que se arrastava perante as estrelas.
Lembro que o dia amanheceu como um desejo agonizante de viver...arrastou-se, arrastou-se...
e lá pela quase meia-noite dormiu.
Nunca te perguntei: como você gostava de mim?
Sei que eu nutria por você, e não me era segredo, inveja.
Uma inveja brincalhona, como que de um fã, de irmão mais novo. Minha vontade era mesmo te encontrar cada vez mais no meu espelho, no meu espírito. Queria ser como você, andar como você, falar como você, agir, sentir, pensar, amar e sofrer como você. Muitas vezes me odiava, se não pela minha incompetência, pela idiotice dessa inveja. Na verdade, ela ainda existe.
Nunca tive pena de você. Senhor de si, sei que havia algum motivo... E se não tivesse, não importava. Mesmo naquela madrugada que deprimia até a mais cálida rosa branca.

Não tinha pena, mas já não tinha inveja, nem ria...
A dor era tanta naquela despedida tão definitiva, tão eterna... perdia-se o sentido.
Enquanto te escondiam com madeira e terra e cruzes e números, mesmo assim submerso, te sentia ainda soerguido, vivo e inteiro, ao meu lado no vento, murmurante... em mim.

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OBS:
a única e verídica carta
04/03/2007
(para o bruno)
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imagem:http://damdam.typepad.com/_au_fil_de_mes_journes_/images/2007/03/14/78341958_73af52f87f.jpg

segunda-feira, 19 de maio de 2008

carta n° 3 [sobre as cartas]


porque acho que na verdade são as cartas que nunca recebi,
as palavras que nunca compartilhei comigo mesmo, ou com outrem.
e porque a poesia não se limita a versos e músicas.
porque não preciso ser coerente.
porque não é preciso a poesia.
porque há outras formas de se dizer o que se deve dizer.
porque é mais sincero porque é confortável porque faz bem porque é preciso
e quase necessário.
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imagem: http://www.cs.kuleuven.ac.be/~dirk/.image/ada-letters.jpg

domingo, 18 de maio de 2008

carta n° 2 [conselho aos amigos - ou do caminho]

caros amigos, não se iludam!

a vida dói. mas tem lá seu mercúrio cromo e vermelho. toda ferida há de sarar, e todo desalento há de passar.

esperança, essa idiota equilibrista bêbada, resiste infinita à queda na face bruta da realidade.

toda tormenta há de acalmar, toda malícia há de sumir e todo caminho há de acabar. e só se têm felicidade verdadeira, quando se descobre que na verdade

, não existe caminho algum.

PS: detesto sair de casa. me lembra que eu sou menor que o mundo.

__
imagem:http://pensadora2.blogs.sapo.pt/arquivo/caminho%20de%20ferro.jpg

sexta-feira, 16 de maio de 2008

CORPUS 1


I - do natural
põe tenção em cada músculo!
percebe a força da carne,
sente o ruído estrondoso do sangue!
conquista a forma perfeita
de cada músculo tracejado,
as víceras bem ordenadas
e a opulência da forma rija
de cada membro de teu corpo.
tateia no teu ventre a perfeição
gutural que incide sobre a fibra
de energia, beleza, vitalidade.

faz observar teus pés
sente o poder de cada passo
a retumbar no universo
com estrondo divino ao pisar o solo,
sente o poder incontestável: anda!
torna a pisar como se fosse um deus
com segurança e força,
dos pés às pernas tuas.

pega com firmeza descuidada
com as pontas dos dedos
cada centímetro puro de tua área
indelével, nos teus ossos, como na pele,
elege a forma perfeita do braço,
das coxas, dos ombros: a forma sua!
__
imagem: http://www.zipt.com/images/body.jpg

CORPUS 2


II - do narciso de cada um
sente o fulgor que aflora
desde os seus olhos e boca
até as costas, e desce...
displicentemente.
renda-se ao fogo amável
que sobe pelas pernas
lambendo-lhe a virilha,
tocando-lhe o sexo...
revela teu desejo!

enaltece-te! venera-te!
arde-te! consome-te!
consuma-se!

renda-te ao menos uma vez
ao teu prazer aprisionado
mais primitivo, repudiável, lancinante!
lamba-se os dedos e os lábios.
toca sem mesura, com carinho,
com esse amor tão sujo
cada parte dessa pele que te limita
cada sensação, a mais escondida.

toma proveito da primazia do corpo ilimitado
que só se encontra no teu desejo imediato.

toca tua silhueta,
amamenta-te e deleita
cada segundo de sua vontade.

ama-te!

goza teu corpo!
domina teu corpo,
esbelto e pleno,
belo enquanto puro,
e forte e inteiro.
__

CORPUS 3

III - do tempo
aproveita a força reunida
o amor próprio resgatado
e foge!

corre das cidades, dos outros,
de ti mesmo, do tempo.

pois quando o espelho alcançar-te
muito antes do desejado
pouco antes do esquecido,
do teu corpo tu há de sentir
apenas a falta...

decairás!... aos poucos.
e se convencerás do contrário.
mas na certezado engano,
até negar-se a ti mesmo, enfim.

ama-te agora
pois que no futuro não distante
terá perdido tua face,
teu vigor, tua forma.
mirrarás na pele e na vontade.

