sábado, 17 de setembro de 2011

reviradas

a minha alma pequena viaja
na imensidão entre os meus passos:
ora no aço macio da espada,
ora no cheiro duro das rosas.

ranço, belo e morto, ressoa
o brilho eterno de estrela
n'outro lado indistinto da esfera
que de mão em mão vagueia
senhora e serva de toda pessoa.

a espinha pouca manipula
mais que os medos e orgias:
cada lembrança retesada
cada pérola semi-nua

nos raios prateados, fiados
no vento, marionete revirada
recomponho a alma imensa
no lento espaço entre os passos.

sob a lâmina da lua violenta
a minha alma imensa alumeia
o espaço pequeno entre meus passos.

domingo, 14 de agosto de 2011

clube da esquina

me arrepiam essas vozes que voam bem entre os copos, no crespo do dia nascente de minas, melhor que qualquer outro lugar. essa voz que parece dizer o que o coração ainda apenas suspeita, revelar o que o hábito lacera, montar o que a melodia espalha nessas neblinas, nesses vales, montes, grutas, cachoeiras, nas pedras do calçamento centenário, nos sinos invisíveis, nas almas desavisadas...

quinta-feira, 24 de março de 2011

aparências

goza e treme toda a carne rubra,
num despudor que nunca houvera
em gemido que nunca ouvira
sair de sua boca.

o peito incha pra caber o coração
que pulsa como um tambor
descompassado para a melodia
de um puro e eterno amor.

leviana, apenas, se contorcia
no prazer que saber que,
entre as irmãs do convento,
era a menos santa, mais libidinosa.

e que se era suja sua lição
aos jovens coroinhas,
pelo menos aos olhos do diabo,
era a mais gloriosa.

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do jeito que o diabo gosta

da maçã possível

a pena obedece ao castigo
de emudecer a alma, calar o grito, o canto, a dança, o giro
silencia o coração, faz aparecer o homem
nu sem as palavras que tanto lhe pertencem
que tanto que consolam e lhe vestem
que tanto lhe dão poder
que ele até um dia pensou que podia ser
como deus no paraíso:
"faça-se a luz"
e estava feito, porque estava dito.
mas se vê adão,
na tão pouca murmúria gelidez do espírito.

rio

avante, o redentor, que dota os céus de melodia.
do alto, arranha-céus, na triste alegoria.
no alto, a pobreza, a vigiar solene o paraíso.
acima, o mar azul, com ondas de núvem e sorriso.

chove caos e alegria, por sobre a maravilha
que cariocamente se esparrama na praia,
com castigos de osíris e honras de orixás
entre as rochas e areia, afrodisíacos.

à parte os montes se refrescam na brisa,
a imensa catedral de vidros encarnados,
o teatro magestral de vivos espíritos
e dourada fachada, por dentro vazio,

os arcos, que já perderam a aliança
como criança que perde o bonde
sonhando chegar a Saudade
sonhando comer o pão de açúcar.

branco

no ventre do sertão pernambucano,
de cambraia empoeirada como vestes,
a mãe da sofredora das pestes
reza à morte que seja benfazeja.

criatura imunda, a criança,
já de decompõe no colo maternal
sedenta, a rasgar-lhes as mamas
com a gengiva, à procura de leite.

a mãe se contorce, sofre calada,
miséria muita a sua, a seca
pecado seu, aquela vida nova e pouca.

como o couro das vacas, cravejado
só por abutres, ao eterno meio-dia,
só o peito da mãe, ao ver morrer a filha.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

é um tal de mexer os pés sem necessidade, um tal de gritos e gemidos num violão sem propósito, um tal de mãos falantes que nada dizem, um tal de não sei o quê, uma série incondizente de gestos ambíguos... que me fascinam nesses bichos sem propósito, nessas sombras que dançam - não só vagueiam - nessas almas pequenas com vozes de vôo. nesses bichos, tudo fala.

incrível, não acha?

talvezes

pois acredito que há coisas que vão além do marasmo: um distúrbio metafísico, uma carne mansa e mais vermelha, uma alma mais refinada. confições que des Esseintes e o comedor de ópio compartilham com uma pequena camada de orixás, espíritas e católicos. algo que vai além, muito além de mim, da mente estreita no tempo estreito que se tem.

algo que não se pensa nem se diz:
para dizer bonito, algo de um caráter fenomenológico que só existe, se existe (mas existe mesmo, uai!), como tal para a mente ou no espírito de cada um - pronunciável apenas no silêncio.

creio nessas coisas que não devem existir. que não precisam existir. que não querem existir. porque, azar o delas, precisam realmente só disso: que eu acredite, para que elas, subitamente, saiam do abismo do ausente e se dêem o trabalho de existir.

eu não acredito só com os olhos, com os ouvidos, com a cabeça. eu acredito no corpo todo - para parodiar um pouco janis joplin.

nessa improbabilidade alucinante, chego até ao ápice de acreditar em mim.

preconizando um fim de ano

liberdade é motivo de felicidade.
mesmo que seja dessas liberdades menores, provisórias, medíocres.
em 24 horas, por bem ou mal, estarei de férias! merecidas, revigorantes, cheias daquelas possibilidades absurdas que a gente espera da bonança.

conto com a sorte de um bom descanso, de uma espera tranquila, por mais que ela dure mais tempo que o necessário. sinceramente que três meses de madrugadas abafadas em itabira, de sua brisa suja de minério e fadiga nos ossos não é o descanso mais merecido, mas traz a possibilidade de paz que pouco se vê entre as avenidas frenéticas de belo horizonte. traz ainda voz de família, que em breve a distância levará para ainda mais longe (europa? ásia? - não me esqueci da proposta, diogo). traz um afago para um semi-itabirano, na conversa com amigos de longa data que me esperam, nos braços fortes e ternos do lar, nos quitutes das tias sônias, nos bares (que fecham cedo, cedo demais para o papo que se precisa), na calmaria mais que calmaria da cidade onde as coisas passam com os cachorros, os burros e os homens entre bananeiras por esses véus de tempo - "vida besta, meu deus!".

se Ele permitir, ainda são paulo e rio de janeiro, quiçá vitória (berço dos meus sonhos, pra revigorar a alma, reviver essa substância iníqua e milagrosa da lembrança).... ilhas de vivacidade espaçadas até um 10 de março, que, espero, venha depois do que acredito agora (pois tempo é um cavalo que marcha rápido demais), e antes do que vou querer daqui a duas semanas (porque a monotonia o cavalgará em breve - cavaleiro bem melhor que o desespero de agora, pelo menos).

no mais, querendo que de hoje até amanhã, Maquiavel seja um bom amigo, e não me complique os neurônios. que o estágio não me atrapalhe mais amanhã do que ele já atrapalhou nos últimos dois meses. que eu consiga terminar esse semestre filho de uma puta que ele foi, sem marcas muito grandes das nossas brigas, curtir um fim de ano decente, digno de quem sabe que se superou no ano que se passou.

que se vá logo o cansaço, a temeridade, e até os momentos felizes, plenos de sol e descobertas. que venham suas lembranças (adoro colecioná-las) mais radiantes, mais vívidas e vividas, mais eu, mais promessas.

fafich, até o ano que vem!

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

feitiçaria

a bruxa me ameaçou sorrateira
na sinceridade necessária do seu riso:
cá estou, num caldeirão de estrelas,
de seres mágicos e prodígios.

há um pouco de turquia e bangladesh
de woodstock e de ventania
há um sopro quente que resfria
a alma mais dura e a mais singela.

um pouco de cada ponto do mundo
em cada ponta dos meus dedos,
sem trono, sem wisky, sem medo
de qualquer segredo ou segundo.

a bruxa ri das minhas sinapses,
fala língua alienígena, planeja algo obceno:
devora-me - eu, homem gigante -
inteiro num instante pequeno.
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a L. me entende.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

amante

me lambia com língua laminada
onde um fio amolado na golada
me bebia inteiro pela sala.

me beijava com dedos de malícia,
que nos pecados cacheados da noite
fazem milagres de delícias.

me dava os seios, me dava a vida,
como se nada mais houvesse
- e nada mais havia.

me amava na magra madrugada,
cuja a fome amarga só a pele macia
de um jovem sacia, suada.

matava sua solidão e o tédio,
como se eu não soubesse
que a solução era eu.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

rotina da cama




não chore, meu bem. ainda há primavera
mesmo que ela não cheire como de costume,
mesmo que não seja assim tão bela.

não ria, carinho, de descrença.
há mil caminhos ainda a seguir,
mesmo que seja antes do que se espera.

não me humilhes, paixão, por antigas quimeras.
só não há surpresa todo dia,
não há mais fartura nem miséria.

não se afaste, amor, dessa navalha
que floresce a gota pequenina de uma rosa
mesmo que não seja cedo, nem seja prosa.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

vícios

minha alegria
cacto de boa intenção
sempre me apraz
quando me abraça
mas nunca vê depois
na carne o rastro
daquele tato malsão

vida despercebida

Silvano, sujeito pacato, de leve e em leves passos, leva a vida no quanto sua mediocridade o permite. Estende-se na preguiça como ele só. Dá-se bem com a vizinhança e tem amizades tão antigas quanto o oratório de sucupira, em frente ao qual reza a Deus - desde sua infância - para que bons ventos o permitam aproveitar uma boa vida na mais branda inércia.

Silvano tomou para si as conquistas que o destino lhe enviou ao acaso, com ar de coisa que "Deus sabe o que faz", e nisso fica desde a juventude. Casou-se com a primeira namorada que sua tímida beleza teve o míster de alcançar sem suar muito. Teve dois filhos como quem vai ao mercado: mais pela necessidade de sua mulher do que pela sua vontade. Amava-a sinceramente, mas isso foi pouco, e ela o deixou pela vida ingrata - mas muito mais vibrante - de mulher de malandro.

Silvano pegou o emprego que lhe bateu à porta no intervalo do futebol. Viveu daquilo, na firma, sem gostar e sem desgostar, enquanto lhe permitia pagar as contas de água e luz -por uma bem aventurança do destino, seus pais morreram de desastre e daí ele nunca se prestou a preocupar-se com contas de aluguel.

Silvano, na firma, escrevia relatórios e contava carneirinhos, mas na ordem exata, para que a chefia não percebesse. Também para que não atrapalhasse qualquer meditação que o assaltasse a cerca das possibilidades do horizonte, sobre maravilhas do litoral (que quase nunca visitou), ou das curvas exatas de Amanda (vizinha, a quem nunca arriscou cortejar), ou do que haveria na esquina do quarteirão de sua casa, onde sempre se amontoava uma multidão curiosa - todas questões que ele ruminava e cuspia, sem jamais agir sobre elas.

Silvano, em casa, lia jornal, comia pouco, aguava as plantas, ria ocasionalmente com alguma visita. De resto, saia de casa apenas aos domingos, visitar a igreja mais próxima, fingir interesse por algum parente e depois, dormir cedo.

Silvano percebeu um certo dia que não era muito bom em cuidar da própria vida. Foi aporrinhar um psicólogo, que nada conseguiu fazer para mudá-lo, e desistiu do paciente após o oitavo mês.
Silvano pensou em se irar com o jovem terapeuta, mas decidiu que se nem ele podia ajudá-lo, era porque nada havia para ser ajudado, e seguiu a rotina anestesiante de ser Silvano.

Silvano viveu como uma planta: cresceu no curso inevitável sob o Sol, floriu como era de costume, semeou como era de se esperar, alimentou-se da chuva que ocorresse, jamais extravasou o conforto mínimo de seu canteiro, e apodreceu de pé, sem que ninguém notasse.
Morreu numa quarta, deram falta dele na sexta, e sábado foi enterrado.

Silvano só será lembrado pelos vermes que alimentou, durante curto tempo que tiverem para dissipá-lo.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

carta para um amor distraído

... mariana sabia o gosto da sua voz, gustavo. sabia que nela, ela tinha calma, conforto e até amor. mariana sentia até chuva do seu sorriso, menino, quando na noite ele caia e se espalhava. mariana cheirava seu perfume quando você ia à terra distante, só de ficar parada ali na beira do cais. mariana amou o seu corpo nas madrugadas de quarta-feira, e nas de quinta, sua lembrança envidraçada.

mariana suportou te amar, homem, como se você fosse infinito, nas tardes de domingo. mariana soube te perder como nenhuma outra. mariana se condoeu pelas suas amantes, rapaz, como se a elas você traísse com mariana.

mariana tateava o teu rosto na grama. mariana escondeu o teu peito das facas afiadas do destino, no quanto ela achou que podia. mariana embargou o mundo por você. mariana empacotou na tua marmita pra viagem os sonhos da juventude dela. mariana dormiu com a tua ausência, como se isso fosse bênção de deus. mariana apodreceu no silêncio suas lamúrias para não te injuriar. ela sempre maqueou um sorriso pra te receber. mariana te pediu, implorou pra você voltar.

mariana, gustavo, não se cansava de você.

e você, jura que não mente, promete que cumpre, manipula o tempo (achando que ela não vê). supõe que prevê tudo o que pode acontecer, supõe que ela vale pouca coisa, supõe que seja estúpida, supõe que larga dela assim que quiser. supõe que julia, natália ou maria valem mais a pena.

uma pena, gustavo, uma pena.

mariana, bem aos poucos, na surdina do almoço -um banquete de vingança - te envenena.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

fortes

há uma menina na borda do rio seco, rindo como se em seus olhos existisse um oásis.
há um mendigo na beira do silêncio, mastigando, em sua fome, a verdade.
há uma mulher no limite do precipício, encontrando na vertigem a sua integridade.
há um menino na fronteira do dia, dizendo, sozinho, quantos anos um minuto tem.
há um profeta no fim da mentira, sibilando aos surdos a esperança que nunca vem.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

cosmologia

já me disseram o tamanho do cósmos
com as letras tão infinitas dos neurônios
que, se me pedissem uma palavra,
como uniria tudo o que nós somos?

brisa, areia, fagulha, onda?
um momento de insônia?
segundos-mandamentos?
tercetos incompletos?

reza, teoria e verso?
o que será o universo
que eu nem enxergo,
nem a metade, nem inteiro?

um infinito de estrelas
numa ampulheta.
um limite inapropriado
de mim mesmo.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

eu me propus certa vez deixar as coisas fluírem. foi como pedir que um rio se apressasse, como avisá-lo de que era um rio. nada acontece quando se propõe à natureza que ela se obedeça.
as coisas fluíram, sim, por outros terrenos, com várzeas novas, onde a água não era tinta.
me apaixono cada dia mais pelos sons, que me tocam, sem que eu peça que eles o façam. pelo gesto sobre o qual não tenho domínio. pelo horizonte que me sugere sonhos além de sua linha indefinível, não geográfica.
algo acontece que me muda e me emudece, na verdade. é algo que não se anunciou para mim, não propôs nada, nada espera de mim. é algo que, nessa autoridade do que simplesmente acontece, toma conta de mim nessa tarde que já dura vários meses. algo que me diz para me calar, para me vazar, para acabar comigo, para eu nascer de novo.
como uma pluma essa tarde me abraça, e fala: "chora, meu filho."

após incontáveis funerais

daniel foi comido pelos seus ossos
gabriel, por castanhas tranças de horror
bruno, por uma doce travessura
- que, para muitos, a simples idéia assombra

jorge respirou água demais
itala amou um vôo assaz curto
maria se mudou para a história
e césar, para os sonhos, uma noite dessas

camila sumiu e nunca mais foi vista
- os olhos oniscientes de fernando, quem sabe
ainda a encontrem por aí -
quiçá no coração frio de leonardo?

lucas, amante de vozes, mordeu a língua
com uma volúpia insaciável
luana, esbranquiçada, agora é só mármore
pedro, que deus o tenha, foi tatear raízes

quantos rostos tão jovens ainda
- tão jovens para sempre -
ainda terei de catar na praia ímpar,
infinita, escondida, inacessível da memória?

segunda-feira, 28 de junho de 2010

passada a poesia - ou depois do devaneio dessa vida

na tarde, uma brisa enaltecida
esperava o esquecimento inescapável
digno desse suspiro sob o firmamento
que inefável, sem lamento, se declama

dentro da árvore, mãos de pétalas,
florescidas, entrelaçadas entre velas
sobre o mármore, com mar transparente
transbordado da carne anoitecida

um momento de segundo tão palpável
que entre um e outro ato se derrama
as aves plainam sós na mudez do vento
- sem destino, simples, puro movimento.

abaixo da árvore, mãos de pétalas,
sublimadas, enraizadas entre o que existe
- sob o mármore, com terra intrasponível, -
e o que procurando, se despindo, se perde.

domingo, 16 de maio de 2010

o que é isso?


mãe, meus olhos estão suando
de se esforçarem tanto

indefinívivel

existe qualquer coisa na minha mediocridade que me diverte.
algo, que, na ingenuidade me fascina e na pequenez me vejo enorme,
como o ego de uma criança.

como quando choro e a lágrima sai doce, ou o suor vira perfume,
quando como quitutes de vovó, já velha, que estão sem gosto
lambendo os beiços de minha meninice.

como quando olho o horizonte e penso que o futuro será simples,
ou sinto o peso da idade nos meus joelhos - jovens e cansados - ao subir a colina para ver a cidade brilhar de noite, como um enxame de vaga-lumes.

quando quero ficar cego de olhar pro Sol, ou quando rezo pra Lua que parece me seguir em todo lugar - como os sonhos que não morrem nunca.