e cairás por terra,
e serás terra
e nada mais
nem ti.
__
ELIZABETH FRINK (1930-1993) Running Man, 1976

CORPUS 4

IV - do amor

amei luzia como se amasse a mim
luzia luziu, reluziu, brilhou, sumiu
fiquei em luzia, me perdi de mim
ao acaso ando, sem face, sem luz
pois nem a vida sem luzia me seduz
devagar esmorecerei no esquecimento
e meu corpo se apagará n vento
até que em luzia eu volte a mim,
quando eu for consumido pelo tempo
no momento eterno do meu fim.

não amais no mundo alma segunda!
pois só lhe há de trazer sofrimento
e tudo, depois de prazer, será lamento
nada que não a causa de dor profunda.

conduz teu amor a ti - creia, te basta!
do contrário encontrarás pena nefasta
na beira da morte do ente querido
só uma parte de tu'alma irás consigo
e quebrantado viverás, sem abrigo,
o próprio amor negarás, te digo!

amor não é essa coisa que prospera
pois eis que após o amor, reina a espera.
ó amor, se vais, mata-me contigo
não me abandona na espera sem sentido.
__
imagem: http://www.nrfoto.no/03art/artgallery/pages/body_01.htm

CORPUS 5

V - da morte
do que se fez não há mais nada
tudo é vazio é tudo é vazio é tudo
há somente uma pena ritmada
vazio e nada e vazio e nada e vazio
mas se escuta ainda um canto pio
tudo oculto tudo oculta tudo tido oculto
que reina acima nessa hora sagrada
nada e tudo oculto no vazio é revelado...
__
imagem: http://images.artnet.com/images_US/magazine/news/artmarketwatch/artmarketwatch5-15-3.jpg
Piotr Uklanski, Untitled (Skull) 1999

CORPUS 6

VI - do além
plenitude joga teus raios sobre mim!
nada me perturba, nesse canto de jardim.
pouca coisa ou nada me incomoda
- nada sobra, senão um pouco de tédio,
nada falta, senão um pouco de desejo.
__
imagem:http://www.antiques.dk.com/assets/420/10357149.JPG
Emile Albert Gruppe (1896-1978) - Nude at Forest's Edge

CORPUS 7

VII - da encarnação
Papai do céu, me põe no chão!
Lá na terra onde todos estão
meio perdidos, como grãos
num grande galinheiro.

Papai do céu, não me lava a mal
mas é que sinto falta de agito
do corpo que roda, sofrido
e amado, caído qual pião.

Papai do céu, não se aborrece
lembra que eu faço boa parece
não me esqueço do senhor, não.

Papai do céu, vê se me nasce!
pois aqui há perfeito amor e enlace
mas meu peito sente falta de paixão.
__
imagem: http://hesperia.canalblog.com/albums/etudes_de_leonard_de_vinci/m-Etude_d_enfant.jpg
Leonardo da Vinci - "Etude d'enfant"

quinta-feira, 15 de maio de 2008

do ex-aprendiz



decláro-vos, hoje lhes nasceu um poeta!
- a novidade: não sou eu.
não sou poeta, se de fato este não o for.
pois se é que eu sinto dor,
ele a tudo e tudo e todos interpela.

foi parido pelo mundo poeta maior
poeta que não é só de vento
é carne e osso e pó e nó e dó
e ré e mi e fá e só lá si dá
com tudo que há para se versar.

filho, de versos roubados, alheios, ocultados:
toma para ti todas as palavras!
toma até minh'alma, se for de préstimo.

mas se essa não é de nunhum acréssimo,
devolve-a, para eu rendê-la aos vossos versos.

estou feliz, de fato: rio como quem é superado.

----
*pro rafael
__
Boy Writing (White Bonded Marble)

sábado, 26 de abril de 2008

da crítica - n°1 [o problema do mundo I]


meu filho
que não é meu
olhou no meu olho
já sem a vida
que eu lhe neguei
---------
*há momentos que não se deveria perturbar a imagem, viceral e aterradora como só ela, com a palavra mesquinha e pequena. mas é porque algo me dá voltas no estômago que fica meio impossível não vomitar algum verso.
__

da simplicidade do universo


criancinha andando com papai:
ai, acho que tropecei num planeta!

__
imagem: http://spaceflightnow.com/news/n0010/01darkmatter/001001universe.jpg

sábado, 5 de abril de 2008

apesar das aparências

por menos que pareça
(nas linhas erradas escritas)
sou eu feliz que escrevo,
rasgando a flor púrpura
da animosidade celeste
num deboche agridoce
à minha vã personalidade
- infame e intermitente.
__
imagem: http://www.telefonodelaesperanza.org/img/uploaded/noticias/mascarasteatro.gif

my happy ending

que se perceba
em análise sincera:
viver bem é procurar
a sircunstância adequada
para morrer melhor.
__
imagem: http://www.organic-city.com/apple.jpg/apple-full.jpg

no consultório psiquiátrico

distúbios psicóticos
depressivos,
ansiedade
neurotrasmissora,
hipnose anciolítica,

etc
e ECT

-----
*PS:
ECT = Eletroconvulsoterapia
__
imagem: http://www.humornaciencia.com.br/biologia/cadeira-eletrica.jpg

terça-feira, 25 de março de 2008

carta n° 1 [de auto-piedade]

não importa o quão piegas isso possa soar, ou melodramático e auto-piedoso; sei que sentimentos como esses subsistem na escolha de cada palavra.
talvez com essas palavras tão emprestadas e gerais, de algum modo tosco e imaturo, meu coração deverasmente chora-deschorando, chora arrependido e humilhado, escondido, sem mais sequer dizer palavra própria. escusando-se a uma palavra tão estrangeira dele mesmo, que ao encontrar-se de fronte delas ele, assustado, sorri até, reconfortado por não ser responsabilidade de ele pensá-las e possa simplesmente cuspi-las - como a boca joga fora uma bala doce (ou seria azeda?)... mas depois se arrependesse de vê-la descartada, jogada como fosse sua palavra à exposição pública.
me reconforto pela autenticidade do sentimento, talvez. ou talvez me martirizo pelo desconcerto dessa coisa tão fora de mim e tão minha. pois no fundo sei que a dor brotara tão desarvorada que não me deixara clareza ou palavra pura, sendo mais real que muita dor que por aí anda vadia.
e num suspiro de renuncia, súplica, refúgio e desjuízo, me desprendo do meu orgulho, num jargão aborrecido - e nunca tão profundo:

"tenho saudades de mim."

__
imagem:http://www.majarti.blogger.com.br/Solidao.jpg

sexta-feira, 14 de março de 2008

adivinho

o futuro é um porto,
em meio à névoa opaca e densa,
feito de mera miragem
e ausência.
__
imagem:http://imagecache2.allposters.com/images/ARIPOD/40061245_b.jpg
Camille Pissaro, 1888. A Ilha Lacroix,Rouen. Efeito de Neblina.

fluxos


essa besteira, inteiramente,
é meu fluxo de consciência
inconstante, inconsciente.
se restringe a um bote
- qual serpente -
à efemeridade rouca
da minha voz inconsequente.
passa dia pós semana
conquistando império
(ausente)
de casas vazias
- qual romano -
com palavras gregas
instransigentes
esquecidas nas portas
de-batentes.
é fluxo de rio que bate
no mar gigante
e some, exaspera, transborda
num oceano titânico
indiferente.
__
imagem: http://members.optusnet.com.au/aquatichabitats/sepik_river.jpg

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

a imagem irrefletida (ou o espelho esquecido)

sou feito de chuva e de fogo
sou fruto do acaso e da luta
e do medo, d' alvura, da lama

sou aquilo que clama
numa oração profunda
e mal acabada por tudo que
suspenso no momento
me escapa

sou a colheita impreterida
pretérita, insuficiente,
da carne-viva e desnutrida

sou o verme no ventre defunto
alimento da morte displicente
e tudo que te falta n' ausência da hora

sou a marca vermelha de exílio
que cada homem carrega, em chaga,
no peito suprimida por todo terror
que ronda o sonho, e enegrece a vida
__
René Magritte - La reproduction interdite, 1937

escritura


escreve, filho da terra
acabada criatura,
para que o seu destino
inerte se complete.

escreve e ora, filho do céu
pois a vida vai além da cama
e muito além do passo final
e torto de cada homem.

escreve e chora, filho das águas
para que o pranto vaporoso
pelo vento te eleve em parte,
para algo além do medo.

escreve, esquece... vá embora
que de linhas tortas já se bastam
aquelas maiores e invisíveis,
escritas e esquecidas por Deus.

sábado, 26 de janeiro de 2008

santidades

taciturno, carrancudo, áspero,
recluso, casulo de prata e sal...
como te adoro, nesses dias,
minha pequena solidão!

me abastece e me bastarda
dessa pequena e alegre agonia
eu, teu filho santo e sacro, estou perdido
em algum canto da cama de dossel.

o quarto parece imenso como o silêncio
que se propaga sobre as montanhas roxas
de luto eterno pelo Nosso Senhor
nascido de rocha e madeira

o silêncio parece pequeno
quando comparado a palavras
tão minhas quanto vazias
de insenso e oblação
__
foto:
http://www.photografos.com.br/exibirfoto.asp?id=56069
Ser Mão - Marcelo Lelis (15/04/2006)

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

nota de falecimento

vô deitou-se pra abraçar a eternidade
vovó, cambaleou. seu corpo fraco
quase não era corpo, era alma pura.

ela de corpo mirrado, de feições já corroídas
pelas longas esperas dessa vida...
espera um reencontro - mais um.

vovó não é feita de carne.
se fosse, tinha desmanchado hoje.
aquilo é pedra bruta.

mas que não se esqueça:
pedra também chora
e quando chora, sempre brota um rio.