quando vejo os prédios como refúgios de alegria, e as praias como brinquedos enormes para a infância - que brinca de descobrir mundo inteiros na água rasa, sem nem imaginar ainda os oceano como essa gigantesca gota d'água.






sexta-feira, 16 de abril de 2010

quarta-feira, 7 de abril de 2010

saudade

foi uma coisa que veio batendo na minha janela dia desses. uma janela que só me deixa olhar admirado, sem me deixar passar, para a mais nostálgica paisagem: a praia de camburi.

pedaços macios de infância foram enterrados na areia com o cuidado de quem esconde um tesouro, e, anos depois, resgata as poucas moedas que restaram pelo chão (onde não mais existem conchinhas ou siris).

eita coisa que me atormenta: trocar o "garoto" por "uai", mar por serra, brisa por neblina, areia por minério. nem todas as escolhas são feitas, algumas simplesmente acontecem - será isso o acaso, ou Deus,ou a sina?

mas memória não se troca, nem se pode escolher por esquecê-la. memória é esse óleo que sai de mim para a minha pele: aparente, visceral, persistente, às vezes até irritante.

memória que não me deixa ser quem eu não sou. que me prende ao destino de ser eu, com correntes que se estendem ao passado. memória que me fere e fortalece, com lágrimas risonhas, fotos desbotadas, vozes distorcidas, mas rostos firmes, rigorosamente pintados e impressos no meu próprio rosto, na minha alma.

rostos que, partes de mim, jamais esquecerei.

terça-feira, 6 de abril de 2010

inexorável

as palavras que não disse em dois meses
matizaram meu mundo de azul
passaram-se a conta das vezes
que as horas se olharam em olhos meus

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

pequena - ou amor

chama essa pequena
que a pena dança
pequena essa chama
que queima consome cansa

gama essa pele na minha
que a dança à mingua dana
até virar, pequena, ciranda
que até meu olho fascina

cala essa boca na minha, pequena,
que espera a cama
nem deixa a lingua sozinha
na nota conforme canta

como essa chama acalma, pequena,
a alma pequena e mansa
deixa sua chama na minha
pra ver quem é que ama.

a pequena chama chama pequena.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

profecias de carne e poesia

de quando em quando surge uma manhã em meus olhos. por entre as sombras das flores que nas árvores do jardim suspiram primavera, o sol beija teu rosto com ouro fino. a brisa rasteja pelos leves lençóis de algodão, faz dançar de suave, numa embriagada e tardia balada, os teus cabelos negros. quem sabe quantos pássaros flutuam travessos no céu azul?

suspira despedindo de um sonho bom, ainda com os olhos fechados. há uma certa sinfonia discreta no teu despertar. por entre a janela semi-aberta, nem os vultos minúsculos do que ainda será labuta, descanso e prazer cotidianos conseguem adivinhar os teus seios, de onde brota um ritmo manso, de um coração que brinca de tocar tambor e bandolim, em plenas 8 da manhã, como criança da praça: regendo constelações e pedindo esmolas.

levanto, dou-lhe um beijo e abro a porta, como quem sai do sonho, como quem foge, como quem abandona.

que a colombina me espere até o próximo carnaval.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

salma

a alma na montanha, saudosa de oceanos.
as pernas e as penas soberanas,
querendo olhos e escamas.
coração contravenção só
entre um paradigma e o outro.

nas entrelinhas do tempo - ou refeição de gigantes

como tem passado?
tem passado como?
"como" tem passado?
comido? comida?
como indigesto, passo?
como pasto? asno?anos?
como como quem come passado?
tem passado? como?
como teu passado - à la Cronos.

ausências próximas

saudades são sempre mais suaves?
algumas o são, e mais:
suaves metais.

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para c. de cássia

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

galacta

esse espaço, e sua ciranda de estrelas
alimentam no homem o próximo passo:
querendo ser forte, de aço,
se vê minúsculo, opaco, de cera.

e nada lhe resta mais que a cadeira
de madeira polida e educada
para contar constelações, na sacada,
dessas musas luminosas e alheias.

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como consolação, Deus deixa o homem
após eras de agonia e deserção de um Éden infinito
virar luz e poeira à beira de um rio.

fluxo de pensamentos inomináveis

o mundo passeia no universo como criança a brincar
anda abaixado entre o silêncio e o luar
que dilúvios infinitos comanda, como a chorar
nunca dissolvendo a melancólica nota do passar
do tempo que te faz cada ano mais leve que o ar

que nada te permite ter, que nada lhe permite sonhar
que chora à noite, como recém-nascido, querendo mamar
faz levantar da cama, faz querer se suportar
até essa noite, pequenina, faz um leito pra deitar
e voar e sumir e morrer e voltar ao início, um lugar

que não existe nem tem o exaltar daquele brilho
que pensavas ter, que pensavas achar, que nada é.

ainda restará na curva estranha do horizonte
uma folha de orvalho que se assemelhe
ao triste acabar da madrugada, perenemente
absorta em acabar-se na alvorada?

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

pequenas sinfonias

esses sons desiguais se enlaçam
como lâminas finas, fluidos corrosivos
e desembocam intranquilos
da minha língua inquilina
de verbos sublimados

morada

deixei-me acreditar
que era nulo, vago e morto
julguei-me errado,
julguei-me roto.

mas minhas pernas erguidas
minhas penas sofridas
arrancaram-me, elevaram-me
com mais força que pedra firme.

sou mais sólido que o vento
e quando eu tento
posso até ser mais que penso
mesmo que um pouco tenso.

de agora em diante, não mais remorso
sei que agora tudo posso,
que tudo traço e destroço:
eis meu sorriso no rosto.

resguardarei minhas intenções
arquitetarei revoluções
e dos meus medos superados
erguerei fortaleza e treva armados.

serei negro e branco e transparente
nunca d'antes tão presente
nunca antes tão como eu
jurei e juro ser meu

inteiro no erro desnecessário
completo no gozo herege
e na nudez pura que me rege - até a hora da morte,
achar em mim o abrigo provisório.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

carta imprevista e desconsiderável para o todo

ih, liga não. só não tenho muito o que dizer pra alguém que eu nem conheço, fica um clima estranho. nada contra amizades virtuais, mas eu me cansei delas quando o meu mundo ganhou um sabor de brisa na companhia palpável das pessoas no mundo lá fora. aqui, depois disso, sempre me parece algo meio aborrecido. mas vc parece ter tanto a intenção de se dar, no bom sentido, que eu até fico curioso com a sua pessoinha. quem é vc? (ps: ninguém é a descrição do perfil, pelo amor de deus, buda e matuzalém!) o que vc faz, onde vc gosta de estar e com quem, o que vc gosta de viver? um abraço requintado, desses de bunda afastada ainda. PS: não to te dizendo -cresça!- ou coisa assim, mas tome cuidado, se seu envolvimento com a gente daqui. nada há de errado com as pessoas fantasiarem, criarem, se esconderem. mas se envolver com as sombras ou as máscaras declaradas pode ser algo atordoante, dolorido... é chato imaginar as pilhas de pessoas que se escondem sob essa coisa do (eu sou diferente, único, eu causo, etc)
as pessoas se esquecem que são muito mais comuns do que pensam, ou, se percebem isso, não entendem que não é algo ruim ser comum. hj em dia existe um desespero tão imenso dessa nossa galera indigente em ser alguém, que me pergunto o que realmente elas querem dizer... ou pior, o que elas querem ser.
tome cuidado com isso também. se somos o que pensamos que somos, temos que prestar mais atenção em quem nos diz como nos pensar.

grandes votos! abraços.

espero conhecer ou conversar com você um dia.
até lá, força, luz e felicidade para você e para os seus.

ass: m.o.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

ânima

eu quero a sorte de poder me esquecer
de tudo que eu poderia ter sido

viver só esse horizonte belo e tecido
com veias de montanha, céu e mar

deixar morrer essa fantasia minha
que eu não mais controlo, desolado

ressucitar em mim a vontade pequenina
de um velho garoto inacabado

sentenças ou juízos ou da morte dos meus últimos sonhos

a porta se fecha. ruidosamente primeiro, gemendo, depois bate (CLANG!).
uma mão firme e imaginária dá voltas à chave, escondendo os dois ali dentro como um segredo a ser esquecido.
- E agora?
-...
-...
- ABRE ESSA PORTA!!!
-...
- ABRE ESSA MERDA!!!
as batidas ecoam, flutuam no aposento mal acabado, vasto, imenso, infinito... e minguam, murcham, morrem.
silêncio. tempo.
- E agora?
- Agora é esperar...
... tempo grande e sem misericórdia.
- Não consigo! - diz baixinho, aflita, e chora só lágrimas, sem soluços.
- Shhh, calma! - pegando ela pelos ombros, abraçando contra os dele.
- Os outros! e os outros?!
- Não sei... sumiram como os gatos da tia Adélia, ou as chaves do apartamento. Talvez nunca sejam encontrados.
- Será que eles...?
- Não, não!
...
- Você me ama?
- Não. Não mais... não te amo há 7 anos.
- Sexo?
- ... pois se a carne é fraca...
...
- Queria um cigarro.
- Queria comunhão.
- Foi bom?
- Sim. E você?
- Sim... sabe, sempre te amei mais.
- Hunf.
- Sério!
- Poupe-me.
...
- A gente vai morrer, né?
- Vamos.
- Fomos felizes?
- Fomos o que?
- Felizes! Fomos?
- Será que fomos...?
...
- Será que vai doer?
- Um pouco, acho.
...
- Não era pra terminar assim.
- Não, não era...
...
ZAPT! jorra sangue multi-colorido, que entumece, enegrece, apodrece e evapora.