------
vô, desculpa a distância, e a falta de uma despedida.
mas o que fazer se o senhor parte de surpresa, de um dia pro outro, sem dar explicação nenhuma? talvez não seja das perdas a mais cruel, cê foi um grande cara, grande exemplo. família grande criada na base do cimento e tijolo, por longo tempo.
lembra que vó te ensinou a escrever dereitinho? você já foi tão jovem... como eu.
dominó todo dia, lembra? lembra e guarda: cê era o melhor (pau a pau com vovó).
lembra daí que daqui eu também me lembrarei sempre do sorriso de dentadura, o chinelo velho, a faca de picar tabaco, o carinho, a ternura...
chorar, dizem, é até bom. mas acho que devia mesmo era bater palmas, cara com a maior raça que eu já conheci.
abraço. fica em paz. sentiremos saudade.
até qualquer dia.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

da penumbra


a madrugada rufa em tambores
silenciosamente alçados nas montanhas.
algo há de irromper no horizonte.
algo que não aquece, não conduz
como a luz que se havia de antanho.

as estrelas estremecem e a terra desaba.
quê corre no céu com tamanho fulgor e volúpia?
há um toque de desejo desavisado
que fere o sangue e torpe se insinua.
a lua branca há de romper aurora?

não é a lua. mas como brilha essa tua hora?
será que se lançou na meia-noite?
perdeu o príncipe, o sapato, a cabeça?
perdeu o senso e o sono no tempo
onde jazem as flores do campo?

a noite é inteira taverna e manjedoura.
cativando penumbras ardentes de sonho
e impudentes de injúrias, na alcova.

um cisco risca o teto medonho e escuro.
pontua uma claridade distante e some...
a passo largo, leva embora o acaso e a esperança.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

mutuo

sonho, não me chame agora!
é, pois, a hora morta de viver
tocar a chama do mundo
morder a carne da verdade crua.

tempo, não me prende agora!
e alonga também um pouco essa tarde
que se despede calidamente
no azul enegrecido do horizonte.

amor, sentindo toda tua pele nua
arrepiada de segredos sujos
toco seu desejo com zelo impensado
e calo o pudor que em tua alma ardia.

hoje sou aquilo enquanto chuva, fogo, pedra,
tempestade que se perde e alastra
devastando as juras mais imprudentes
e até mesmo, aquelas outras, as mais puras.

solubilidades

n uma clar
idade
indis
tinta nessa tarde ma
cia,
luza mare
lada d
o tempo con
some
até o po
nto
a
final

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

do que se transforma

ficou tudo um pouco no ar
as pernas, os suspiros, o sexo.
tudo solto e desenfreado,
tão natural como o caos.

nunca se guarda uma certeza
por menor que seja
que uma leve brisa de aprazo
não despele e cauterize,
como ferida e cura.

o mundo, pode ser que
com um pequeno pensamento
catalise.

e se (te) transforme
invariavelmente,
numa alucinação
luminosa.

sábado, 20 de outubro de 2007

acolhida

não se avexe, moço,
desse meu verbo vagabundo
que eu espalho na noite, moribundo.
ele é cão amansado pelo tempo:
já não morde, já não ladra.
- letra, há penas.

entra, doutor, que a casa é rua.
toma todas as minhas filhas, essas putas
palavras perdidas das linhas certas
que se vendem pelo preço menor,
e abençoam pequenos pecadores.

toma, sinhá, meu sangue nessa travessa.
não repara não, que ele tá manchando
tua prata, tão cara.
mas sai logo, não fica.
carece só um muncado d'água.

repara não, esse fiapo que restou,
essa minha figura pouca e sequíssima
como a peste que alastra.

esses meus pés baços de vento
se movem só na poesia.
logo passam, não param nunca
nos olhos de pessoa nenhuma.

viu que eu já me fui?
sou passado dos seus olhos.
uma lágrima? um escárnio?
um sorriso, talves?

sou nenhum, nem outro:
sou uma breve miragem.
nunca lugar - nem mesmo um.
sou todo passagem.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

entregas - desintegras

é sempre como amanhecesse
todo um sol, rebentando núvens,
quando enlaçamos nossos sorrisos.

quando estou em sua companhia.
sempre levanta uma brisa no peito
fazendo dessa vida inteira alegria.

saberiam lá os pássaros mais jovens
o quão grande era nossa liberdade?
quão alto voavam nossos sonhos?

mas é que sempre vem a noite
sorrateira, confundir os passos.
desatando, num instante, dois caminhos.

seus cabelos, despedindo-se ao vento,
dançavam à beira-mar. cada pegada
cravada na areia setencia a distância.
não sabia eu, que cedo ou tarde,
tudo que se faz nesse mundo, finda:
nosso laço, teu abraço, minha fantasia.

não sabia eu que era tudo erro,
mal percebia o engano custoso
que construíra com o tempo:

me abandonei em teus braços.
teus braços me abandoram
no esquecimento.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

a transubstância

essa lágrima clara
é a matéria dos sonhos desfeitos

é essa parede branca
a resvalar todo esquecimento

é essa lua branda
a expurgar todos os defeitos

é essa palavra fria
a lacerar todo sentimento

é essa pessoa fina
a vagar curso incerto

essa lágrima amarga - e clara
como pesadelo mais vivo

que suavemente apaga o sorriso
e docemente dança no meu rosto

retrata tudo que é imperfeito
essa gota de esclarecimento

e é o bem mais sólido que tenho
nesse paço imenso, nessa vida e devaneio

essa lágrima clara, em suma,
sou eu revelado e inteiro

dobrado sob um peso imenso
de um sonho, uma gota, um espelho

-----
a lágrima
é enfim isso que ensina
o fim e a sina

domingo, 9 de setembro de 2007

cala calamidades

perdão pela dura palavra
que você não disse.
desculpa essa pressa,
que torna tudo tão curto.

me absolve esse devaneio
louco que nunca quis te revelar
e esses traços na parede
que não te deixei riscar.

não me julga pela pedra
que eu joguei pro ar
e caiu nas suas costas
pra tu sozinho carregar.

lamento tantas horas que engoli
no tédio insuportável de te esperar
- afinal, como esperar por ti
que sempre carreguei no meu olhar?

lembro dessa falta de sentido
que nunca permiti
e essa tanta desmesura
que sempre infligi.

olha esse poder grande
que eu sempre tive:
de calar o universo
daquilo que eu nunca proferi.

perdoa, minh'alma,
essa minha tão tola criatura
que no defeito te reflete
impura

nesse mundo avesso
do outro lado do espelho
em que o silêncio te espanta
e me mata.

------
*foi, sei, tola a tentativa
tentar te calar pra suprimir a dor.
tudo fica pior quando não te digo
sussurrando no ouvido
tudo isso quanto for
misto de calor e frio
a vagar no meu mundo
no meu corpo à fora.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

dos deveres

deve ser a hora essa
em que o choro pesa,
quando a alma pede clemência
e se perde do peito pio.

deve ser assim que se sente
quando se afoga e agoniza,
erra em tudo aquilo que se tente,
e tudo mais e pouco se esvazia.

deve ser assim no meio de tudo,
quando se perde a calma,
que o medo toma conta
e a esperança vai embora.

deve ser assim que sempre é
deve ser assim porque é preciso
deve ser assim o sentimento do mundo
conciso e confuso no vidro.

deve ser assim que na verdade
sempre me sinto, na vontade
de achar resposta alguma
pra tudo quanto dessentido.

deve ser assim... tormento.
deve ser assim, tortura
a espera da espera pura
que se espanta a todo momento.

para que tudo se consuma
e para que tudo mude
deve ser assim
e assim deve ser

eu sempre
um passo a mais
longe de mim.
__
imagem: http://centelhasdeinfinito.blogs.sapo.pt/arquivo/pegadas%20na%20areia%202.jpg

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

íris decaída


meu olhar me despe:
pecador arrependido.
meu olhar se perde:
pensador perdido.

meu olhar permuta
toda dor em fantasia.
meu olhar pergunta:
ainda há alguma ferida?

meu olhar impera
sobre os corpos na rua.
meu olhar persegue
meus anseios terríveis.

e a alma cega grita
palavras invisíveis
que fogem inteiras
ao meu olhar – risível.

e o meu olhar, então,
escondido, irrevelado,
na medida dessa hora
imensa, se despede.
----

*aos meus olhos covardes,
e prepotentes...
sonhadoramente fechados.

foto:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/especial/images/1431_storm/5142525_storm12.jpg

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

cem poesias

sem senso
nem sono

sem medo
nem meios

sem fogo
nem mágua

sem sangue
nem pena

sem alma
nem pó

sem ponto
nem nó

sem som
nem dó

-----
*
os poetas
sempre
sem poemas

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

das verdades (ou da nudez)


minhas verdades andam pelas ruas
um tanto quanto arrependidas
vaidosas e vadias.
perdidas.

minhas verdades morrem de silêncio
um tanto quanto esquecidas
vaporosas e arredias.
inafiançáveis.

minhas verdades caem de vazias
um tanto quanto erradas
sonhadas e iludidas.
irrealizadas.

minhas verdades tortas...
minhas mentiras.
eu inteiro torto e perdido,
encontrado do avesso
nessas verdades nuas.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

dor

nem dor se sente.

tem um quê ausente
que em tudo andava antes.

que era aquilo?
que espera...

amargo e longo momento.

minhas palavras de brilhantes,
quando em pouco as perdi?

----
...a poesia não é remédio, como eu achava que era antes...

terça-feira, 17 de julho de 2007

pedraria


amor, viu a última grande muralha
que se ergueu em plena madrugada?
foi construída com laço de sangue
em segredo pela aurora fria.

o sol que brota, não mais da montanha,
mas da muralha sombria,
tudo separa e tudo aponta
revelando podre a verdade fina.

suas pedras, seus lamentos,
sua concreta harmonia dissonante e seca,
tudo em volta e dentro da parede
que bota sede na alma sadia.

saciaria alma, se pudesse,
mas alma de pedra não fala
por trás da parede
-esquife eterno de solidão.

amor, viu a última grande muralha?
não se preocupe, não procure, amor.
a muralha não está no horizonte.

-----
palavra de pedra
palavra perdida
no meio do caminho

andar com teu peso, que tua arma e arremesso
presos no peito, dilacera todo e qualquer sonho.

sai de mim, já não te quero, excedente
peso frio dos meus mortos amigos e amores.

quero de novo meu corpo-pedra
que se não amava, não cantava,
mas também não chorava, não gemia
no sorriso algoz dessa vida.
----

sexta-feira, 29 de junho de 2007

senti-sinestésico-icídio

é estranho que hoje não me cale. estranho que toda imagem deistorcida vibre perante os meus olhos ardentes: tudo grita mais... até mesmo as pedras, até mesma a brisa.

vejo em tudo sinfonia calada, que se apregoa pelo espaço a fora. e dentro de mim o barulho que quer irromper o tédio, a palavra desvairada que precisa criar, o vício insaciável de escrever nas paredes brancas dessa vida pra ver se encontro na cor da letra o des-sentido da vida.