e o que mais me apavora: em mim nem doeu.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

da chave encontrada

algo ocorreu que vagueia no corpo da mente
um gozo de lágrimas
súbito e sulfuroso

intenso copioso
quase melodramático
se não fosse o mais real

como num abre-te sesamo
encontrei meus rios salgados
pela boca de um sábio ocasional
---------------

após meses de candura e cara branda, um raio de esperança:
chorei como criança no quarto empoeirado
como adulto em quarta de cinzas
chorei uma liberdade mínima e imensa
suspendendo uma sina

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

há uma falha na imensa fortaleza. exércitos inimigos não são problema. não as armas, nem chamas ou gritos, hinos, bandeiras.
na verdade, parece existir nessa atmosfera uma ausência, uma sensação de que algo está para acontecer, uma aproximação do clímax ou do apocalipse.
há uma falha na fortaleza de vidro e pedra e ferro, na fortaleza de nuvens de elétrons e tempestades. uma brecha que deixa entrever os olhos de uma besta epilética, demoniacamente insana, fora de si, alimentada por anos de fome, prisão, residente do medo, numa sede de caos e lágrimas, que parece não alcançar um limite menor que o seu próprio orgulho, que é muito, ou da espessura de sua imensa masmorra.

há um desejo profundo, profano, impronunciável de que ela me ataque com seus olhos distorcidos em banquete. que minhas entranhas nutram as suas, que os meus pensamentos, minha letra, minhas meias de algodão manchado e as camisas de seda, meus amores, meus pais, minha poltrona, meu cinema, minha biblioteca de livros por ler, meus pés de caminhos percorridos, tudo que em mim sou eu ou fora de mim se desmanche em seu estômago satisfeito.

quero isso e quero muito! preciso, imploro, peço a mim mesmo que me dê a chave que prende todo aquele caos atrás das grades intumescidamente titânicas.

tarde percebo que joguei a chave.
ou antes, que tragicamente, ela nunca existiu.
esqueci a senha, não tenho o passe, não controlo, não sou - não mais - o rei desse castelo tão meu.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

acidente protético n°1 - ou da visão de ângulos múltiplos

caiu o meu olho
de vidro!

um globo
inteiropartido
lamentações

terça-feira, 15 de setembro de 2009

fotografia - ou a escrita do tempo

o sol congelado de pronto, promete
todas as cicatrizes na face muda
mudada da infância nua e bravia
- agora resíduo, espera rouca.

visita-me como em douto presságio
das minhas profecias preferidas
enraigadas nas veias, na tela, na moldura dos ossos
- uma manhã tão distante da janela.

costura de costume e graça
numa névoa densa ao toque da memória,
pequena tapeçaria empalhada de minha glória
perdida - nos entrepassos do tempo vadio.

o sol enlaça luz e traças na carne
radiografada na fotografia surrada,
roubada de minha alma tão alheia,
roupagem de um sonho vivido.
-------------

o sol na foto, e lá fora na grama, no céu eterno e branco
o mesmo sol da antes-Terra, do chimpanzé e dos dinossauros,
dos neandertais, dos sapientíssimos ocidentais e dos orientais pacientíssimos,
de newtons, einsteins, balzacs, mozarts, openheimers, hitlers, dalis,
akiras, mao tses, confúcios,
orixás, iatolás, xexênos, nigerianos, esquimós,
bailarinos, palhaços, bandidos, extremistas religiosos,
ditadores, índios, nômades, ciganos, defuntos, crianças, não nascidos...


sol em foto é o retrato da ironia.

boemia

que a amante de meus pecados
seja reflexo imprevisto da alma
que pela manhã dissolverá dores minhas
numa gota surpresa de frio na espinha

se houver tal momento, desejo prazer
na manha rala das salas vazias
e havendo riso destilado, traz-me
uma dose em três de euforia

e se nessa fria, tremenda madrugada
houver companheira ardente e ingrata
dai-me, noite em claro,
esperanças de alvorada.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

do rosto irrefletido #1

juro guerras afogando dores
em cores tais que descoram
como sangue seco nas flores
que o alto de berços decoram

tenho coragem para refletir
em minha efígie esse alvoroço
e no resto do que sou, no dorso,
carregar a letra que me ferir

amaldiçôo as noites que escuras
predizerem minhas torturas,
os sinos e as linhas proféticos
que dispersarem no vento o meu eco,

melodias que finjam meus amores,
ritmos que desafiem meu maiores erros,
esses verbos poucos que me ditam
na veia os pulsares que me limitam.

-------------
esses sons desiguais se enlaçam
como lâminas finas, fluidos corrosivos
e desembocam intranqüilos, agudos
no espírito dos que os perfaçam.

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*porque nessa sina parece que falta hemoglobina e sobra verniz e resina.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

quitutes

existem mil línguas entrelaçadas à minha
suas salivas quentes me saciam, me entorpecem
me enchem de um gozo pleno, sem cautela.

línguas outras que me falam o que eu digo
antes de eu pesar as idéias pensadas.

repouso na língua de outrem, me cubro
e descubro com seu hálito quente.
e é confortável, até quando me engolem.

sou parte num todo, estou digesto
e me alimento até de mim mesmo, se preciso.
e me sacio, como se fosse isso possível.
e acabo, como doce em boca de criança gulosa.

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e você pensa que não se alimenta de mim a cada palavra lida?

quinta-feira, 2 de julho de 2009

do ímpeto n°2

escrever qualquer soneto
que em si não terá nem lágrimas
nem gozo alheio nem rimas
algum que seja obsoleto

nenhuma linha no tempo
a rebeldia confusa
uma liberdade obtusa
que supere esse lamento

eu não sei ainda fazê-lo
não serei eu o autor
entre outros a mim será o elo

nisso nem haverá dor
nem será assim puro o poema
noutro papel será edema

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*há liber-dade e gosto até no despropósito.

do ímpeto

e então o mundo está por trás
do mundo, por trás das re
gras, das n
ossas leis apaga
das, enraizadas, enrai
ve(n)cidas,
loucas.

o mundo, por pouco
-que um pouquinho só-, es
tá entre
laçado,
agonizante,

nas noss
as v
ontade
s.

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*comorespostaaumamigo

segunda-feira, 29 de junho de 2009

da digressão linguística n° 1

qual é a real necessidade de letra maiúscula? é uma letra gananciosa com sonhos de grandeza, não tem realmente nenhuma finalidade prática. se vc vê a pontuação, não há porque maiúsculas. acho que as letras merecem ser todas iguais, do jeito que falamos, do jeito que sentimos. a escrita tinha que obedecer a gente, e não o contrário.

(do insight) da plenitude

deixei-me acreditar / que era nulo, vago e morto / julguei-me errado, / julguei-me roto.

mas minhas pernas erguidas / minhas penas sofridas / arrancaram-me, elevaram-me /com mais força que pedra firme.

sou mais sólido que o vento / e quando eu tento / posso até ser mais que penso / mesmo que um pouco tenso.

de agora em diante, não mais remorso / sei que agora tudo posso, / que tudo traço e destroço: / eis meu sorriso no rosto.

resguardarei minhas intenções / arquitetarei revoluções / e dos meus medos superados / erguerei fortaleza e treva armados.

serei negro e branco e transparente / nunca d'antes tão presente / nunca antes tão como eu / jurei e juro ser meu

inteiro no erro desnecessário / completo no gozo herege / e na nudez pura que me rege - até a hora da morte - / achar em mim o abrigo provisório.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

verdades universais escondidas na parede branca

não contem a ninguém.
mas parece que no fundo toda sabedoria deseja ser burra.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

do sonho no cansaço

mas no dia seguinte vem um alívio, e o peso se quebrou na cama. não há mais impecilhos, nem nomes para problemas. eles não importam mais. a brisa é fresca e leve nos cabelos. o sol acaricia devagarzinho as nuvens. as árvores conversam entre seus galhos.
em breve trarei um sorriso desses no rosto.

das (co)incidências atônitificantes

é impressionante como certas coisas difíceis, certos desafios, teimam em vir em momentos de total perplexidade. a gente só deixa cair a torrada com a manteiga pra baixo quando a gente tá com fome. sempre queima o feijão quando é tudo que se tem em casa pro almoço das visitas. o cachorro só mija no pé do visinho mau humorado. a sogra vem visitar quando a esposa tá de tpm...
as vezes murfy governa a vida.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

do primeiro julho

uma bruma pueril se espalha
e no vento anuncia sombria o espaço
que se dará n mês de julho.

ela me abole de toda certeza
e essa liberdade me dá calafrios
mais ainda que o inverno.

serão as noites sozinhas e sóbrias?
e as manhãs embreagadas de belas?
o mundo romperá em primavera?

a neve repousa invisível no meu rosto
o calor do sangue abraça os seus flocos
que permutam e lágrimas parecem.

póstumo ao último outono

as palavras aladas de imagens e as idéias,
ransosas de pouco prováveis
propõem-me aceitar meus olhos,
minha pele, minha comida, meu relógio.

de pouco em pouco mergulho
e de grande susto o golpe me atropela:
pouco dela há em meu espelho
- e meu rosto, queimado de beijos, me renega.

o que eu sonho é puramente o que reflito.
é verdade que a verdade é ela,
e só na sua falta eu me sinto.

messes caminhos desencontrados me equilibro
e meus pés, de ressecados, estão vazios.
minhas mãos so tocam aquilo que se torna imóvel.

domingo, 7 de junho de 2009

SETE DE JUNHO


deixa a ferida aberta, perdida.
deixa a manhã correr partida
e todas as flores no mar, recaídas,
são todas as dores a mais, esquecidas.

deixa pra trás as palavras frustrantes!
arranquem os amores, melhores amantes!
deixa apagar essa chama ferina
e a todo o mal pelo ar repugna.

deixa decepar a paz pequenina,
que toda mudez se impõe repentina
no palco, no altar, no paço sombrio
- fazendo d'alegria o mais tenso arrepio.

deixa o sangue correr furioso!
deixa a lâmina lamber, assassina,
derramar o raiar, pôr-do-sol glorioso,
apagar essa marca do horror que fascina.

retoma em passo que então se aproxima
a escuridão que ilumina o cruel labirinto
desse homem nu, morto, faminto
que do fim, só do fim, se aproxima.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

pichações mentais na avenida principal

adoro ser mais um rosto apagado na multidão! se os meus contornos desaparecem, e fico indistinguivel por onde ando, preso na mínima nulidade frente a cidade imensa, não é de todo ruim.
a cidade não consegue dominar meu corpo, e ando livre. a cidade não pode dominar meu espírito, e penso novo. nem meus sonhos, nem meus desejos. apenas os meus olhos ela domina com o cinza-mais-pesado-que-as-núvens. e me apareço mais leve, mais rarefeito, condensado aqui só por acidente, sem motivo.
estou só. e vou além.

domingo, 17 de maio de 2009

das des-identidades

estou ingênuo, numa fase lunar de cataclísmica voltagem, em que o som do silêncio desperta a malícia absoluta e o desejo é ouro a afastar-se. nisso estou puro e perdido, e podre e malquisto. estou régio e estou frio. estou nu. estou eu.
mas não se engane. não sou assim. sou mais pesado e mais rarefeito. sou brisa oceânica em montanhas de Minas, que não resseca a si e nem rega a relva, que flutua, existe e conspira. sou puro suspense, e por trás do meu riso, há intenções de genocídio, de tortura, de sangue e de morte. sou corrupto e sofrível de níveis de verdade. sou pouco. sou oculto.
sou o negro opaco no olho brando, e meu tesouro é moinho de vento escondido em um inaudível abre-te, sésamo. sou trancado fora de mim, contra e pela minha vontade. sou deus em dobro e pela metade. sou raso e rasgo a pele e não sangro. sou santo e diabo. sou eu, esse vaso humano.

filosofologia #4 [da ética existencialista]

esses dias vou deixando o tempo passar como se ele não tivesse dono. e como se ele não fosse dono de ninguém. eu de cá, ele de lá, com cumprimentos apenas, cortesias. está calmo o momento. ele não me arrasta nem me persegue. eu não o prendo nem o culpo. estamos quites. e parece que isso quase deve ser paz.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

filosofologia #3 [da negação existencialista absouluta da linguagem]

as palavras tem vontade própria. se deixamos, elas ainda nos tomam, nos abraçam, nos cegam, nos putrificam. sinto que as pessoas se deixam perder cada vez mais, abraçando em jargões, em clichês, frases feitas num holocaust(r)o ideológico, achando que encontrarão num dicionário tão alheio a expressão última de sua existência. re-(des-)falam de amar, de saber, de diferença e especialidade, de igualdade, de moral e bons costumes, e das maiores ameaças, resmungam autisticamente um código de ética enferrujado e tão corrupto quanto a peste. 
vai saber a língua é a mestra de todas as meretrizes vadias que rondam pelos olhos, a volúpia mais viciosa que sorrateira integra o desgosto de se dizer.
tem me entediado cada vez mais pessoas se definindo e ao mundo com palavras alienígenas à si mesmas, sem um segundo de esforço, sem vontade própria, sem vontade alguma.
ando receoso em relação às palavras, com todas essas pessoas acorrentadas nelas...
afinal, as palavras, aquelas que valhem a pena, as puras, nós em nós mesmos não as suportamos mais.

filosofologia #2 [do anti-humanismo solicissista transendental]

me parece que sempre somos uma parte de tudo que não queremos ser. e num mundo onde há cada vez mais outros, mais sussurros, mais espelhos desiguais, parece que à doença só cabe verdadeiramente o lugar puramente imaginário, naquele limiar maquiavelicamente derrocado por si mesmo: homem, o único ser que de tão imenso parece vazio.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

filosofologia #1 [literatura existencialista anti-humanista]

tenho nojo. nojo das cortinas, nojo da cama, dos vestidos. tenho nojo do colar de pérolas que eu um dia segurei. odeio os cálices dourados, os jardins simétricos pelos parques, a sala de jantar. detesto a brisa de maio e a ventania de outubro. tenho asco desses sorrisos tão fáceis, das prosas ensaiadas, desses gestos, dessas palavras tão soberbas e tão vazias. meu sangue se infla de ira sempre que coisas belas se tornam um ostento, sempre que as coisas leves se condensam no hábito, sempre que coisas sábias, de tão proliferadas, se tornam doenças obscenas.


*AAAAAAAAAAAHH!!
ODEIO O MUNDO MODERNO!
PAREÇO UM HIPOCONDRÍACO IDEOLÓGICO!

dos ciclos

meu filho nasceu!
espanto!olhei 
no seu olho:
será que era eu?

terça-feira, 21 de abril de 2009

grunhidos da meia noite

estardalhaço dum secador de cabelo, 1 da manhã. de repente o silêncio.

-Nossa! que alívio!
-Vai durar pouco.
-...felicidade de pobre é foda...

*Amélia não tinha a menor vaidaaade, Amélia que era mulher de verdaaade...

auto-retratos

a palavra que lancei ontem germinou
sorrateira num arbusto monstruoso
que meu leito e minha amada dominou
num sonho pestilento e grandioso

me esquivo pelas pálidas esquinas
do meu rosto desmedidamente atrofiado
temeroso aproximando-me das finas
garras dos amores embalsamados

se revelo minha sina à luz esguia
não reconheço o meu medo revelado
se escondo minhas flâmulantes heresias
não sobrevivo ao amargor do claustro

e na balada madrugueira me vejo outro
deixado no repouso da cama morna
lívido, em carne viva, me percebo roto
éfebo de minha arte matreira e morta

quinta-feira, 2 de abril de 2009

pé no negro

na boca da morte rendeira,
das tramas da sorte agoureira
é rainha da noite, é guerreira.

mais longe que amores amantes
se fossem lá soprar, distantes,
maior que os menores andantes

a dança que é fogo incendeia
se tem prata no mar, lua cheia,
êh, nas ondas do mar cambaleia

mil folhas se agitam dançarinas,
no afago do vento, meninas,
a cansar de rotina as retinas.

na vela sem fogo desfaz-se
na carne um silêncio sem face
da terra é um grito que nasce

na boca da noite, rainha,
que a espada da dor embainha
é calor, é tambor, é mãinha.

-------
dos feitiços que cruzaram os mares, amar foi o que me ensinastes
e viver no negreiro navio, que parte sem buscar caminho.
ó, mãe áfrica, minha dor, meu sangue, onde estão seus fuzis e seus tanques?
enterrados no mar oceano, outrora seus mais graves danos.
e se agora és clamor aflitivo, ainda nos dará um festivo,
'inda vossos frutos nossos filhos.



*pro sangue de negro que chora e faz folia no meu corpo inteiro.

[ ]

se é pra ser, que assim seja:
a liberdade em flor se enseja.