escrevo para vazar, pra me derramar inteiro nos teus olhos.
até que finalmente me olhe e eu vire idéia ou lembrança.

escrevo porque meu retrato é ransoso e não se satisfaz com o meu sorriso. ele não me tem. é retrato de céu, de árvore, de grama, de criança, de velho, de tarde, de hora, de praça, de mar, de estrela, janela, areia, água de rio e chuva...

e viver, parece que eu percebo, é uma doce vertigem. o des-sentido só, sem motivo, sem razão, sem compromisso: marivilhoso des-sentido, essa não-prisão, essa desnecessidade, esse não-tempo, essa eternidade...


voz sumida a minha.
sumida do mundo: fala ela... ninguém escuta.
diz com a mão, o toque, o calor em mim.
e é prazer e dor tão grande, que parece que vou romper, me rasgar, trucidar-me, acabar, explodir, sumir...
mas nunca, nunca, nunca, nunca morrer.
porque é explosão que ecoa e nunca morre, se debate para sempre nas paredes do quarto fechado.

suspensão

minha voz não está gravada
meu rosto não aparece em fotos
meu cheiro sumiu no instante
minha pele apodreceu negra
a alma perece aos poucos

e canta enquanto se desfaz
em doses homeopáticas
milimétricas e sem rima

não existe som no vazio
não existe luz dentro da carne
no cerne do universo
tudo cintila somente
lamuriosamente
como prestes a acabar.

não existe pergunta que não se cale
perante o segundo que se encerra
atrás das véias saltadas dos prédios
das pontes, dos telhados, das contruções.

a orquestra suspensa dos sonhos
sempre fingindo que tudo sabem
espertos que são.

mas no salto tudo voa, desprende,
esvaece

não resta ao menos o ponto
até que o poema toque o chão
.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

onírico

sim! sonhar e mais e sempre
caminhar com pés de núvem.
respirar a brisa púrpura
e sangrar o sorriso branco.

sonhar pra escapar da dor
sonhar pra catar a flor da vida
sonhar para surgir a dúvida
sonhar pra semear poesia.

cantar pra dizer o sonho
com o espírito rouco,
e na virada da quina da hora
pra distrair o tempo pouco.

sim, sonhar!
blasfemar a verdade cinza
navegar esperanças
quebrar barreiras de vento.

sonhar e acordar
para não se perder,
para frasear,
fazer o ponto,

e montar a reticência
que se estende aguda
e segue aflita na espera
de suspender o pé do homem.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

totalidades

o todo é uma parte.
o tudo é parte alguma.
todo o tudo é cada parte,
que leva do nada à solução
nenhuma.

se, contudo, tudo é cada coisa,
tal é como se tudo fosse uma:
uma coisa meia certa,
meia parte, meio oculta.

tudo é um pouco nada,
- e nada adianta isso tudo:
tem ainda todo um resto
de parte, numa outra metade.

nunca tudo é tão distante
de tudo, em instante.
sempre e longe, de tão perto,
tudo oco e o todo nada.

terça-feira, 12 de junho de 2007

semi-obituário


perdão, caros senhores invisíveis,
pelo meu sensível e insensato silêncio.

volto aqui com a certeza
que não tenho mais,
de que o sol quebrará por certo
a treva errônea dos meus medos.

é que cá tenho o lirismo meio esfrangalhado,
doente terminal de mim mesmo.
doente de alergia, de abandono,
de tédio e de clausura.

e por fim, constado é, senhores,
o mal que consome:
eis que tudo me agoniza
pela falência múltipla
dos sonhos (findouros).

----
ele agonizava e não entendia, porque não queria entender. até que um belo e terrível dia, teve coragem: olhou no espelho. viu a si mesmo, tal como era, tal como fora, tal como, na verdade, sempre seria. indignou-se, botou o pé no teto do rancor, afogou-se. depois chorou. depois cansou. reergueu-se, mais fino e mais pálido do nunca. tacou muito dignamente a pedra no espelho: partiram-se ambos, tal como ele esperava, o espelho e a alma. virou de costas, retirou-se de si mesmo. foi modelar-se, ele sabe onde, num futuro não sei quando, com a mão trêmula de incertezas, caminhando com os pés firmes e podres, enraizados no chão.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

brevidades

eis aqui meu corpo fraco
e a minha vontade de vidro.
nunca sei se fico inteiro
nesse fio de voz fina,
que se espelha no espaço.

eis o meu sussurro itinerante
que sempre se perde no instante
e no tempo transita mágoas,
poemas e alegrias pálidos.

jaz aqui meu sopro ausente
que some tarde da noite,
no meio do dia,
entre o desespero
e o esquecimento.

está aqui o que eu era,
o que sempre erra na vida
e no sonho prospera
- esse sonho que finda.

eis-me em chamas consumido.
da memória do mundo, perdido.
inevitavelmente, eis que daqui me parto
ainda que, deveras, nunca tenha chegado.

terça-feira, 22 de maio de 2007

irracional e irresoluto

é a constatação mais insana e mais exata: estou morrendo, deveras, no mais profundo exame desse errado momento. dói-me o peito, de cheio, e a mente, de vazia. o peito cheio de mágoa e angústia que carrega contra essa vida minha, miserável que é; e a cabeça vazia, não mais meditante ou significante, tão pura e sordidamente rota, esfacelada e corrompida em desencontro.
tenho asco. tenho sede. tenho saudade. tenho medo.
não tenho força (e, sim, como me dói constatá-lo, sou fraco e patético).
não me tenho, não mais, pelo menos.
a chama que antes me aquecia cálida, está bruxuleante, como em vendaval mortífero: a chama balança louca desvairada e insana, quer sumir.
a razão, que já perdi há tempos, dela me esqueci...
...

não tem mais nada que vale a pena dizer, por enquanto dure essa merda de nó na garganta da alma podre.
no mais tenho vontades, nada mais.