.

está pronto tudo no ponto
e feito aparece o feio fim
que veio de encontro ao mundo
e tudo desfez por conta de mim

quarta-feira, 25 de março de 2009

preâmbulo de maio

deixe estar, que a tarde começa de manhã
se lhe digo o que convém, eu sei que sigo
a oratória do amanhã: na calmaria o castigo.
na calmaria o castigo.

deixe estar, que a carne em revolta é perecer
e a vida rouca ainda dói na prosa pouca do anoitecer:
o beijo celado e os amores roubados nas cores de maio.

deixa estar, que a cova é bem raza, cê pode ver
a chama dança na vela e cai do meu peito.
não é frio, não é lixo, é a ilusão de ser do meu jeito...

deixa estar, que o amor não acaba com a partida
e se digo que fico, ainda, saiba: não estou perdido.
e peço ao céu uma estrala vaga, uma seta ferida,
e as flores rasgadas.

e se o vento levar pra longe esse seu sorriso
deixe estar na saudade o seu vício.
deixe estar a saudade comigo.
- na calmaria o castigo,
na calmaria o castigo.

sábado, 21 de março de 2009

das palvras que outrem se-me-disse

me surpreendo com umas palavras que parecem mesmo estar num espelho.
que comunhão distorcida, amarga, une os homens?
em que medida medeia-se o percurso entre o você e o eu?
em que medida se-me-revelas?
em que medida se-me-desnudas?
em que medida há distância tão próxima?
é a linha oblíqua, distorcida, que une dois pontos.
será que ela mede até o medo?

se fora poesia afora

... e aí, então, se ainda resta dúvida,
que essa não repouse em boca muda:
que tenha som e vida, e oriunda
ela seja da desarmonia sincera.

e aí, serei eu em minha medida
na resposta - se mim, em ti úmida
de alma e carne viva minha.
- sangrarei, tardio, em brisa alheia.

repousarei sob asas de poesia inteira
e mesmo incompleto, ainda folha rasgada,
então um tom partido, uma bruma pesada.

serei eco e sopro de lábios celados
e meus sonhos, calados, soarão, revelados
- e serei, no fim, mudez que prospera.

Paisagem pouso incerto

passarinho no seu ninho...
passaria, possível, perto.
pousaria, calmo, pertinho
povoando em vôo o oco certo.

passa passo-a-passo
parecendo até que ensina,
pondo um ponto no que faço,
ponderando no vento minha sina.

passarinho professor da passagem
passarinho por sobre a paisagem,
pondera o tempo sem passado
professorando: deixai o paço!


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buscando uma fuga.

quarta-feira, 4 de março de 2009

o que sobrou do natal

deus sabe: não meço as palavras.
não há nelas escalas ou réguas.
são fruto de acaso solto, desconexo.
se no gesto há harmonia, ou o inverso,
ainda falta ritmo, e calor. ainda falta incesto.

falta dormir a música no leito do poema,
e talvez até ainda lhes falte paisagem
mesmo pequena, mesmo alegrezinha,
para haver uma próxima viagem.

quiçá não há o que ser feito, é só.
é o que se pede e nunca alcança -
"Papai-Noel, me faz poeta!"- e espera.
ele me deu livros, papel, canetas.
até sonhos e chama ele me deu.

mas se ao menos a fantasia desse nó
a cada palavra, a cada criança
nos meus dedos, haveria mesmo poesia
e não apenas só as penas e o pó.

a fênix

minha alma divina divaga quando aquieto a língua.
e é por isso que sou assim calado, assim quieto,
e só movo-me deveras pelos olhos, à míngua,
às lágrimas, aos risos. atrás deles eu arquiteto
a próxima sílaba da minha manhã, ou o ponto
(mais-que-final) do último anoitecer. e refaço,
e desfaço, disfarsando que nada há de meu
em cada traço riscado ainda em mente, ainda eu.

e quando a boca se abre, o mundo está pronto.
o som sai e ecoa. é boda e é festa: renaço
depois de morto, depois do último sopro.
e já não sofro e já não temo as minhas sombras.
vivo nas ondas do som, das palavras sussurradas.
já não me sobra nem falta nada: todas palavras usadas.
não há mais peso sob os pés ou sobre os ombros.
vento novo no meu corpo: elevo-me, revelo-me, me movo.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

a festa da carne (ou depois)

eis que então acaba assim,
"todo carnaval tem seu fim".
e a vida volta a ser quaresma
numa púrpura e apagada réstia
de sol, ao entardecer do desejo,
na fé de habitar onde nada resta.

e tudo que se fez, cada ensejo,
foi como se não o houvesse,
nem fosse, virou poeira e prece.
a febre volta à frigidez, ao mormaço
as mãos esperam o próximo passo,
como se ele fosse o algo necessário.

depois da bonança, a calmaria,
o desprópósito maior que a festa,
- maior que a despudorada vergonha
- que atesta de pronto um desânimo.
a carne, ora entorpecida, apodrece.
o orgasmo morre. a vida adormece.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

translação

se eu pudesse diria que o mundo mudou mudo.
mas fica fixa a inflexão do paradoxo, quebrado.
mudar como caos e mudar como torcer e mudar como quebrar e juntar de novo.

as almofadas encapadas de cetim e veludo.
as bailarinas de fino toque jovialmente virgens.
a petulância das mansões do século passado.
as flores desinteressadas da avenida principal.

frivolidades alegres e frias como geleiras.
há qualquer coisa de obliquo, de distorcido, sem ser diferente.
sem estar diferente.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

CARTA ABERTA À HUMANIDADE PARA 2009



digam-me que o engano faz parte do acerto, e que as estrelas marcam a direção dos sonhos. digam-me que a felicidade reside no sorriso alheio. que cada pessoa no mundo consegue ver um espelho seu no destino abandonado das criamças de rua, nos alcólatras e drogados, nos desvalidos, nas viúas dos soldados, na saudade dos exilados, na rancor dos desprezados, na sobriedade solitária dos indigentes. digam-me que o mundo tem chance e podemos esperar mais das pessoas. que não há vazio onde houver fé no homem, que não há dor gratuita e indiferença. que o salário é justo e a dignidade é farta. que o sabor do vento é doce, que a maré é saudosa dos corpos na praia e as geleiras fortificam-se. que a metade de lá do globo vai descansar de noite. que o pai do fulano vai voltar de viagem, e a mãe do cicrano vai curar do câncer. prometam-me que todos seremos menos mesquinhos, e a sinceridade trafegará entre os olhares como em infância, e sejam verdadeiros e acreditem e batalhem... e me dêem paz. e me doem esperança e coragem pra enfrentar mais um ano de luta sem descanso em busca de felicidade e felicidade verdadeira.

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atrasado o pedido. mas a busca permanece.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

ser/estar

não estou aqui pelo que eu já disse nas inumeráveis conversas, promessas, discursos, guerras ou devaneios.
estou eu aqui pelo erro do evitar dizer
de evitar e negar o que inevitavelmente se é.
por causa daquilo que irrevogavelmente busco e irremediavelmente ignoro:
aquilo que me fará um dia ser completo, perfeito e uno
e tão e mais eu comigo mesmo.
estou aqui, por inenarrável e ignóbil erro de acaso, gramática e lógica:
estou aqui, irresolutamente, por minha causa.

por tudo aquilo que, no fundo, espero de mim. por tudo aquilo que o futuro não me revela, e nada mais que o tempo é desvendar.

estou aqui à espera
daquilo que ainda não sou
do homem que um dia serei.

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o limite ilusório entre o sonho e a realidade é a crença nas nossas certezas.
o limite real entre a crença e a dor é a verdade.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

dos erro(e)s

tudo flutua entre o que o peito pede
e o que diz a mente oculta.

revela a relva a rosa rouca
e a reza é ressalva, não ranso,
nem riso. é roupa rasgada,
é carne viva e revolta.

é rastro e ramo de todo resto
é posto e casto presto.
reembala o rosto e a resma
parece uma quase quaresma...
que comocadente restringe ao castro,
ao quarto sujo, o retorno, o prúrido incesto:
a relaxada ronda do temido gesto
na ferida, na alma, na terra rasgada.

retoma e retorna, que a roda revira
e resta ainda a ultima prece:o beijo
e o suspiro, sem suspense
sem resposta, sem senso.
resvala a rústica ressalva
ainda respiras sem alívio.a
inda reviras a pedra
a procura d'um rio.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

que(r) dizer

Uma pergunta impertinente tem me assombrado nesses dias inglórios, como louros de uma conquista às avessas. E ela ressoa em cada página, submersa: “Quê dizer?... Quê dizer?... Quê dizer?”. E me vem de súbito aquela impressão que depois de tanto tempo, depois de tantas palavras, já tão somente falo sem dizer nada. E mesmo que de fato eu diga, o fato de não atestar naquilo uma considerável parcela de entendimento e luz própria, de não reconhecer claramente o que quero dizer, para mim, é provável que eu já não diga nada. E que apesar de tantos riscos, de tantos símbolos, de tantos desencontros, de tantos pensamentos e paredes, finalmente me perdi por inteiro. Se estou pessimista, indigno, reconheço: é porque me falta significado – essa substância do espírito, que de tão imensa já não se enxerga – e que nada em minhas lembranças, nos relógios ou na razão apresenta uma mísera migalha de segurança ou garantia.
Mas enfim... Será que isso importa?
Ou ainda: será que isso já não é por si só encontrar-me todo significado?

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

água queima

era um lago vazio e profundo
- vazio, pois não era morada,
profundo, porque era mistério.

e cada gota d'água que ali
suavemente era plantada
sumia, virava lodo.

e cada corpo que lhe pungia
a tenra superfície, morria.
esgotava e secava o movimento.

e cada sonho, ele dissolvia.
e cada alma, ele consumia.

somente a dúvida ele alimentava.
e ele crescia e inchava,
até que sumia o próprio dia
até tapar o próprio Sol
até encostar na Lua.

o lago, algo como coisa viva,
a tudo destruiu, e de subto calou.

passou dia, passou-se eras.
e o lago, apesar de maligno,
estava calmo e imenso.

os homens, por desmedida,
lhe nomearam Oceano.
os homens, por ingênuos,
lhe chamaram Pacífico.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

que nome é possível?

coisa de uma cena que me angustia com uma dose inoculada de remorso.
dessas que aconteciam todo dia, no início de tudo. no início do meu início. na inexorabilidade da minha própria existência.
algo que como uma comoção incomoda, quer perfaz minhas artérias, minhas veias, meus pulmões com a baforada seca a acre de minha mudança, de meu apaziguar-se, da minha inegável estupidez. da minha configuração, adaptação, do meu deixar levar. e capaz de emudecer-me de tal forma, que meus olhos, percebo, estavam surdos.


se fosse obrigado, culparia a metrópole, e seus úteros podres, que só parem destinos falhos e abominação. ou à psicologia, grande mestra de muita de nossas ignorâncias. mestra verdadeira, pois nos educa e nos justifica. nos torna impunes por natureza, naquele mecanismo de auto-preservação, que aniquila o terror que nos assola nas calçadas imundas, nas praças, nos becos... a ponto de eliminar o desconforto da desgraça iminente. sedando-nos, e nos insandecendo.
mas a verdade me força a maiores razões, a uma maior distância. ela me joga nu na rua fria de uma realidade pavorosa, onde a chuva inconstante torna aflito o sono e o coração.
a cena se resume numa praça burguesa da cidade, onde tantos transitam irreparavelmente absortos em seus problemas, uma multidão de solidões.

no meio de um canteiro gramado, uma mancha se meche e respira. a era um menino, mirrado, uns 7, 8 anos, encolhido debaixo dum trapo, adormecido por entre a orquestra violenta da total indigência metropolitana.
passa uma mulher:"por favor, onde fica a Rua Ceará?" numa voz de outras terras - nordestina, com certeza, roupas bonitas e simples. achei irônico aquilo, sorri por dentro. respondi:"acho que uns dois quarteirões abaixo. mas não tenho certeza. pergunta naquele bar, eles devem informar melhor." seguiu-se um"obrigada" de sua parte e da minha, "boa noite".


eu fumava tranquilamente. a chuva fina não era problema meu. ponto de taxi em frente... tudo bem, estava já praticamente em casa, 23 quarteirões dali.
a mulher vai ao bar, volta. paralisa-se um instante. vai até o menino, cobre-o com uma blusa dela num carinho quase maternal. deu-se um tempo de um minuto aquela cena. e cada gesto seu me comovia. ela deixa o menino ainda dormindo, se afasta de vagar. toma seu rumo para a Ceará.

a visão me deixou estarrecido. não por nunca tê-la visto, mas por perceber que tinha desgraçadamente me acostumado a ela, nunca percebido a coisa nela como parte de mim.
me culpei, senti-me sujo em minhas vestes, um verme. como me tornara essa coisa que tanto abomino? essa massa mansa, que se deixa levar cega e surda pelas ruas? cabresto?
aquele ato de uma desconhecida a um indigente, puro e simples compadecimento, cheio de um importar-se com o outro, alheio, vago, nulo, perturbou-me.

parecia que eu havia recobrado a visão, e uma dor necessária me tomou. remorso, egoísmo, indecência. deu-me vertigem suspender o manto transparente da realidade.
aquele menino, tão humano, tão igual a mim... apodrecia com o que parecia ser o meu consentimento, com a minha inércia. senti-me horrível. perguntava-me porque. vi que algo na alma, somente nela poderia despertar essa sensibilidade. perguntava-me o que meu pensamento, o que a minha vida poderia fazer para ajudá-lo. não para limpar a minha consciência, não para livrar-me de um fado pesado. para libertar-me de uma cegueira, para mover-me em ação definitiva.

pode o pensamento de um só realmente mudar o mundo? sempre me parece que não. mas não me conformava com essa resposta. que podem os sábios e os poetas em seus gabinetes, em seus livros contra essa maldição?
parece-me que tudo agora tornou-se frivolidade. mentes dissonantes com a verdade, aquela que tanto se busca e tanto se esquece. a vida não são pensamentos nem palavras, como tudo que eu era, como tudo que sou. a vida é maior e pior, mais baixo, mais ventre e entranha. a vida é estômago, não cérebro.
resta-me essa sombra de inutilidade. esse persistente despropósito. esse pó.

o menino, continuou a dormir, na chuva. tentei acordá-lo, me afastou, ainda dormindo. "você vai se molhar, amiguinho! acorda!". nada. a chuva aumentou sentei-me ao seu lado, esperando que houvesse ainda resposta diferente. nada. dez minutos fiquei, remoendo as sensações. por fim, largando-o miseravelmente ao abandono, fui ao taxi: "pega a francisco sales."

e cá estou. incomodado. confuso. como a derramar bile em linhas, em palavras. confinado na minha insignificância, na miséria alheia, que se fez minha. sou parte disso. não como eu pensava, mas como realmente era. dói-me. recolho-me.

como será o mundo agora?

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

o rei dos ladrões

escreve e não esquece:
o muro da tua casa
é tua guarita de guerra.

se estranho se aproxima,
não espera! atira!
e ferra o desgraçado!

não deixe a porta aberta
segundo algum, nenhum dia.
põe cruz dentro, contra bruxaria.

não estremeça quando o medo,
o de mãos terríveis, lhe tocar.
sê firme! e morre, sem ralhar.

à noite não durma,
de dia espera e guarda
sua madrugada.

e aguarda que te encontra
esse pior bandido, inimigo copioso:
esse amor sem razão ou consolo.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

dum lugar no tempo

de todos os cantos
murmuram livros de vento
com vozes de pardal e sabiá.

a tarde enaltece a paisagem,
as idéias suspiram novos lares
e repousam nas prateleiras.

olhos atentos procuram
palavras, versos, teorias.
a tarde anoitece a passagem.

a porta está entreaberta,
as crianças gingam, esculacham,
e cadecem de novos horizontes.

há uma infância toda
enclausurada e livre
nas mãos de Fernandos, de Carlos, de Ligias e Cecílias.

cada página respira.
vilas aparecem, passam laranjeiras.
Lucas lê Crosué nas casas de Minas.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

a última lembrança

tenho medo do escuro, mãe.
deixe a luz acesa.
cada dia é um segundo, mãe,
antes que eu adormeça.

deixa fora, mãe, esse medo
ele não deixa a paz.
esconde logo esse silêncio,
ele não se desfaz!

tudo agora é vazio, meu filho.
deixe estar.
o mundo é farto e eterno fastio,
o que resta é esperar.

deixa disso, mãe! vem! se mexa!
a porta está aberta, é só passar.

vai-se embora! corre, menino!
é a sua hora de atravessar.

que é isso que cê treme, mãe?
alguma coisa aconteceu?
não é nada grave, querido
é só que agora me anoiteceu.

quê eu fasso, mãe? agora tá tão frio!
por que dessa voz rouca?

vai-se embora que a manhã é pouca, filho.
não te esquece que a brisa é sempre abrigo, e vai.
o Sol te aquece, e não esqueça:
cresce! voa! corre, menino! agora o seu destino é seu.

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*imaginem um violão tocando ao fundo,
encontrem um ritmo...
será que eu paro por aí?