*desesperadamente deprimido e inquieto.

sábado, 21 de abril de 2007

uma canção por fazer

na brevidade da brisa soou um sonho
que na aurora dourada fez moradia;
das carícias dum Sol profundo se fez,
e nas noites de prata ele ardia.

um sonho de cantar toda e cada nota
em cada espaço de espanto que ouvesse
no tempo da vida suave.

soaria o sonho em cada e toda esquina
de vento que leve mais longe o encanto
até pro menino da calçada ao relento
até nos berços eternos, as covas,
ou os berçários e os varais e os jardins.

e nas tardes carmins, sem demora,
põe-se o sonho a tocar os lábios
na sabida e ávida face da distância,
que se deita macia, e me faz te encontrar.

e o sonho de cantar alto, de lembrar cada letra
da qual me esqueci, sem nunca ter escutado antes
tal quão doce melodia.

vontade de criar músicas do nada,
da poeira fugidía dos dias,
pra embalar em calmaria
toda essa profuzão de sentimentos
e sentidos confusos.

uma música que bastava ser um assobio,
um sopro, fagulha de alma e sonho,
-a saber, uma letra incontida e criança,
recém desperta no peito do homem só.

uma canção a se fazer no meio do seio da vida
com calma vadia de se escorregar e correr
nos parques e nas curvas do destino.

um tom brando e macio, marcado ao passos
que ressoam nas paredes brancas,
o coração que salta em pulsos cândidos,
enlouquecido pra cantar.

---
o sol bate na janela, e alaranja e enche o quarto inteiro, inclusive o olhar e o sorriso. tô com vontade de cantar... mas sem letra, com calma, sem pressa, suave... quero cantar, mesmo que desafinado, uma vida inteira de sonhos e brisas.
escuto música nos seus movimentos macios, e nos seus cabelos, no seu perfume...
amor já é alegria e canto que me basta....

domingo, 15 de abril de 2007

pro doce olhar duma menina

nesse mal-querendo viver
arrebentei meu peito à sua porta
só pra ver se você se importa...

nessa coisa besta de contar o tempo
me perdi nas horas dos seus lábios
e nada além disso me devora mais...

corro entre o vento e o seu vestido
brincado de carícia com seu veneno
que me mata na felicidade, alento.

nessa plenitude dessa tarde
já aparece tempestade
mas me embriago das ondas
do seu doce mar-amar...

ê, vida cansada no peito de tanto pulsar.
corro entre os morros do nosso leito.
nunca canso de te esperar.

e se é alta a lua ou a hora
que não seja a última a chegar
pra nós dois a alegria desse olhar.

o seu doce toque, meu suor de amor.
juntos nessa tarde, crianças ao tempo
da inocência nua dum brincar.

e já não é sem tempo,
que me arrebata o canto:
para sempre nessa tarde,
sempre e terno, amar você.

------
"que não seja imortal, posto que é chama
mas que seja infinito enquanto dure..."
Vinícius de Moraes

quarta-feira, 11 de abril de 2007

vespertinar

núvem matutina clareia o dia
respira brancura espelhada
na água do céu,
rio azul de ponta-cabeça.

de noite, à cima, precipício,
princípio e fim
no vazio estrelado.

os anjos quedam
sem o chão de céu.

sem asas, nem nada...

terça-feira, 10 de abril de 2007

asas (de outrem)

imoladas!
veladas,
inaladas...
aladas?
caladas.

terça-feira, 3 de abril de 2007

despedida incontida

os versos que outrora tecia
são puros e agora lhe entrego
o poema de sangue rubro
e branco de paz eternecida.

na clareza santa da espera,
essa pútrida mansão dos sonhos,
me despedaço em tom macio
com o toque leve que teu olhar me dera.

não vejo mais, embriagado
em desatino, a distância
tão próxima desse meu horizonte,
que plácido deita-se - a oeste.

é com teu olho d'água
que na noite enxergo,
prevendo as madrugadas
a galgarem os montes.

é com teu olho fechado
que em sono profetizo
o som que há de romper
a aurora:
alma vazia a acorrer socorro.

mas seu esplendor divino
gozava calmaria leve.
calava-se o espírito
(por hora breve)

tão definitiva calmaria
inigualavelmente ardia
invejavelmente sonhava
em tal eternidade dormia

na vaguidão do destino
nunca outra aurora haveria
nunca mais a espera
nunca e sempre, tardia.

os versos que outrora tecia
agora - tão tarde - lhe entrego
na carta de sangue e espera
na noite que não me sorria.