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

os sonhos dos eternos

se eu tivesse o sonho
que eu não tenho,
dançaria na chuva
enregelada de amor.

se eu tivesse o sonho
que eu não tenho,
beijaria o som
de tua terna voz.

se eu tivesse o sonho
que eu não tenho,
regaria teus pés
com olorosos perfumes.

se eu tivesse o sonho
que eu não tenho,
saquearia da noite
as tenras estrelas.

se eu tivesse o sonho
que eu não tenho,
desejaria mais um
para não ficar só.

ah, se eu tivesse um sonho...
seria sonhar realidade
mais pura, mais branda
e mais ardente - tempestade.

arremessos

Atirei
uma pedra
no rio.

sorrio
sozinho
a espera
das ondas.

a pedra
fincou
o pé
na água,
e ficou
pra dançar
no raso
do rio.

domingo, 12 de outubro de 2008

fico a pensar se algo de novo a me esperar na próxima esquina.
e desejo que por um instante a imaginação não me escutasse
e o mundo perecesse mais equilibrado...

será que compensa?

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

mil coisas

de repente, inadivertidamente, passam mil coisas na minha cabeça. cada um com um peso diferente, com um nome diferente, com um destino diferente.
e eu no meio e eu abaixo disso, imaginando as coisas mais escuras ou claras do que elas são, sem saber o que me diferencia delas. sem saber o que me liga a elas. sem saber o que ser.
sem saber o que dizer para me reconfortar dessa pontada de desânimo, dessa manhã clara, nessa vadia sorte de principiante, que escolhe a todos e à ninguém.
vai ser difícil, pensei, mas nem tanto.
há coisas piores do que cair no poço.
não encontrar a saída desse, não saber onde é pra cima. não saber que sempre se está no poço.
não saber que isso nnão é ruim. não entender e se matar aos poucos por isso.
mas as coisas continuam no fluxo de um rio. cair no poço pode te levar por leçóis de terra, abaixo dos pés e da razão. até florescer como água nova, lívida, fundamental e precária.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

...o que será que é isso?

é o que acontece quando acontecem essas coisas inadiáveis, incompreensíveis?
algo que comove a alma, corrompe a mente, deixando as núvens vazias, as flores confusas de cor. Deixa tudo envolvido num mistério, num fogo sem luz, numa sombra branda, num vento de um afago. Uma carícia vazia, um beijo oco, num fluxo inédito, desconhecido, desses terrenos do espírito. E algo muda.
Seria paixão? Creio que, antes, medo.
Uma ânsia perante o abismo, onde todo caminho acaba...
Acaba? não.
A queda é um vetor, uma seta, um caminho igual e oposto a tudo que existe... a tudo que se conhece.
E perceber que essa queda é o caminho é o passo vital. Pois, é preciso lembrar, o tempo arrasta sempre em frente, sempre em frente, sempre em frente, como uma máquina prestes a nos esmagar em suas engrenagens sujas e enferrujadas. É uma marcha comandada sem condecendência, sem compaixão.
É preciso uma saída! Mas não há portas.
É preciso vontade! Mas não se encontra desejo.
É preciso esperança! Mas não há saída.
Tem-se a impressão de que certas questões não se resolvem, nem exixtem para isso. Elas estão vagandopor aí: uma interrogação semresposta... e por um momento, me lembro: Como isso é bom!!!
Aquela chibata que fere, sangra e aflora. Mas cicatriza, amadurece e se torna alegria. É uma felicidade assim, pura e ingênua.
A instância da existência, que comporta tão bem esse peso e esse gozo, essa escolha e essa perda... essa tentação e esse desejo.
Acho que isso é viver

domingo, 28 de setembro de 2008

secular


as horas têm uma mania curiosa de passarem vagarosas no domingo...
não há nada que se possa esperar nessas tardes monótonas.
nem salvação, nem paz. é tudo uma comunhão estranhamente familiar entre tédio e energia.
algo que preso no peito, perversamente converte a libido em pecado, inalienavelmente.
nem a solidão é pura, nem a comunhão liberdade. é uma flutuação entre a carne e o espírito. uma vontade louca de estrapolar a tênue linha da abstinência. o prazer que invade a santidade e se espalha vadiamente pelos pêlos, pela nuca, pelos seios... e desce.
o inferno está coberto de confissões e falso arrependimento - pois não há porque se arrepender.
pende a luxuria vagarosa no relógio, a preguiça inabalável, o desejo quase mórbido de ater-se para sempre num segundo antes da fatídica segunda-feira... descobrindo que há espaço no tempo secular do domingo.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

despropósito

se quiseres um fado, te dou.
um que tenha asas de tinta
e pernas de cobre e aço.
um que cante sem voz.

se quiseres um fado, te dou.
um com tinta de ácido
e sabor de morango.
um que é gozo e algoz.

se quiseres um fado, te dou.
um que vagueia manso
e termina tanto bruto.
um que desfaz a vida.

se quiseres um fado, te dou.
um que atormenta a hora
e suspende teu medo.
um fado chamado poesia.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

regras do jogo

I
pequei por mim.
algo que, como assim,
peguei pra mim.

II
en passant desdigo tudo.
não foi por mal
mas, às vezes, eu erro, sim.

III
en passant, desligo tudo,
mas, às vezes, não é assim,
todo eu que há em mim.

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à nós, Rafa.
e às (n/v)ossas Dissoluções Filosóficas

intuição n°1 [ imagens irremediáveis]

deve ser porque existem muitas palavras no espaço. pregadas com selo de vento, espalmado.
deve ser porque nunca se mede onde cuspir, nunca se pede o que cumprir. porque nunca se mexe. está ali.
deve ser porque de nenhum outro jeito seria, se não fosse exatamente como não é.
é o demônio no paraíso.
deve ser assim...

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inspirado em
Apenas Sinta.

*fui lá e me deu medo e sabor.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

proibições n°4 [devaneios metafísicos]

...a alma não é coisa que se limpe, pois tão pouco é coisa que se suje. nem algo que se use, ou desuse, nem se abotoa.
não gosta nem não gosta, não ama, nem não ama.
nem alma, nem desalma.
nem lama nem pó.
a alma é roupa queimada e sem sujeira, limpa, mas faceira.
pronta a nos enganar, tomar posse e nos abandonar.

alma é pior do que puta!

proibições n°3[do bem]

e o bem último não é igual felicidade. é algo assim, que não sei como é.
mas assado, e não assim.
se fosse assim, seria fato fácil na vida por um fim. sem que ninguém se canse, ninguém se acuse ou cause descontentamento...

a vida sem felicidade seria muito mais feliz.

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*felicidade como compromisso último é pura falta de criatividade.
e de liberdade.

proibições n°2 [eu]

pois que percebi que nunca disse, nunca fui, nunca amei, nunca sorri, nunca ideei, nunca explodi, nunca gritei, nunca bebi, nunca trouxe, nunca construí, nunca urinei, nunca ganhei, nunca fodi, nunca vinguei, nunca cansei, nunca cresci, nunca nasci, nunca chorei...

eu nunca nunca.

nunca.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

explicação para mudança abrupta de humor

estou estranho:
algo invade o meu peito...

acho que é a felicidade
fazendo ronda
no terreiro.

mias

pra ser sincero, existem punhados de coisas que me instigam. punhados panhados na terra e na núvem, e no outro, e no amor, e no tempo, e no mar, e no seio da namorada, e no adeus, e na chegada, e no sorriso da idade (da velhice e da infancia). na pergunta que não cala, e que não sabe que é pergunta.

segundas intenções e uma péssima poesia

sou o calor que lambe as pernas das meninas
a malevolência do olhar
o fraco do vencedor
a vingança da sensibilidade lúdica
a pura vadiança das vizinhas
o suor escondido dos meninos
a pululança dos gemidos escorraçados
os segredos dos pais e dos filhos

eu sou desejo.
minha casa é a varanda
a sala a cama o mato o suspiro
a senzala e a casa-grande
o cristão o judeu o árabe e o ateu
a África e o mundo desde a Etiópia
a China e América e todo canto
que esvaece de gozo a cada instante

*dados estimam no mundo constantemente, a cada instante instante, uma média de 60.000.000 (60 milhões de pessoas) estão transando... O que você está esperando?? contribua para as estimativas continuarem altas!!

carta n° 9 [atrás de um momento]

se você olhar bem, existe um riso por baixo de cada acaso: um riso que resiste à perseguição da normalidade, um riso que reside nos nossos desejos, e que insiste na fuga desenfreada da regra e da norma.
aprenda a sorrir com os seus acasos, caro amigo. eles muito nos revelam sacanas e humildes comediantes de sentimentos, poesias, romantismo, sonho e desejo.
porque o acaso, é como papai noel: só existe se acreditamos nele. e acreditando nele, acreditamos em nós mesmo, nus e crus, na esperança de algo que quebra a monotonia de nosso destino grandiosamente indigente.

proibições n°1 [felicidade pode?]

não, não pode!
nada além da verdade
pura e a priorística
de um ser definido
sem decisão.

há algo como o quê
de um destino incisivo
por baixo do poder
da vontade, fatalidade!

passivo a tudo,
à hora, ao inferno,
à lombriga na entranha,
na estranha condição
esta de estar vivo.