--
pro Bruno

segunda-feira, 2 de abril de 2007

infanticida

ainda lembro,
faz um tempo,
que o sonho me sorriu.

seus olhos infatis
lembravam-me...
ainda lembro
de mim?

na tortura do tempo
torto:
nu, como sempre fora,
eu nesse momento.

nu e pequenino
menino sonhador
e demente.

desde quando
sei de tudo?

desde de sempre
e por isso sempre desconfiava
desse fio de navalha
(sanguinária)
que é a verdade.

beijo, boa noite, adeus.
derreto-me a toda hora
buscando no sonho
a paz que a vida não deu.

domingo, 18 de março de 2007

cinzas de guerra (ou metrópole)

os arranha-céus eram vias
dum labirinto obscuro,
onde cada luz é um erro
e nunca se volta um passo.

de repente, se moviam
os corpos, incertos.
havia um desespero
no despropósito.

que se escondia
por trás dos olhos
cinzentos e vermelhos?
acaso sonhariam
outras paragens?

suspensos no universo
olhos e pés (pulsavam,
apenas) perdidos no espaço.

sábado, 17 de março de 2007

como se fosse de verdade


toda vez que encosto na pena sinto um calafrio, como pressentindo uma desgraça, ou coisa assim.

é como se já soubesse que cada palavra (e cada espaço em branco) já não têm sentido algum... não me levará a nada, não transmutará em esperança essa perda toda que tenho ainda por sentir nos ossos e nos lábios.

há um quê de podridão no sentimento, como que sempre e mais desgastado.

...

acho que não me encontro por pura idiotice... ou bom senso.
nunca se sabe o que o espelho realmente diz às nossas almas, sussurrando nos olhos verdades escondidas.
provável é que eu sempre suspirarei a pergunta, nas horas fugidias da escuridão, embaçando ainda mais as vidraças da janela:

quem sou eu, além do desespero dessa face?
e eis que sucumbirei novamente, a me derramar pelo chão, como poeira incômoda que o tempo não leva embora, até perder de vez a vista da paisagem, que placidamente observa, indiferente na verdade, minha tão frustrada egogonia...
que fizeram os homens para sentirem tremendo pesar?
conquanto fosse água, essa vazia coisa que passa e muda como bem entende, tudo seria diferente.



*foto http://membres.lycos.fr/cinephilia/hamlet/hamlet2.html

terça-feira, 13 de março de 2007

vagações

nas cidades, madrugadas.
e almas engarrafadas
em blocos de vidro e aço.

balançavam entorpecidas
num caminho tortuoso.
desdobrava-se o tempo
num sempre sem fim
- sulfuroso.

amontoadas, amorfas,
esquecidas de si mesmas...
onde parar os pés
ou a vida?

domingo, 11 de março de 2007

confissão.


em fim me deparo com a verdade que mais me dói. essa verdade de nunca ter dito nada meu. tudo que foi e fui, roubei. não havia palavra alguma que meu espírito soberbo e calejado proferisse por si só. não havia sonho, nem poesia. não havia amor. não havia nós. nada havia senão a dor. essa sempre tava lá. e ali, em toda e qualquer parte. por isso não é minha tampouco.

a noite, falo dela, mas é ela que diz. o pássaro não carece redizerem-lhe as palavras. nunca ouvi mesmo o vento - e a sua voz me faz falta. e as linhas e os pontos e os sinais inúmeros e incabíveis e as reticências congênitas e pútridas e aquele beijo, nada nada nada nada nada e tudo. nada era eu, a bem da verdade.

e eu que achava que sempre e mais me encontrava, mais me perdia, nessa coisa besta de perfilar bobagens em versos.

até acho que versei eu mesmo uma vez ou duas talvez. mas foi minha sombra inimiga que tocara o papel. jurei o desdito e chorei (de mentira?) a promessa que não cumpri.

e quando eu me for, o papel fica. fica, mas nem o papel é meu. e há de apodrecer na clandestinidade das idéias, nos subúrbios da razão e da verdade, e em metadezinhas míseras e impróprias essa parte já tão descabida de mim...

há de expirar desse mundo essa parte de minha mente tão logo eu também daqui suma.em síntese, ninguém nunca dá valor.
nem mesmo eu.

----

*não me vejo meus traços nas faces de meus filhos...
na verdade, não vejo traço de coisa alguma.

foto: http://oneyearbible.blogs.com/photos/uncategorized/broken_mirror.jpg

sábado, 10 de março de 2007

de última hora



faz tempos que o silêncio emudeceu.
não sussurra mais meios termos
às meias noites...

nunca mais,
na imensidão dessa hora,
me soprou o vento
lástimas novas.

não cantou do poente
o sol vanglorioso em vermelho
que agonizava calmamente.

o luar serrilhou a montanha
bem ao meio, crescente.
e minguou em seguida.
sumiu - displicente.

secou nos meus olhos
o último grão de areia
da última onda da praia.

a mão tocou a falta
que se fazia indigente
aos pés da cama.

pressenti no espasmo...
...sumiste.
- ou era um sonho?
brandura nos meus braços?

foste esquiva, noite a dentro.
nada disse ao meu destino.

desiludido na escuridão
dessa certeza absoluta,
estou coberto em luto negro.
- mas ainda em vigilha te espero.